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Brasil
29/08/2019 16:00:00

PL das armas pode abastecer organizações criminosas, alerta Sou da Paz


PL das armas pode abastecer organizações criminosas, alerta Sou da Paz

Prestes a ser votado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei das armas é um “enorme potencial danoso à segurança pública”, de acordo com análise do Instituto Sou da Paz, que destacou oito pontos críticos do texto. 

Apoiado pela bancada da bala e pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia(DEM-RJ), o substitutivo ao PL 3723/2019, apresentado pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP), amplia o porte de armas e consolida direitos dos caçadores, atiradores e colecionadores (CACs).

Na visão de especialistas, a proposta abre brecha para que pessoas condenadas em ações criminais tenham acesso a armas e pode abastecer organizações criminosas ao reduzir mecanismos de controle.

O texto reúne diversas propostas sobre o tema, além do projeto apresentado pelo ministroOnyx Lorenzoni (Casa Civil) após o governo revogar decretos presidenciais que liberaram o acesso às armas e tiveram a legalidade contestada. Foram sete decretos do Executivo em um semestre.

A Casa Civil admitiu que o conteúdo dos decretos editados em junho era o mesmo dos decretos anteriores. Setores técnicos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal divulgaram pareceres apontando ilegalidades no texto, que incluíam desde uma atuação do Executivo fora dos limites legais até inconsistências das mudanças em relação ao Estatuto do Desarmamento.

A proposta tramita em regime de urgência e pode ser votada no plenário da Câmara nos próximos dias. O parecer de Leite foi lido na última semana. Se aprovado, segue para o Senado. 

O texto não foi discutido nas comissões da Casa. “É de enorme irresponsabilidade levar à votação um projeto extenso e complexo como este sem um debate parlamentar adequado, sem uma análise detida das alterações propostas e suas consequências reais para a segurança pública e sem qualquer transparência com a sociedade”, diz estudo do Sou da Paz.

Para a organização, o projeto “promove um verdadeiro descontrole com enorme potencial de impacto sobre a segurança pública sob o subterfúgio de incentivo a um esporte ou hobby, cujas práticas privadas pressupõem controle de danos públicos, e de incentivo à caça que, até o momento, somente é autorizada em locais e períodos muito restritos”.

LUIS MACEDO/CÂMARA DOS DEPUTADOS
Proposta relatada por Alexandre Leite tramita em regime de urgência e pode ser votada no plenário da Câmara nos próximos dias.

Aqui as principais críticas ao PL das armas:

1. Porte de armas

O PL amplia o porte de arma, ou seja, a permissão para andar o objeto, para categorias como guardas municipais, agentes socioeducativos, peritos criminais, mesmo fora do horário de serviço. O texto também estende a permissão para atiradores desportivos. 

A autorização para acesso a armas aos CACs é concedida pelo Exército e não pela Polícia Federal. Desde 2017, um decreto editado pelo então presidente Michel Temer permite que os integrantes desse grupo se desloquem com uma arma municiada do local de guarda até o local da atividade, como treinos ou competições. Há uma fragilidade, contudo, na fiscalização para verificar se de fato a pessoa estaria nesse trajeto, o que, na prática, facilitou a circulação de pessoas armadas.

Entre 2014 e 2018, o número de registros de caçadores, atiradores e colecionadores emitidos aumentou 879%, de acordo com reportagem do jornal O Globo citada no estudo.

Quanto ao porte para pessoas comuns, o projeto de lei entende que se enquadram no critério de efetiva necessidade situações amplas, como pessoas que “transportam ou custodiam valores”, “o exercício de função pública de combate ao crime organizado e/ou de promoção de políticas antidrogas”. De acordo com os especialistas, esse trecho permite que todo comerciante, por exemplo, passe a ter permissão para o porte, por transportar valores.

2. Posse de armas

A idade mínima para compra de armas foi reduzida de 25 para 21 anos, sendo que indicadores mostram altos índices de violência nessa faixa etária. Segundo dados do Atlas da Violência 2019, homicídios foram a causa de 49,4% dos óbitos de pessoas de 20 a 24 anos. 

O texto também elimina a necessidade de dar uma justificativa para a compra de uma arma para posse em casa ou em estabelecimento comercial, na mesma linha de decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro.

Segundo a proposta, o entendimento passa a ser de que a posse se da? em toda extensa?o territorial da propriedade e que o responsa?vel legal por um estabelecimento são todos os profissionais de ni?vel gerencial. “Isso representa um nu?mero inestima?vel de pessoas como gerentes de padarias, bares, restaurantes, lojas e supermercados que podera?o colocar em risco a vida e a seguranc?a de todas as pessoas que porventura estiverem nesses ambientes, ale?m de os tornar alvos de ac?o?es criminosas para roubo de armamento”, alerta o instituto.

