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Violência
06/05/2020 20:00:00

Como identificar, se proteger e denunciar violência doméstica durante a quarentena

No contexto da pandemia de covid-19, os atendimentos da Polícia Militar a mulheres vítimas de violência aumentaram 44,9% no estado de São Paulo.


Como identificar, se proteger e denunciar violência doméstica durante a quarentena

“Se você está em casa com seu agressor, lembre que você não está sozinha.” A frase é de um vídeo feito por mulheres que está circulando nas redes sociais e não tem absolutamente nenhum som, apenas imagens - isso porque tem a principal intenção de proteger e ao mesmo tempo informar mulheres vítimas de violência doméstica de seus direitos. Nas fotos, cartazes mostram o caminho para obter ajuda diante de uma agressão neste período de quarentena.

No momento atual, o cuidado é necessário, mas a informação ainda mais. Considerada a medida mais eficaz contra a disseminação do novo coronavírus no Brasil e no mundo, paradoxalmente, o isolamento social deixou muitas mulheres vulneráveis e provocou aumento expressivo nos casos de violência doméstica em pelo menos 6 capitais brasileiras desde o início da quarentena. Para elas, não sair de casa é sinônimo de mais vulnerabilidade.

“É um equívoco imaginar que o lar seja a representação de um lugar de paz, um local sagrado, inviolável e até de não interferência por parte da Justiça, do Estado. Não é bem assim. O lar também é um espaço onde a gente identifica as chamadas relações assimétricas de poder”, aponta Silvia Chakian, promotora de justiça do MP-SP e membro do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica. 

Os dados que refletem essa realidade estão em levantamento realizado pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), a pedido do Banco Mundial. O estudo contempla 6 estados brasileiros. Em comparação com o mesmo período em 2019, os números de ocorrências aumentaram em São Paulo, Acre, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Pará.

Só no estado de São Paulo, que concentra o maior número de casos de covid-19 no País, atendimentos da Polícia Militar a mulheres vítimas de violência aumentaram 44,9%. O total de socorros prestados passou de 6.775 para 9.817, na comparação entre março de 2019 e março de 2020. A quantidade de feminicídios também subiu, de 13 para 19 casos (46,2%).

No Acre, constatou-se um crescimento de 2,1% no número de atendimentos, um aumento de 470 para 480 no mesmo período. Também foram registrados dois feminicídios, contra apenas um ocorrido em 2019.

Rio Grande do Norte apresentou aumento de 34,1% nos casos de lesão corporal dolosa (quando há intenção de ferir) e de 54,3% nos de ameaça. Mato Grosso quintuplicou o número de feminicídios, subindo de duas ocorrências para dez. No Rio Grande do Sul, apenas um caso havia sido contabilizado em março de 2019, enquanto foram registrados quatro no mês passado. No Pará, observou-se uma diminuição de 32,9% nos pedidos de medidas protetivas - o que é atribuído à subnotificação, devido à dificuldade de acesso aos serviços.

“A expectativa é de que esses casos aumentem durante o período de confinamento e os serviços estão preparados para isso, de forma remota. O desafio neste momento é fazer que as informações corretas cheguem até as mulheres, que estão em um espaço violento, o que impede o acesso”, pontua a defensora pública Paula Sant’Anna Machado de Souza, que atua no Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher.

Isso porque, segundo a especialista, o confinamento não só intensifica a violência nas famílias, como estimula a subnotificação dos casos, uma vez que a vítima tem sua circulação restrita e a convivência intensa com o agressor se torna um impeditivo na hora de buscar ajuda, por desencorajá-la a denunciar. Esse cenário também aumenta a sensação de desamparo pelo Estado.

“A existência do medo, da questão financeira, da experiência do isolamento... Não só a mulher fica submetida a um ambiente de violência, como também fica desamparada, sozinha, sem poder contar a alguém o que está acontecendo”, diz Chakian. ”É importante que ela saiba que pode buscar ajuda mesmo durante a quarentena e que os serviços estão funcionando”, completa. 

Como identifico, me protejo e denuncio durante a quarentena?

