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Coronavirus
27/04/2020 12:00:00

Teste que será aplicado em 33 mil brasileiros terá respostas limitadas sobre coronavírus

Inquérito sorológico, financiado com R$ 12 milhões do Ministério da Saúde, pode ser usado para relaxar isolamento social, mas tem risco de falsos negativos e falsos positivos.


Teste que será aplicado em 33 mil brasileiros terá respostas limitadas sobre coronavírus

Primeiro estudo de abrangência nacional de testagem sobre a incidência da covid-19, o inquérito sorológico coordenado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, e financiado pelo Ministério da Saúde tem limitações para avaliar a dimensão da pandemia no Brasil e não é uma garantia de um “passaporte da imunidade”. O levantamento, em parceria com o Ibope, previsto para começar na próxima semana deve ser usado pelo governo federal como critério para flexibilizar medidas de isolamento social.

Financiado com R$ 12 milhões do Ministério da Saúde, o projeto irá aplicar testes rápidos de sorologia em 33 mil pessoas em 133 municípios nas 27 unidades da Federação. Esse tipo de teste detecta se o corpo produziu anticorpos para o novo coronavírus ou não, a partir do 7º dia de infecção. Atualmente eles têm sido usados por profissionais de saúde infectados para saber se podem voltar ao trabalho. Também há gestores locais que adotaram essa testagem.

Os testes aplicados em pacientes internados com suspeita de covid-19 são de outro tipo: RT-PCR (biologia molecular). Eles detectam quem está doente, por meio da coleta de secreções nasais e demoram cerca de 4 horas para serem processados nos laboratórios.

A UFPel aguarda a liberação da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep) para fazer a primeira onda nacional de testagem. A expectativa é de que a autorização seja dada até a próxima terça-feira (28) e que a coleta de amostras seja iniciada até o fim da próxima semana. A previsão é de três dias de atuação em campo e mais dois dias para organizar os dados e divulgar os resultados. Estão previstas ainda outras duas rodadas de testes, separadas por duas semanas, a fim de acompanhar a evolução da doença. 

As amostras de sangue serão coletadas da população em geral, de modo aleatório, em uma metodologia similar à usada em pesquisas eleitorais. Também serão feitas perguntas para identificar o perfil socioeconômico dos entrevistados. 

Profissionais da saúde treinados irão coletar as amostras e o entrevistado vai saber o resultado na hora (demora cerca de 30 minutos). “Você faz um furinho na ponta do dedo, similar àquele teste rápido da glicemia, colhe uma gota de sangue e coloca como se fosse numa etiqueta plástica. Tem um buraquinho onde coloca o sangue e acontece a reação [química]”, afirmou Bernardo Horta, professor da Faculdade de Medicina da universidade e um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, ao HuffPost Brasil. 

O resultado do teste é positivo ou negativo para detectar a presença de anticorpos IgM (de infecção mais recente) e IgC (de infecção mais antiga). Ele não diz a quantidade de cada anticorpo e a resposta depende de quanto  sangue é coletado. “Como ele pega o processo de infecção a partir de uma semana - mas é bom mesmo a partir de duas -, a gente diz que ele dá uma fotografia do que aconteceu agudamente de 10 dias a duas semanas atrás”, afirma o epidemiologista.

Os anticorpos começam a aparecer a partir do 7º dia de infecção, em níveis baixos, mas resultados mais precisos são possíveis só duas semanas após a infecção. Isso significa que, se o entrevistado pegou o vírus na segunda-feira e a amostra for coletada na terça-feira, por exemplo, irá aparecer negativo. De acordo com o pesquisador, essa janela temporal será dimensionada “na interpretação dos dados coletados”. Também é possível um falso negativo por erros técnicos.

Outra possibilidade é o falso positivo. “O teste, em princípio, é programado para detectar a presença de anticorpos contra o Sars-CoV-2, mas ele tem certa similaridade com outros coronavírus que estão circulando, então, de repente, eu posso ter anticorpos contra outro [coronavírus], que têm uma certa similaridade”, explica Horta.

