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Especial
06/01/2020 23:00:00

200 Versículos da Biblia


200 Versículos da Biblia

Como todos sabem – ou deveriam saber –, o Brasil é um estado laico. Está lá, na Constituição: Igreja e Estado estão apartados formalmente. Mas isso não parece importar muito para alguns. O problema é que esses “alguns” são os que dão as cartas atualmente no País. E nada escapa desse afã religioso, nem a Justiça – lembram da possível escolha de um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF? –, nem a cultura. Em agosto, o presidente da República disse que sua intenção era nomear para dirigir a Ancine “alguém que soubesse pelo menos 200 versículos da Bíblia e que tivesse os joelhos machucados de tanto ajoelhar para rezar”. Saber a Bíblia de cor e rezar são ações louváveis, mas não necessariamente deveriam ter algo a ver com a direção de um órgão que trata da produção audiovisual do País, do fomento à cultura. A própria Katiane Gouvêa, a nova titular da Secretaria de Audiovisual – que tem funções correlatas à Ancine, mas que não são interdependentes –, não tem qualquer ligação com o cinema ou a TV, mas é evangélica.

“As pessoas têm o direito a ter suas religiões, mas o estado democrático representa todas as tendências”, afirma a socióloga Maria Arminda. Além do mais, acredita-se que a questão de fé não deveria ser pré-requisito para assumir um cargo público.  

Coincidentemente (ou não), Katiane fez parte de um comitê que, meses atrás, sugeriu à Presidência a extinção da Ancine. Em um site, ela publicou, antes de ser nomeada, “que o audiovisual e o cinema não sejam plataformas para difundir e promover os valores que denigrem a nossa imagem como indivíduo, sociedade e indústria produtiva”.

Essa questão tem um fundo que precisa ser ainda mais discutido. “No atual contexto de animosidade crescente, partidos políticos radicalizados consideram, mais que os outros, que o Estado lhes pertence e que a eles, e ao País, irão impor suas ideias, tão curtas que não chegam à esquina”, declarou, em depoimento ao Jornal da USP, o professor aposentado da ECA José Teixeira Coelho, ex-diretor do MAC e ex-curador-coordenador do Museu de Arte de São Paulo (Masp). O problema, para ele, é a dependência que se tem das ações provenientes do Estado. Segundo ele, isso é um erro. “A sociedade assiste, passiva, a esse balé de irrelevâncias. Do Estado espera-se tudo. Só que quando se espera que a cultura venha do Estado ou fique forte graças ao Estado ou sobreviva por favor do Estado, dramas como os atuais só se repetem.  A sociedade tem de fortalecer-se frente ao Estado e encontrar o caminho para libertar-se dessa tutela”, acredita ele, que também foi colaborador da Cátedra Unesco de Política Cultural da Universidad de Girona, na Espanha.

Já para a artista plástica e professora Giselle Beiguelman, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e também colunista da Rádio USP, a questão ideológica acaba permeando atualmente toda a discussão sobre políticas públicas culturais no Brasil. “Não é possível que um governo de direita ou de esquerda decida apoiar apenas projetos que digam respeito a suas prerrogativas ideológicas. As políticas públicas têm um compromisso com o País e não com os partidos. É preciso respeitar a pluralidade de visões”, afirma ela. Carlos Augusto Calil, da ECA, vai mais além: “Há um sentimento antielitista envenenando o ar que respiramos. Enfrentamos uma guerra não declarada contra a inteligência, a tolerância, o patrimônio simbólico nacional. Contra os princípios da democracia”.

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