Segundo a Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar é definida como “qualquer ação ou omissão que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou material”, contemplando as que se identificam com o gênero feminino — transexuais, travestis e transgêneras.

A violência não acontece de uma hora para a outra, mas sim dentro de um ciclo. O termo “ciclo da violência” foi criado em 1979 por Lenore Walker, psicóloga norte-americana, e é composto por três fases: aumento de tensão, ataque violento e a calmaria ou o que ela chamou de “lua de mel”.

“Com o convívio, aumentam-se as tensões”, aponta Chakian. Neste ponto, é importante ter em mente que a agressão física não é o primeiro sinal, mas sim a psicológica. Essa pode ser caracterizada por comportamento controlador do parceiro que, por exemplo, pode controlar com quem a vítima conversa, seja pessoalmente ou, no contexto do isolamento, pelas redes sociais. 

Os sinais de violência psicológica vão desde ciúme excessivo, humilhações e até ameaças - que já indica que há extrema vulnerabilidade e que a vítima deve pedir ajuda.

Em seguida, de acordo com Walker, as agressões físicas acontecem e, depois, o agressor se mostra arrependido, o que se caracteriza como a “lua de mel”. E, então, o ciclo recomeça e expõe a mulher a um ambiente inseguro e violento de forma permanente.

Especialistas aconselham que, mesmo diante de um ambiente como este, é importante tentar falar com vizinhos, pessoas próximas e deixá-los informados da situação para que a polícia seja acionada, por meio do 190, caso necessário. O Ligue 180 também está disponível 24 horas por dia, todos os dias, inclusive finais de semanas e feriados, e pode ser acionado de qualquer lugar do Brasil. 

Na ausência de uma rede de apoio, os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, em especial as Delegacias de Defesa da Mulher e a Casa da Mulher Brasileira continuam em funcionamento 24h - e contemplam atendimentos necessários: psicológico, jurídico e de assistência social.

Com prorrogação do isolamento social, em especial, no estado de São Paulo, boletins de ocorrência podem ser registrados online. A fim de orientar as vítimas, tanto a Defensoria Pública do Estado de São Paulo quanto a Polícia Civil elaboraram manuais de como realizar a denúncia corretamente.

As vítimas podem solicitar remotamente a implementação de medidas protetivas de urgência na da Defensoria Pública e Ministério Público. O atendimento à distância na Defensoria é feito pelo Núcleo de Defesa das Mulheres Vítimas de Violência de Gênero  e pode ser realizado pelo WhatsApp, no número (11) 94220-9995; e gratuitamente pelo 0800-773-4340.

Quando as medidas protetivas são solicitadas no momento da ocorrência, o pedido é encaminhado diretamente à Justiça. É recomendado que a vítima tenha em mãos mensagens de textos, áudios, fotografias, comprovantes de entradas em hospitais, declarações de testemunhas, ou qualquer outro material de comprovação.

Aplicativos, redes sociais e iniciativas são aliados 

Independentemente da rede de enfrentamento oferecida pelo Estado, existem outras formas de buscar ajuda, mesmo dentro de casa. Entre elas, estão os aplicativos para celular e robôs em redes sociais já existentes e que tratavam da mesma temática mas que, diante do aumento de casos durante a quarentena, criaram novas ferramentas para auxiliar gratuitamente mulheres vítimas de violência sexual e doméstica no período de isolamento social.

PenhaS

No ar desde 2019, o aplicativo PenhaS, realizado em parceria com a revista AzMina, faz referência à Lei Maria da Penha, e tem 3 áreas de atuação: “EmpoderaPenha”, “DefendePenha” e “GritaPenha”.

Na área “DefendePenha”, o aplicativo atende à demanda da identificação com outra mulher e do acolhimento. Com a troca de mensagens, a mulher vítima de violência pode se conectar com outras mulheres, trocar informações sobre sua história e reunir forças para buscar saídas. 

Na área “GritaPenha”, existe a possibilidade de cadastrar o número de até cinco pessoas de confiança, que serão “guardiãs”, e acionadas por SMS quando necessário. O app ainda conta com a função de gravador de áudio, que capta o som ambiente, visando construir provas para dar força à denúncia. 