De acordo com estudo a ser ser publicado pela UFPel, a sensibilidade dos testes é de cerca de 80%. Esse indicador representa a capacidade de identificar corretamente os indivíduos que possuem a doença. Todas as unidades vêm da China, segundo o professor.

A qualidade de testes rápidos é uma preocupação em países europeus. O Reino Unido, por exemplo, descartou 2,3 milhões de kits neste mês porque nenhum passou pelo controle de qualidade. 

Nesta quinta-feira (23), a OMS (Organização Mundial da Saúde) alertou que esse é um dos motivos pelos quais esse tipo de teste inviabilizam a ideia de adotar “passaportes de imunidade” - uma espécie de “passe” para liberar do isolamento quem já foi imunizado -, apesar de serem importantes para acompanhar a evolução da epidemia numa população. Outro fator apontado por Catherine Smallwood, encarregada do setor de Emergências da seção europeia da OMS, é que ainda não há conhecimento científico consolidado sobre a imunidade de quem contraiu o coronavírus e se curou.

Em entrevista ao HuffPost Brasil, a professora de virologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Clarissa Damasco também apontou limitações à ideia de um teste que garanta que a pessoa está imune ao novo coronavírus e pode voltar ao trabalho. “Esse passaporte da imunidade é uma coisa muito forte. Ninguém tem como virar para o indivíduo e dar garantia de que está imune. Não há estudo para isso ainda. Isso é concordância geral entre os pesquisadores. Não tem como”, afirma. 

Baseado no que se sabe de outros vírus, a tendência é que uma segunda infecção seja mais branda, porque o organismo vai ter algum nível de anticorpo, mas ainda não há certeza se isso vai acontecer com o novo coronavírus. Damaso também ressaltou a importância de garantir que o teste só irá verificar anticorpo contra o SARS-Cov-2 para não dar falso positivo e que sejam aplicados no tempo adequado, devido à janela imunológica.

Uma alternativa ao teste rápido seria outro tipo de teste sorológico, chamado ELISA [do inglês Enzyme-Linked Immunosorbent Assay ou ensaio de imunoabsorção enzimática], usado atualmente em laboratórios para saber se a pessoa está com dengue, por exemplo. Eles têm uma sensibilidade maior, mas são mais caros e demoram mais tempo para serem processados.

Devido a esses pontos negativos, essa opção foi descartada pelos pesquisadores. “Provavelmente [o teste tipo ELISA] seria mais correto, mais acurado, mas, por outro lado, me traria uma série de outras complicações. Eu precisaria de alguém para coletar o sangue das pessoas. Não adianta só o da ponta do dedo. Teria que provavelmente ter uma logística para coletar o sangue rapidamente em campo e transportar para laboratório. No caso do estudo nacional, faria análise em cada local ou teria de transportar amostras para outro lugar? Quer dizer, começo a ter uma série de questões logísticas que não vou dizer que inviabilizam, mas dificultam o estudo. A ideia é ter uma resposta rápida e eu não teria uma resposta rápida”, diz Horta.

Passaporte para imunidade 

O próprio pesquisador admite que há uma limitação sobre qual o significado de um teste de imunidade positivo. ”É uma doença nova. A gente não conhece detalhes ainda”, afirmou. “Existe uma dúvida sobre até que ponto quem teve [a covid-19] está imune. Muito mais no casos desses testes que dão positivo ou negativo, mas não medem a quantidade, a intensidade de anticorpos. Para essa outra resposta, a gente necessita de outro tipo de estudo”, afirma o epidemiologista.

De acordo com o professor, o inquérito será útil para ter uma perspectiva mais ampla da epidemia, além dos dados oficiais.  “Vai nos ajudar a ter uma ideia do quanto os dados oficiais estão errando, até para poder ajudar o gestor a fazer uma correção. Se estão subestimando em 10 vezes, por exemplo, eu tenho 15 casos em Pelotas, teoricamente já teria 150 pessoas que tiveram infecção”, disse.