Na avaliação do Sou da Paz, o número de armas que uma pessoa pode comprar é “descabido” e “na?o te?m outra utilidade que na?o promover uma verdadeira corrida armamentista e multiplicar a venda de armas, facilitando seu desvio e aumentando o interesse do crime organizado pelo roubo direcionado a estes verdadeiros arsenais que estara?o em casas comuns”.

O parecer de Leite permite que uma pessoa comum possa comprar até seis armas. O número é de dez para membros de órgãos de segurança.

NURPHOTO VIA GETTY IMAGES
A idade mínima para compra de armas foi reduzida de 25 para 21 anos, sendo que indicadores mostram altos índices de violência nessa faixa etária.

3. Descontrole de munições

O substitutivo autoriza, de forma gene?rica, que os CACs comprem e recarreguem munic?o?es sem qualquer limitac?a?o de quantidade ou fiscalizac?a?o, o que, segundo o Sou da Paz, irá ampliar as dificuldades de rastreamento de munic?o?es para investigac?o?es policiais.  

O estudo também critica a liberação para esse grupo manipular produtos explosivos em a?reas residenciais, sem fiscalizac?a?o e acompanhamento, nem exigir que a armazenagem e recarga seja documentada junto ao Exe?rcito.

4. Anistia a armas ilegais

Quanto à anistia de armas ilegais, o texto não exige comprovação de idoneidade e de aptidão psicológica e técnica, requisitos legais para o registro de arma de fogo. O PL também permite que um cidadão registre arma ilegal a partir de mera declaração de que a posse é legítima. 

Na análise dos Sou da Paz, a mudança permite ao indivíduo de má-fé o registro de armas ilegais por mais 2 anos e cria uma janela de revisão judicial para pessoas que foram condenadas por posse ilegal de armas de fogo.

Desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento, que previa um período para que as pessoas registrassem suas armas por mera suposição de boa-fé, houve ao menos 3 outras anistias até 2009. 

5. Caçadores, atirados e colecionadores (CACs)

Além dos pontos já citados sobre os CACs, o estudo entende que há uma mudança na lógica de acesso de armas para esse tipo de atividade. “O colecionamento e a prática de esportes com produtos controlados são exceções, sujeitas a uma série de fatores para mitigar seus riscos públicos”, defende o Sou da Paz.

Na interpretação dos especialistas, a proposta permite que pessoas com condenac?o?es criminais obtenham o registro como atirador e, como conseque?ncia, o porte de uma arma de fogo.

O estudo também critica o estabelecimento da validade de dez anos para os registros de CACs e o fim do controle pelo Estado da venda e do uso de acessórios como miras, para atiradores desportivos, o que pode facilitar que esses objetos cheguem às mãos de organizações criminosas. 

O documento alerta ainda que o PL abre brecha para que a fiscalizac?a?o da atividade de cac?a fique a cargo do Exe?rcito, em vez de órgãos de controle ambiental.  

MIGUEL SCHINCARIOL VIA GETTY IMAGES
PL das armas permite que pessoas com condenac?o?es criminais obtenham o registro como atirador e, como conseque?ncia, o porte de uma arma de fogo.  

6. Mais armas de uso permitido

Outro ponto que pode enfraquece o controle, segundo o instituto, é a permissão para que civis tenham acesso a armas ate? enta?o de uso restrito a militares. O substitutivo define a potência dos calibres considerados “de uso permitido” em quatro vezes o limite vigente até 2018, incluindo calibres nominais de energia cinética de até 1.660 joules.

7. Descentralização do controle 

Também é apontada pelo Sou da Paz como uma medida que reduz o controle a possibilidade de convênio com os estados para que possam assumir a gestão do SINARM (Sistema Nacional de Armas). A medida descentraliza a competência fiscalizatória da Polícia Federal. 

Em vigor há 22 anos, a centralização dá uniformidade às análises e aos dados registrados nos sistemas de controle. A mudança irá dificultar a consolidação de indicadores nacionais e bancos de dados que permitam o imediato rastreamento de armas, segundo o Sou da Paz. 

8. Destruição de arsenal

A proposta de Leite também prevê que uma arma já apreendida somente poderá ser destruída se não houver interesse de doação para forças públicas e se não receber nenhum lance em leilão para particulares. 

Na avaliação dos especialistas, a custódia de armas tem enormes custos e pouco potencial de retorno financeiro em leilão. A mudança também poderia facilitar desvios que fazem os armamentos chegarem à criminalidade. 

Segundo reportagem da Folha de S. Paulo citada no estudo, fóruns no estado de São Paulo tiveram 566 armas roubadas em dois ataques em 15 dias, em junho de 2017. O primeiro episódio, no Guarujá, resultou na perda de 175 armamentos. Um segundo ataque no prédio da  Justiça em Diadema, no ABC paulista, levou 391 armas.

https://www.huffpostbrasil.com/



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