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Especial
03/12/2019 09:00:00

7 a 1? Os capítulos marcantes da 'amizade desigual' entre Trump e Bolsonaro


7 a 1? Os capítulos marcantes da 'amizade desigual' entre Trump e Bolsonaro

Isenção de visto para turistas americanos, renúncia ao tratamento diferenciado que o Brasil recebia na Organização Mundial de Comércio, aumento da importação de etanol dos EUA e permissão para que o governo americano use a base espacial brasileira em Alcântara.

Essas foram algumas das concessões que o Brasil fez aos Estados Unidos desde que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse. São parte do que o presidente brasileiro chama de relação de amizade pessoal com o presidente Donald Trump.

 

Nesta segunda-feira (02/12), um anúncio de Trump feito pelo Twitter lançou dúvidas sobre se haveria uma amizade "desigual" entre presidentes.

Trump anunciou que vai restaurar tarifas sobre as importações de aço e alumínio do Brasil e da Argentina, diante da desvalorização do real e do peso frente ao dólar, o que pode gerar prejuízos bilionários para exportadores do Brasil.

"Brasil e Argentina têm promovido uma desvalorização de suas moedas, o que não é bom para nossos fazendeiros. Portanto, com efeito imediato, estou restaurando as tarifas sobre todo alumínio e aço enviados aos EUA por esses dois países", escreveu o presidente no Twitter.

Trump ainda defendeu que o Banco Central americano reduza juros, segundo ele, para evitar que países "se aproveitem do dólar" para desvalorizar suas moedas.

"O Banco Central americano também deve agir para que países, e há vários, não se aproveitem mais do nosso dólar forte para desvalorizar mais suas moedas. Isso torna muito difícil para nossa indústria e produtores rurais exportarem seus produtos. Taxas de juros mais baixas e flexibilização", completou Trump no tuíte seguinte.

Em nota, o Itamaraty afirmou que "já está em contato com interlocutores em Washington sobre o tema. O governo trabalhará para defender o interesse comercial brasileiro e assegurar a fluidez do comércio com os EUA, com vistas a ampliar o intercâmbio comercial e aprofundar o relacionamento bilateral, em benefício de ambos os países".

Mas essa não é a primeira vez que o governo Trump adota decisões que prejudicam diretamente o Brasil, em contraste com o discurso de grande amizade e proximidade entre os dois países.

A BBC News Brasil reúne aqui sete concessões feitas por Brasília e decisões tomadas por Washington vistas como potencialmente prejudiciais ao lado brasileiro, além de uma medida oferecida pelo governo que foi tida como positiva para o Brasil.

#1 Prejuízos para o aço e o alumínio brasileiros

O Brasil é o segundo maior exportador de aço para os Estados Unidos e as vendas para o país de Trump representam um terço das exportações brasileiras do produto. Portanto, a sobretaxa anunciada pelo presidente americano tem potencial para causar sérios problemas ao setor.

O primeiro aumento sobre as tarifas de importação desse produto foi anunciado por Trump em 8 de março de 2018. Na época, o alvo era a China e a medida marcou o início de uma guerra comercial entre os EUA e o gigante asiático.

Pela decisão, foi instituída uma sobretaxa de 25% sobre o alumínio e 10% sobre o aço importados pelos americanos. Após negociações, os EUA decidiram isentar o Brasil dessa cobrança. Com isso, as taxas voltaram a ser de 0,9%, para o aço e 2% para o alumínio.

Agora, conforme o anúncio de Trump, a sobretaxa voltaria a recair sobre os produtos brasileiros. O presidente Bolsonaro foi questionado por jornalistas na manhã desta segunda sobre o que pretende fazer em resposta à medida.

TrumpDireito de imagemBRENDAN SMIALOWSKI/AFP/GETTY IMAGES
Image captionTrump anunciou que vai restaurar tarifas sobre aço e alumínio brasileiros e argentinos diante da desvalorização do real e do peso frente ao dólar, o que pode gerar prejuízos bilionários para exportadores do Brasil.

Ele disse que vai "conversar" com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e que, se necessário, falará diretamente com o líder da Casa Branca. "Se for o caso, falo com o Trump, tenho canal aberto", declarou.

Para o professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) Carlos Gustavo Poggio, a medida de Trump mostra que é "ingênua" a estratégia brasileira de "jogar todas as suas fichas" na aliança com os EUA.

"Foi uma humilhação pública para a diplomacia brasileira o Trump acusar publicamente o Brasil de desvalorizar a sua moeda desconsiderando todas as concessões unilaterais feitas pelo Brasil", disse à BBC News Brasil.

"Se a relação com Bolsonaro é tão estreita e boa, por que Trump não telefonou para ele para negociar antes de anunciar ao mundo pelo Twitter?", questionou Poggio, que é especialista em relações exteriores dos EUA e da América Latina.

#2 Apoio vago à entrada do Brasil à OCDE

Outra decisão dos EUA que mostra que o Brasil parece não estar entre as prioridades do governo americano diz respeito à OCDE, Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.