Estimativas feitas por pesquisadores apontam que o número de infectados é até 15 vezes superior aos dados oficiais. De acordo com a projeção do grupo “Covid-19 Brasil”, com professores da USP (Universidade de São Paulo) e da UnB (Universidade de Brasília), em 11 de abril, eram 313.288 infectados. No mesmo dia, o Ministério da Saúde informou 20.727 casos confirmados e 1.124 mortes. Nesta sexta, já tinham sido registrados 3.670 óbitos e quase 53 mil diagnosticados, segundo a pasta.

Questionado em coletiva de imprensa nesta quinta, o ministro da Saúde, Nelson Teich, afirmou que a pesquisa da UFPel com o Ibope permitirá entender melhor a epidemia. “Se você faz o teste em pessoas sem sintoma, você começa a entender a incidência da doença na população como um todo. Isso é importante porque vai poder fazer projeções de mortalidade da doença”, disse. Se mais gente for diagnosticada, a mortalidade irá cair. Nesta quinta, era de 6,7%.

Desde que assumiu a pasta, o oncologista tem afirmado que a ampliação da testagem servirá de base para recomendar a flexibilização do isolamento social. As medidas restritivas de circulação, criticadas pelo presidente Jair Bolsonaro, são recomendadas e adotadas em todo o mundo para frear o ritmo de contaminação do vírus e evitar um colapso dos sistemas de saúde. 

Em boletim epidemiológico divulgado pelo ministério neste domingo (19), o Ministério da Saúde sinalizou que pretende aplicar testes rápidos para a população economicamente ativa, pessoas acima de 60 anos e portadores de doenças crônicas que apresentarem sintomas de covid-19.

A nova política de testagem “permitirá a identificação dos casos confirmados de covid-19 com aquisição de imunidade, permitindo o estabelecimento do isolamento com maior precisão, bem como o retorno as atividades com maior segurança”, segundo o documento. A ideia do “passaporte para imunidade” também é defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Pelo Twitter, Teich voltou a dizer nesta sexta-feira (24) que serão feitas mudanças na política de testagem, mas o governo não informou detalhes. Não houve coletiva de imprensa. Ao HuffPost Brasil, a assessoria de imprensa da pasta afirmou, em nota, que “a estratégia de como será utilizada a testagem está sendo definida”.

Nesta semana, o ministério ampliou para 22 milhões a previsão total de testes rápidos. Segundo a última atualização da pasta, contudo, apenas 2 milhões foram entregues. A previsão é de que outros 2 milhões sejam distribuídos nas próximas semanas.

De acordo com Bernardo Horta, se for possível detectar, por exemplo, 70% de pessoas infectadas com anticorpos em uma determinada cidade, “assumindo que tem uma imunidade, posso dizer ‘essa população pode relaxar [o isolamento social]’”. “Tem uma imunidade de rebanho”, disse. 

A imunidade de rebanho é uma estratégia adotada quando não há medicamento ou vacina. Antecessor de Teich no Ministério da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, assim como outros integrantes da cúpula da pasta também usavam como parâmetro para fim da crise quando 50% da população entrar em contato com o vírus.

“O que a gente sabe é que, quando passa de 50% da população infectada, o vírus já não consegue se multiplicar mais na mesma velocidade. Se vai ser 50%, 60% ou 70% da população [infectada], isso é secundário. Em saúde, dois mais dois pode ser quatro, três e meio. Cada organismo é diferente, cada população é diferente”, disse Mandetta em coletiva de imprensa em 22 de março.

Essa ideia, contudo, é contestada na comunidade científica. “Quando a gente tiver os tais 50% de pessoas imunizadas, a gente já vai ter passado, de longe, dessa crise que estamos vivendo hoje”, afirmou ao HuffPost Brasil o professor Domingos Alves, do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, um dos responsáveis pelas estimativas da epidemia.

https://www.huffpostbrasil.com/



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