A segurança das mulheres também é prioridade no aplicativo. Vítimas de violência têm a possibilidade de usar o aplicativo de forma anônima e o login é feito com sistema de criptografia.

O app também possui dispositivo de segurança para evitar que o abusador acesse o conteúdo. Todos os cadastros são realizados com checagem de CPF e verificação de número de celular para que não exista possibilidade da criação de perfis falsos e abusivos. Aplicativo pode ser encontrado no Android e iOS.

ISA.bot

A organização Think Olga e o Mapa do Acolhimento, projeto do Nossas.Org, anunciaram uma atualização da ISA.bot, um robô para Messenger e Google Assistente lançado no fim de 2019 com recursos para segurança online das mulheres.

A bot – que conta com apoio do Facebook, Google e da ONU Mulheres – agora trará também dicas e orientações para mulheres em situação de violência doméstica ou para pessoas que possam estar em condições de ajudar. As informações vão desde como manter-se segura, informar alguém sobre o que está acontecendo, até telefones úteis na hora de denunciar. 

Para ativar a ISA.bot, basta enviar uma mensagem no Messenger da Página IsaBot no Facebook. Caso o seu dispositivo seja Android basta ativá-la por escrito ou verbalmente dizendo “OK Google, falar com Robô Isa”, no Google Assistente.

Você não está sozinha

O Instituto Avon, que tem forte trabalho no enfrentamento à violência doméstica, em parceria com a Uber e a Wieden+Kennedy, lançou uma assistente virtual que, por meio de um chatbot no WhatsApp, oferece uma forma silenciosa de pedir ajuda e receber a orientação necessária.

Mulheres de todo o Brasil que estiverem se sentindo ameaçadas podem buscar ajuda pelo número (11) 94494-2415. A vítima é contatada por uma assistente virtual, simulando uma pessoa em sua rede de contatos, para melhor entender sua situação. A ideia é não despertar atenção do agressor.

Depois de responder algumas perguntas para identificar o grau de risco que a mulher corre, ela será direcionada ao suporte apropriado. Caso seja necessário buscar um hospital, unidade de saúde, delegacia ou um centro de atendimento de assistência social e psicológica e orientação jurídica, ela receberá um código promocional para solicitar uma viagem de forma gratuita na Uber.

Projeto Justiceiras

Gabriela Manssur, promotora do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), criou um grupo no WhatsApp que já concentra mais de 700 mulheres. Batizado de “Projeto Justiceiras”, o grupo é composto por médicas, assistentes sociais, advogadas e outras voluntárias que oferecem oferece apoio às vítimas.

Para participar, basta enviar uma mensagem para o número (11) 99639-1212. Em casos mais urgentes, as voluntárias se reúnem por teleconferência para dar respostas rápidas aos casos mais urgentes e apoio às vítimas.

Cartas de Mulheres

O projeto não é um aplicativo e nem uma rede social. Para ajudar mulheres que querem informações e orientações antes de tomar uma decisão diante de uma situação de violência doméstica, o TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) criou o projeto “Carta de Mulheres”.

Nele, as vítimas (ou qualquer pessoa que queira ajudar uma mulher vítima de violência) podem acessar um formulário on-line e, ao preencher os campos e enviar uma “carta”, equipe especializada responderá com as orientações. São profissionais que trabalham na Comesp (Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário).

Locais para atendimento, como delegacias, casas de acolhimento, Defensoria Pública, Ministério Público, além de diversos programas de instituições públicas ou organizações não governamentais são informados.

As respostas levam em consideração a situação de cada mulher e o tipo de violência (física, psicológica, patrimonial etc.) relatada; também são esclarecidos os possíveis desdobramentos em casos de denúncia e os tipos de medidas protetivas existentes.

O TJ informa que o sigilo é garantido e a equipe atende demandas de todo o Estado de São Paulo. É preciso fornecer o endereço no formulário apenas para que a resposta indique locais corretos caso a pessoa decida buscar ajuda.

O tribunal informa que o “programa se destina exclusivamente a fornecer orientações e não haverá o encaminhamento dos relatos aos demais órgãos ou instituições do sistema de Justiça”. 

https://www.huffpostbrasil.com/

 

 

 



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