Uma das principais plataformas da política externa do governo Bolsonaro é viabilizar a entrada do Brasil nessa organização formada por algumas das maiores economias do mundo.

Fazer parte desse seleto grupo funcionaria como uma espécie de selo de boas práticas comerciais e tenderia a atrair investimentos.

O apoio dos EUA à entrada do Brasil era considerado crucial, já que o governo americano era reticente à entrada conjunta de vários países na OCDE. Após visita de Bolsonaro a Washington, Trump chegou a dizer que apoiava o pleito brasileiro.

O anúncio foi divulgado pelo governo Bolsonaro como a principal vitória da política externa de alinhamento com os EUA. Mas, em outubro, uma carta do secretário de Estado, Mike Pompeo, deixou claro que o governo americano não está disposto a bancar, pelo menos agora, a entrada do Brasil na organização.

No documento, ele defende abertamente apenas o ingresso de Argentina e Romênia no grupo de 36 países que compõem a OCDE. O Brasil é um dos seis países na fila para entrar na OCDE. Um apoio expresso dos EUA à adesão poderia acelerar o processo, mas isso não ocorreu.

"O apoio de Trump é vago. Os Estados Unidos eram reticentes em ampliar rapidamente a OCDE. Esperava-se que isso fosse quebrado com a relação entre Bolsonaro e Trump, mas não foi. Não houve um apoio concreto", destaca Poggio.

#3 Renúncia a tratamento diferenciado na OMC

E essa promessa vaga de apoio do governo americano para a entrada do Brasil na OCDE custou caro. Em troca, o Brasil abriu mão do tratamento diferenciado, como país em desenvolvimento, nas negociações da Organização Mundial do Comércio, a OMC.

O tratamento diferenciado prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.

Além do impacto direto nas futuras negociações comerciais brasileiras, essa decisão afetou a relação com países do BRICS — grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.

Isso porque essas nações vão acabar sendo mais pressionadas a também abrir mão do tratamento diferenciado após a decisão brasileira. E a Índia já está retaliando o Brasil.

"Na OMC, a Índia já vetou outro dia a nomeação de um embaixador brasileiro para negociar questões na área de pesca e foi um veto ligado exatamente a essa negociação entre Estados Unidos e Brasil pela entrada na OCDE", explica o professor de Relações Internacionais Marco Vieira, que leciona da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

#4 Benefício ao etanol e trigo americanos

Em mais um gesto de generosidade a Trump, o governo brasileiro recentemente ampliou de 600 milhões de litros para 750 milhões de litros a cota anual de importação de etanol com redução tarifária, beneficiando diretamente os Estados Unidos, que são os maiores exportadores do produto ao Brasil.

O Ministério da Economia ainda decidiu prorrogar por mais um ano uma isenção aos americanos de uma tarifa de 20% cobrada sobre a importação de etanol.

Ao mesmo tempo em que beneficiou os EUA, a medida prejudicou produtores do Nordeste brasileiro, que consideram desleal a competição com o preço oferecido pelos americanos.

Homem botando gasolinaDireito de imagemPA MEDIA
Image captionGoverno brasileiro decidiu elevar cota de etanol importado isenta de taxa de 20% por um ano

A expectativa dos produtores brasileiros era de que o governo americano liberasse seu mercado de açúcar, um dos mais protegidos do mundo, mas não houve essa contrapartida por enquanto.

Poggio, da FAAP, lembra que Brasil e EUA competem na área agrícola e diz que Trump dificilmente vai favorecer nosso país em detrimento de produtores rurais americanos, especialmente num momento em que ele tenta reforçar sua base eleitoral para a eleição presidencial de 2020.

"Para se eleger, é importante para o Trump manter o apoio do setor rural. E o Brasil compete com os EUA na exportação de diversos produtos, como soja e etanol. Portanto, no setor que mais interessa ao Brasil, que é o setor agrícola, a relação é de competição", diz.

#5 Apoio à imposição de sanções a Cuba

Além das concessões comerciais, o Brasil também tem aderido a diretrizes dos EUA em discussões nas Nações Unidas e na relação com outros países.

Quebrando uma tradição de 27 anos, o governo brasileiro se juntou aos EUA e a Israel, e votou contra a resolução anual da ONU que condena o embargo econômico americano a Cuba.

O posicionamento histórico do Brasil, derrubado por esse voto, era o de condenar medidas unilaterais econômicas contra países, vetadas pela legislação internacional e pela ONU. A decisão de dar aval às sanções foi tomada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, apesar da oposição de diversos diplomatas de peso do Itamaraty.

Para convencer o ministro, o governo americano argumentou que o Brasil passaria uma imagem de tolerância ao apoio de Cuba ao regime de Nicolás Maduro na Venezuela, caso mantivesse seu voto contrário ao embargo.

Outros países aliados dos EUA não cederam a essa pressão. No total, foram apenas três votos contra a resolução (de Brasil, EUA e Israel), duas abstenções e 187 votos a favor do texto que condena o embargo econômico imposto há 50 anos pelo governo americano à ilha.

