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Opinião
03/05/2020 11:00:00

O País das Fake News e o Crime Multitudinário


O País das Fake News e o Crime Multitudinário

Eduardo Tavares*

 

Gente, o que os brasileiros têm vivido, nestes tempos do novo coronavírus, é algo já bem recorrente na vida nacional, além, claro, da pandemia.


As pessoas se comportam, cada vez mais, de forma insensata. Tal comportamento vem potencializado pela tecnologia moderna, que produziu as chamadas redes sociais.


Não sei se vocês já ouviram falar sobre o denominado Crime Multitudinário; ou se já refletiram sobre a chamada “alma coletiva".


Como simples estudioso do Direito Penal, e, como professor, falava aos meus alunos sobre as mais variadas espécies delituosas, e, dentre tantos, mencionava a existência do Crime Multitudinário, crime cometido por uma multidão em tumulto.


Tomemos como exemplo uma situação hipotética, ocorrida em um supermercado lotado. Todos estão fazendo suas compras quando, de repente, alguém grita: "Fogo!". As pessoas presentes começam a correr de um lado para o outro, em busca de uma saída, com medo de serem atingidas pelo incêndio anunciado. Naquele corre-corre, um cliente aproveita e lança mão de uma ou mais garrafas de uísque. Outro, seguindo o mau exemplo, subtrai uma ou mais embalagens de queijo do reino; outro, ainda, procura pegar o que suas mãos e braços suportam. Minutos depois, quase todos os clientes estão carregando consigo as mais variadas mercadorias.


Estaríamos, no caso, diante de Crime Multitudinário. É como se uma alma coletiva tomasse conta de todos: menino, rapaz, marginal ou homem de bem, juntos, passam a cometer o crime de furto, aproveitando a oportunidade, sem se dar conta do delito, para desgraça do dono do estabelecimento.
Outro caso ocorre também, este mais comum, quando, por exemplo, um caminhão, carregado de mercadorias tomba na rodovia. A carga fica exposta, e basta que alguém nas redondezas carregue alguns desses produtos para que os demais comecem a fazer o mesmo. Às vezes, o cenário é hilariante, até: uma verdadeira fila de indivíduos, cada um com o produto da pilhagem nas mãos, ou nas costas, ou em sacos amarrados em um pedaço de madeira - um cortejo de criminosos casuais.


Na verdade, todos estão a cometer o chamado Crime de Furto. Esse é outro exemplo do Crime Multitudinário.


Pois bem, existe, também, o chamado comportamento multitudinário. Esse tipo de comportamento tem sido recorrente em nosso País.


Vejam só: a mesma alma coletiva que tomou conta do povo e transformou o ex-juiz federal e ex-ministro Sérgio Moro em uma autêntica paradivindade, hoje se acha dividida em duas: uma parcela que ainda reconhece o valor do ex-juiz; e outra que, ao contrário, não mais reconhece suas qualidades divinitórias e o trata como traidor, como isso ou como aquilo. As agressões veiculadas nas redes sociais não são dignas de ser reproduzidas aqui neste espaço. “Fora Bolsonaro!”, e lá vai a multidão fazendo manifestações e batendo panelas. “Lula é isso ou aquilo”, e lá vai a plebe, coitada, como se fosse um rebanho de alienados, defender ou acusar o político, muitas vezes sem entender o sentido e o alcance da acusação, isto é, sem conhecimento do que está deveras acontecendo.


E tome "fake news"! Melhor dizendo: tome notícias falsas, que, de tanto se propagarem, de tanto se repetirem, acabam sendo vistas como verdades.


Gente, isso é fruto da incapacidade de se pensar racionalmente em nossos dias, em nosso meio.
Crimes contra a honra são perpetrados e divulgados aos milhares. Se antes a palavra se expandia através do boca a boca e atravessava limites, divisas e fronteiras, mesmo que vagarosamente, hoje a mentira, a falsa notícia percorre o mundo em segundos e, dificilmente, a vítima dessas vilanias e comportamentos multitudinários irá provar a sua inocência perante a opinião pública. E, nesse ponto, vem a calhar o que eu chamo de "teoria das plumas ao vento". Ora, mais do que nunca, os crimes contra a honra têm sido cometidos através das mídias sociais. O estrago é grande, e o nosso sistema persecutório criminal ainda não está pronto para lidar com os delitos cibernéticos ou “ciber crimes", na expressão bretã.


A internet é o "locus criminis" (do latim): o local do crime ( a chamada terra de ninguém).
A referida teoria diz que a gravidade da agressão à honra de uma pessoa, seja através da calúnia, da injúria ou da difamação, pode ser explicada com um exemplo simples: suba um homem ao topo de um edifício, e, de lá, derrame, espalhe ao vento, todas as plumas que ele carrega em um saco ou em um travesseiro. Depois, desça esse homem do edifício e procure recuperar tais plumas. Ele recuperará pequena parte delas; o restante, porém, jamais será recolhido.


Isso ocorre com a vítima de um crime contra a honra.


O sujeito, injustamente desonrado pelo crime, readquirirá, porventura, o respeito e a credibilidade junto à sociedade? Não estou a me referir àquelas pessoas que o conhecem, bem como àquelas outras que, só posteriormente, tomaram conhecimento da verdade dos fatos.


Por tudo isso, eu adquiri o hábito de ficar sempre com um pé atrás, quando estou diante de uma notícia apócrifa ou produzida por veículos de comunicação tendenciosos; ou quando a fonte provém das redes sociais, sem indicação da origem da "peta", da mentira, da "conversa fiada".


O que esperar de um País onde grande parcela da população não procura raciocinar, pensar ou concluir o seu raciocínio com base na lógica e na verdade real?

E assim segue o Brasil. Falsos ou fracos líderes. Povo que não pensa e, não poucas vezes, se deixa levar por paixões injustificáveis ou levianas. Agora o seu ídolo é herói, amanhã ele é ladrão. E aí eu me lembro de uma canção que diz: "E vão seguindo a procissão, Marias, Joaquinas, Antônios, Joanas, Josés".
Então, gente, mais do que nunca, cuidado com as "fake news" (como sou nacionalista, não tolero esses termos alienígenas que grande parcela do nosso povo tanto aprecia). A expressão em bom vernáculo é notícia falsa, notícia mentirosa, não raro produzida por seres inescrupulosos que, para ofender o adversário ou desafeto, escondem-se no anonimato. Aprendi a assinar tudo que digo. É uma questão de caráter.


É chegada a hora de o brasileiro pensar primeiro para, somente assim, posicionar-se e cometer menos erros em suas escolhas. A reflexão séria é o pressuposto da ação e da das opções que fazemos. É no presente que nós projetamos o futuro que queremos.

* Eduardo Tavares é Procurador der Justiça



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