O Ministério da Defesa ouviu 500 entrevistados em 11 reuniões e concluiu que a França é a principal fonte de ameaça estratégica para o Brasil nos próximos 20 anos.
A visão está exposta em uma minuta sigilosa, obtida e divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (7), chamada de "Cenários de Defesa 2040".
No texto de 45 páginas há a previsão da instalação de bases dos Estados Unidos no Brasil, guerras e até o ataque com um coronavírus contra o Rock in Rio de 2039.
"Suas visões poderão ou não ser acatadas pela pasta, mas traduzem um sentimento médio entre o oficialato — as reuniões ocorreram em comandos militares, organizadas pela Escola Superior de Guerra", diz um dos trechos da reportagem.
O documento trabalha com quatro cenários gerais: "alinhamento automático do Brasil aos Estados Unidos com ou sem restrições orçamentárias para defesa, e relacionamento global do país, também em versões verbas fartas ou exíguas".
O único país que aparece como ameaça constante em todas essas hipóteses é a França.
Segundo o jornal, a menção à França se deve ao embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o seu colega francês Emmanuel Macron no segundo semestre de 2019, quando o presidente francês sugeriu a internacionalização da Amazônia por conta da crise dos incêndios na região.
Segundo um dos cenários descritos, em 2035 Paris "formalizou pedido de intervenção das Nações Unidas na Região Ianomâmi, anunciando o seu irrestrito apoio ao movimento de emancipação daquele povo indígena" e, dois anos depois, "mobilizou um grande efetivo suas forças armadas, posicionando-os na Guiana Francesa".
O texto não diz, no entanto, o que aconteceria se Brasil e França vierem a entrar em conflito armado.
A embaixada da França no Brasil se manifestou sobre o assunto no Twitter. No comunicado publicado em português, a embaixada afirma que soube através da imprensa que a França é citada no relatório do Ministério da Defesa do Brasil.
A embaixada francesa afirma ainda que o exercício de análise brasileiro é comum, porém rechaça o conteúdo do relatório brasileiro afirmando que saúdam "a imaginação sem limites dos autores desse relatório" e ressaltando a parceria regional com o Brasil.
Outro trecho do documento trata da crise na América do Sul envolvendo um possível governo chavista na Venezuela.
Em uma simulação realista, o documento diz que a Venezuela aproveita os mísseis balísticos que recebeu da Rússia e da China e invade a vizinha República da Guiana (antiga Guiana Britânica) atrás de territórios que disputa.
O desfecho não é informado, mas, segundo a minuta, o Brasil seria salvo pelo "escudo antimíssil, sistema desenvolvido pelo Brasil, com apoio israelense e material norte-americano".
Além dos embates com franceses e venezuelanos, é prevista também uma intervenção militar brasileira em Santa Cruz de la Sierra após o governo da Bolívia expulsar fazendeiros brasileiros.
No Brasil, historicamente o Exército era o responsável por esse tipo de estudo. Esta é a primeira vez que o Ministério da Defesa elabora algo nesta linha.
Um outro trecho do documento diz que, em caso do Brasil estar passando por uma crise econômica nos próximos 20 anos, a instalação de bases militares dos Estados Unidos no território brasileiro e em países vizinhos é prevista.
Também é comentado a hipótese do "fortalecimento da Quarta Frota" da Marinha dos EUA, responsável pela América Latina.
Um outro trecho da minuta mostra que, em caso das Forças Armadas trabalharem com orçamento farto, é prevista a compra de um porta-aviões com sete navios de escolta para a 2ª Esquadra, baseada no Maranhão.
O texto também diz que será possível "modernizar a frota de aviões de patrulha" com a aquisição de oito modelos P-3 Orion em 2029.
O submarino nuclear brasileiro já estaria operacional em 2035 e um segundo talvez já fosse lançado ao mar.
Em um dos cenários mais fantasiosos do documento, a hegemonia do Brasil na região geraria irritação de ultranacionalistas do Sudeste Asiático, que espalhariam o coronavírus que provoca a Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) durante a edição do Rock in Rio 2039.
Em um outro momento, um terrorista enviaria o bacilo antraz em cartas para o ministro da Defesa em 2039, como ocorreu nos EUA após o 11 de Setembro de 2001.
Outro ataque envolveria "terrorismo ambiental". Segundo o documento, um "atentado terrorista do grupo ambientalista Nature, realizado em Belém em 2037 contra a empresa norueguesa que explora alumínio na região, levou à morte de dezenas de brasileiros".
A minuta não especifica métodos. "O arranjo metodológico para composição de um texto flexível utilizou técnicas e métodos qualitativos", disse o ministério, em nota, citada pelo jornal.