#6 Base de Alcântara

Na viagem que fez a Washington, Bolsonaro e Trump assinaram um acordo que permite aos americanos lançar foguetes e satélites a partir da base espacial brasileira de Alcântara, no Maranhão. Essa também foi vista como uma concessão brasileira.

A base fica numa península com localização privilegiada para o lançamento de foguetes e satélites. Próximo à linha do Equador, o centro — inaugurado pela Força Aérea Brasileira (FAB) em 1983 — possibilita uma economia de até 30% no combustível usado nos lançamentos.

Base de AlcântaraDireito de imagemMINISTÉRIO DA DEFESA
Image captionBase espacial brasileira de Alcântara, no Maranhão

O governo Bolsonaro afirma que o acordo estimulará o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e vai gerar investimentos de até R$ 1,5 bilhão na economia nacional.

Críticos do pacto apontam, porém, possíveis entraves à transferência de tecnologias para o Brasil, riscos à soberania nacional e efeitos nocivos para moradores de Alcântara, entre os quais remoções de comunidades quilombolas.

#7 Isenção de visto aos americanos

Em março, o governo Bolsonaro isentou americanos de visto para entrar no Brasil. Também foram beneficiados turistas do Canadá, Japão e Austrália. Mais uma vez, a decisão quebrou uma tradição da diplomacia brasileira, baseada no princípio da reciprocidade.

Antes, o Brasil tendia a só conceder isenção de vistos a países que oferecessem o mesmo benefício. No caso dos Estados Unidos, a medida beneficiou americanos enquanto os EUA tornaram, no governo Trump, mais burocrático o acesso de vistos a brasileiros.

Em 2017, os EUA ampliaram o rol de pessoas que precisam passar por entrevista para obter visto. Quem pede a renovação do visto na mesma categoria, desde 2017, passa por entrevista. Antes isso era dispensado se o pedido fosse feito menos de 48 meses após o vencimento.

Em troca: Brasil se tornou 'aliado preferencial extra-Otan'

Especialistas em relações internacionais apontam que um dos únicos gestos mais concretos dos EUA em troca das concessões anunciadas pelo Brasil foi tornar o nosso país "um aliado preferencial extra-Otan".

Esse é o nome usado para designar países que não são membros da aliança Organização do Tratado do Atlâncito Norte (Otan), mas são aliados estratégicos militares dos EUA, ou seja, que terão um relacionamento de trabalho estratégico com as Forças Armadas americanas.

A Otan é uma aliança político-militar entre Estados Unidos, Canadá e países europeus e serve, principalmente, para defesa coletiva dos Estados-membros. Foi criada em 1949 durante a Guerra Fria — e o maior objetivo, na época, além da proteção mútua, era inibir o avanço do bloco socialista no continente europeu. Hoje, há 29 países-membros.

Os países que são aliados preferenciais extra-Otan dos Estados Unidos, como será o caso do Brasil, não estão incluídos no pacto de defesa mútua. Mas ganhariam o que alguns consideram vantagens militares e financeiras.

Isso significa, por exemplo, que os Estados Unidos vão vender mais seus equipamentos e tecnologias militares ao Brasil, que atualmente gasta 1,4% do PIB com defesa.

Na prática, a medida também beneficia os EUA, já que eles venderão mais para o nosso país, o que pode afetar positivamente, para eles, a balança comercial entre as duas nações.

Ingenuidade?

A preocupação dos exportadores brasileiros agora é que a ampliação de tarifas ao aço e ao alumínio, anunciada por Trump, se estenda para outros setores.

Isso porque o presidente americano acusou o Brasil de desvalorizar propositalmente o real frente ao dólar — argumento que pode eventualmente ser usado para medidas comerciais contra qualquer produto do nosso país.

"A base argumentativa usada para atacar esse setor pode ser usada para atacar outros setores exportadores brasileiros. Trump alega que o Brasil está manipulando o câmbio. Isso não é verdade. Não somos a China e temos câmbio flutuante", ressaltou à BBC News Brasil o diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria, Carlos Abijaodi.

Para o professor Carlos Gustavo Poggio, a lista de concessões que o Brasil fez aos EUA revela uma postura ingênua na política externa do governo Bolsonaro.

"O governo promoveu uma aproximação incondicional com o governo Trump. Nós entregamos, sem negociar contrapartidas, esperando, ingenuamente, boa vontade dos americanos", avalia.

Ele diz que o custo dessa política é o isolamento do Brasil no cenário internacional, especialmente se a relação com o governo Trump estremecer ou se o presidente americano não se reeleger no ano que vem.

"Houve um erro de abordagem ao achar que se faz política externa na relação pessoal entre presidentes. Para se aproximar, de fato, dos EUA, não basta se aproximar só do Trump, tem que se aproximar do Congresso, que é de maioria democrata e de setores da sociedade civil. Muitas decisões políticas e comerciais passam pelo Congresso", afirma.

"E há um erro de leitura sobre Trump, de achar que o presidente teria o coração amolecido por declarações de amor. As preocupações dele são comerciais e materiais. A decisão de taxar aço e alumínio brasileiros é uma prova disso."

Bbc News Brasil




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