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Especial
03/05/2020 16:00:00

Coronavírus: 'Alguns não vão conseguir mais colocar o pé numa UTI', dizem terapeutas de profissionais da saúde


Coronavírus: 'Alguns não vão conseguir mais colocar o pé numa UTI', dizem terapeutas de profissionais da saúde

Pressão extrema, ansiedade, sobrecarga de trabalho e medo pela exposição acima do normal à covid-19 se tornaram parte da realidade diária de muitos profissionais da saúde nas salas de emergência e UTIs de hospitais lidando com o novo coronavírus. E os efeitos já começam a ser sentidos na saúde mental deles — a ponto de alguns poderem ficar temporária ou permanentemente incapacitados para seu trabalho em situações de emergência.

É isso o que centenas de terapeutas e psiquiatras voluntários têm diagnosticado em sessões gratuitas e virtuais que vêm sendo oferecidas a profissionais da saúde na linha de frente da pandemia — entre os pacientes estão médicos, equipes de enfermagem, fisioterapeutas e nutricionistas hospitalares, por exemplo.

O programa Telepan Saúde, idealizado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e pela Associação Brasileira de Neuropsiquiatria (ABNP), já ofereceu mais de 250 consultas online, em todo o Brasil.

"Estamos observando desde quadros leves de medo, ansiedade, insônia crônica e apreensão, que são a maioria até agora, até quadros moderados e graves de extrema angústia e incapacitação laboral. Alguns desses profissionais estão nos relatando a violência da sociedade contra eles: sendo expulsos de ônibus e ouvindo que eles não deveriam estar ali, porque vão infectar as pessoas", diz à BBC News Brasil o psiquiatra Helian Nunes, professor da UFMG, vice-presidente da ABNP e um dos idealizadores do projeto de teleatendimento a profissionais de saúde.

"É um certo estigma que vai sendo criado contra os profissionais da saúde. A gente tem que fazer um esforço muito grande para inibir isso. Por que quem vai cuidar da gente são essas pessoas, e a gente tem que ajudá-las."

'Cobrados ao extremo'

A avaliação de Nunes, a partir dos teleatendimentos feitos até agora, é que muitos dos profissionais de saúde do Brasil ficarão tão abalados pela sobrecarga física e mental atual que podem apresentar sintomas de estresse pós-traumático. E vão precisar de acompanhamento psiquiátrico mesmo depois que o pior da pandemia ficar para trás.

Uma parcela menor provavelmente ficará incapacitada para seu trabalho. "Alguns vão se aposentar ou ter que ser remanejados para outras áreas. Tem gente que não vai mais conseguir colocar um pé em uma CTI (centro de terapia intensiva) ou em uma sala de urgência", explica.

"E não é porque (esses profissionais) sejam mais fracos, ou estejam fazendo corpo mole. Nada disso. É uma confluência de fatores, e o indivíduo tem um limite. Para cuidar de um ser humano precisa de um ser humano, e ele precisa estar bem. Tem muita gente sendo cobrada ao extremo do ponto de vista físico e emocional, tendo que assumir situações muito delicadas, de decisões clínicas e ao mesmo tempo viver a constante exposição ao vírus. Isso não é simples, não. Talvez boa parte dos nossos profissionais não tenha um treinamento tão específico para isso. É tudo novo."

Médicos e enfermeiros como pacientes

Além da complexidade do atendimento aos doentes com covid-19, esses profissionais estão tendo que lidar, em muitos casos, com a falta de equipamentos, com a ausência de momentos de descanso e com a possibilidade de se tornarem pacientes, em vez de cuidadores.

Um exemplo que assombra os profissionais de saúde e que tem sido citado nos teleatendimentos é o da Itália: até o início de abril, o instituto de saúde pública italiano ISS estimava que 10% das pessoas infectadas pelo coronavírus no país trabalham no setor de saúde.

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) calcula que, até 22 de abril, ao menos 32 profissionais de enfermagem tenham morrido de covid-19 no Brasil.

"Pelo menos 4,6 mil profissionais de enfermagem foram afastados por suspeita de covid-19", diz o Cofen em nota de 27 de abril, agregando que o órgão já recebeu mais de 4,5 mil denúncias de trabalhadores se queixando da ausência de equipamentos de proteção individual.

"O adoecimento da equipe, posta em quarentena, agrava o déficit (de profissionais) no atendimento à população, além de representar uma tragédia para os profissionais e suas famílias", afirma em nota Walkírio Almeida, chefe do Departamento de Gestão do Exercício Profissional do Cofen.

Diante dessa exposição maior ao risco, o psiquiatra Helian Nunes diz que muitos profissionais de saúde têm sido pressionados por familiares a abandonar seus empregos — uma pressão que cresce à medida que surgem mais casos de vítimas da covid-19 que são jovens e sem comorbidades.

 


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