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Economia
20/01/2020 22:00:00

Gigantes aéreas miram Brasil e América Latina em busca de impulso global do setor

Mercado aéreo regional está há cinco décadas dobrando o seu tamanho a cada 12 anos, graças ao crescimento da classe média


Gigantes aéreas miram Brasil e América Latina em busca de impulso global do setor

Os céus dos norte-americanos e europeus se tornaram curtos para a ambição das principais companhias aéreas dos dois lados do Atlântico. Com as empresas de baixo custo dominando uma fração importante do bolo do curto e médio porte tanto nos EUA como no Velho Continente, e as possibilidades de expansão restritas pela própria maturidade do mercado, as grandes empresas voltaram o olhar para a América Latina —de acordo com as cifras do setor, o terceiro mercado que mais crescerá nas próximas duas décadas, só atrás da Ásia e do Oriente Médio— para tentar garantir o seu crescimento a mais longo prazo. A primeira a mexer as fixas foi a Delta, que começou a comprar ações da Aeroméxico em 2017 e aumentou gradualmente sua participação para os atuais 49%, o máximo legal permitido no México. Em paralelo, a companhia dos EUA apostou na Latam (assumiu a quinta parte de seu capital) para agigantar sua posição continental e tirá-la da Oneworld, a aliança rival. Mais recentemente, o grupo da Iberia, IAG, redobrou sua exposição na região com a aquisição da Air Europa, que consolidará Madrid-Barajas como o principal ponto de entrada da América Central e do Sul, com quase um terço das chegadas. Todas essas operações possuem um denominador comum: têm a América Latina como grande alvo.

O apetite pelo mercado aéreo latino-americano contrasta com sinais vitais que há meses vêm despontando em vários países do subcontinente, tanto no plano político —protestos, com a desigualdade como alvo central— como no puramente econômico —o crescimento recorrente abaixo da média dos emergentes—. Os céus, no entanto, parecem alheios a essa realidade: o mercado aéreo regional está há cinco décadas multiplicando por dois o seu tamanho, em média, a cada 12 anos, e o crescimento anual do número de usuários de aviões mais que dobrou a taxa de PIB nesse período. "Estamos a caminho de 16 anos seguidos com taxas de crescimento positivas, algo que nem todos os setores podem mostrar", ilustra Luis Felipe de Oliveira, diretor da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA). "Os mercados de origem estão em uma fase madura e a América Latina oferece várias décadas de bom crescimento", diz ele, no Panamá. "Como resultado de uma grande consolidação e reestruturação corporativa, os grandes grupos aéreos da América do Norte e da Europa continuam prosperando enquanto as operadoras latino-americanas enfrentam dificuldades. Isso criou oportunidades de compra para empresas como a Delta aproveitarem o crescimento do mercado latino-americano", conclui Jonathan Berger, diretor da Alton Aviation, uma dos grandes consultoras do setor.

O interesse das companhias aéreas internacionais na região "já estava aí, mas claramente aumentou muito", resumem Victor Nomiyama e Flavia Bedran, especialistas em aviação da agência de classificação de risco da S&P. "É lógico: as possibilidades de crescimento futuro são muito maiores do que em seus mercados de origem". Embora as perspectivas do setor sejam piores no curto prazo do que em outras regiões, as empresas líderes mundiais do setor não querem perder seu pedaço do bolo em um mercado que se percebe como fundamental nas próximas décadas: com uma infraestrutura ferroviária muito fraca (e até diretamente inexistente), uma rede viária insuficiente e longas distâncias para cobrir, muitas vezes só atravessadas por ar, o avião se move no melhor ecossistema possível. O Brasil é um dos exemplos mais claros de como o setor aéreo é uma das poucas opções de mobilidade na região: um país enorme —com uma área comparável (embora menor) à da China e a dos Estados Unidos—, população de mais 200 milhões de pessoas muito espalhadas e uma rede de transporte terrestre frágil (e muito extensa), na qual sulcar os céus é a única solução possível para muitos deslocamentos. Contudo, apenas metade da população brasileira viaja hoje de avião, um fator que aplaina ainda mais o terreno para novos e velhos players do mercado.

Algo semelhante acontece no México, onde a expansão "do aumento do poder aquisitivo, com a recente recuperação do salário mínimo, amplia o interesse em um mercado subexplorado", observa Miguel Mujica, professor da Aviation Academy, vinculada à Universidade de Amsterdã, que lembra que no ano passado —não exatamente o melhor para o México em termos macro (entrou em recessão)— o tráfego de passageiros cresceu 5%. A variável da imigração é importante: com mais de 40 milhões de pessoas de origem mexicana (nascidas no país latino-americano ou com pais ou avós originários de lá), tanto as companhias aéreas tradicionais como as de baixo custo estão aproveitando a opção de negócio da conexão de ambos os países.

A esse leque de fatores é preciso acrescentar o crescimento sustentado da classe média e a queda nas tarifas com a popularização do modelo de baixo custo, afirma o consultor independente Brendan Sobie. A estatística situa quase metade da população latino-americana nesse grupo social, uma cifra que, se as projeções forem cumpridas, deve subir para cerca de 70% em meados do século. “E quando a classe média aumenta, as oportunidades de negócios das companhias aéreas também aumentam. O potencial é enorme e grupos estrangeiros estão se posicionando para quando o boom chegar”, resume por telefone o vice-presidente da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) para as Américas, Peter Cerdá, um dos homens fortes da aviação na região. O setor espera que em 2035 o avião seja o meio de transporte escolhido por mais de 650 milhões de viajantes por ano na América Latina e no Caribe, com um crescimento anual previsto que ficará em torno de 6% até então, mais de um ponto acima da média global

Embora os movimentos recentes dos investidores tenham se concentrado no segmento de companhias aéreas tradicionais, eles não são os únicos. O do baixo custo, que vem reduzindo a participação de mercado das antigas companhias de bandeira em mercados como o brasileiro, mexicano, colombiano e, em anos recentes, o argentino —as quatro maiores economias da região, que somam mais 70% do PIB total—, também atraiu a atenção de grupos aéreos e fundos de investimento europeus e latino-americanos: a United possui 8% da brasileira Azul; a Air France-KLM, pouco mais de 1% da Gol e o fundo de capital de risco Indigo (proprietário da Frontier, nos EUA) controla a Volaris e a JetSmart, e acaba de fechar a aquisição do negócio da Norwegian na Argentina também por intermédio da própria JetSmart . Longe dos refletores e quase sem fazer barulho, um colossal segmento de baixo custo nasceu na região na base do talão de cheques.

El País



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