O Brasil tem um papel pioneiro na identificação e pesquisa desses canabinoides. O laboratório de Zuardi foi o primeiro no mundo a demonstrar os efeitos ansiolíticos (calmantes) e antipsicóticos do CBD, ainda nas décadas de 1970 e 1980 — quando o estudo da maconha estava longe de ser essa vedete científica da atualidade. Todos os professores que lideram pesquisas nessa área hoje na FMRP são ex-alunos de Zuardi (que continua ativo); e o grupo é atualmente o que mais produz trabalhos científicos sobre o canabidiol no mundo.
Os estudos tiveram um boom a partir de 2008, com a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Translacional em Medicina, que abriu caminho para parcerias com a indústria e com grupos de pesquisa internacionais importantes; entre eles, o do professor Raphael Mechoulam, na Universidade Hebraica de Jerusalém, descobridor do CBD e considerado a maior autoridade científica em canabinóides no mundo.
O produto brasileiro é uma mistura de CBD puro — extraído de plantas de maconha importadas da Europa (porque o plantio no Brasil segue proibido, mesmo para fins terapêuticos) — com óleo de milho. A fórmula, desenvolvida e patenteada pelos cientistas da USP, em parceria com a empresa, é isenta de tetra-hidrocanabinol (THC), a substância que dá o “barato” da maconha, quando a planta é fumada. O THC também tem efeitos terapêuticos comprovados para algumas aplicações — o Mevatyl, por exemplo, tem mais THC do que CBD —, mas necessita de um controle mais rígido, por conta de seus efeitos colaterais.
Esse desenvolvimento só foi possível graças a uma decisão da Anvisa, de janeiro de 2015, que retirou o CBD da lista de substâncias proibidas no Brasil, reclassificando-a como substância controlada. “O entendimento dos diretores (da Anvisa) foi fundamentado nas indicações técnicas de que a substância, isoladamente, não está associada a evidências de dependência, ao mesmo tempo em que diversos estudos científicos recentes têm apontado para possibilidade de uso terapêutico do CBD”, declarou a agência, na ocasião. “Com isso, a diretoria entendeu não haver motivos para que o CBD permaneça proibido.”
Na sequência, além do trabalho de pesquisa científica, o grupo de Ribeirão Preto participou ativamente das discussões sobre regulamentação do uso médico da substância, junto ao Conselho Federal de Medicina.