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Comportamento
27/08/2019 16:00:00

Sou assexual. Namorar, para mim, é diferente


Sou assexual. Namorar, para mim, é diferente

Sair para encontros ou namorar nunca foi meu forte. Não sei me maquiar, não curto restaurantes e raramente tenho dinheiro para gastar com um jantar ou drinques. Sem falar que me preocupo obsessivamente com tudo o que pode dar errado em um encontro. Sempre me fixo sobre os piores cenários possíveis, imaginando, por exemplo, que o encontro inevitavelmente vai azedar tremendamente assim que eu admitir que sou assexual.

Pessoas assexuais, como eu, sentem desejo sexual limitado ou zero. Ainda podemos querer ter um relacionamento ou sentir atração estética por alguém, admirando pessoas do mesmo modo como um aficionado por arte aprecia uma estátua. No meu caso, tenho vontade de ficar de mãos dadas com alguém, abraçar, trocar confidências e fazer todas aquelas outras coisas sentimentais, tipo caminhar pela orla da praia e olhar as luzinhas de Natal. Mas não tenho o menor interesse por P na V, cunilíngua ou felação. Não quero nada de sexual, nada mesmo.

Nem curto muito beijar – há saliva e dentes demais para meu gosto. Sou assim desde que me dou por gente. Quando recebi a injeção contra HPV no colégio tive vontade de falar à enfermeira: “Não preciso disso”.

Já sai com alguns poucos homens, mas nenhum relacionamento já chegou aos finalmentes. Sempre temi que alguma coisa estivesse faltando, ou então já presumi desde o início que o encontro estava fadado ao fracasso. E, talvez pelo fato de eu ter medo disso, foi exatamente isso o que aconteceu: minha assexualidade me deixou na mão.

Estou no segundo ano da faculdade e estou tentando me cadastrar num site de relacionamentos. Não me lembro de qual site, isso não vem ao caso, porque nunca encontrei um site de relacionamentos para alguém como eu. Existem sites de namoro assexual, mas as opções são limitadas porque são poucas pessoas que usam esses sites.

Quando eu estava me inscrevendo no site, topei com um obstáculo depois de outro. Todos eram sinais de alerta que optei por ignorar.

Primeiro obstáculo: “Quem você procura?” Será que coloco homens, mulheres ou ambos? “Nem uma coisa nem outra” não é uma opção. Mas o site não está perguntando apenas “com quem você quer sair?”, mas “por quem você sente atração sexual?”

Desde a escola secundária eu já senti atração romântica por várias pessoas, incluindo meu amigo M, que frequentemente passava a noite no meu quarto universitário e dormia do meu lado. Alguns anos mais tarde eu sentiria o mesmo por uma garota da faculdade. Eu a evitaria de propósito, sabendo que não daria certo.

Estou no terceiro ano de faculdade e estou interessada num sujeito chamado Z. Ele é um gato, é divertido, amigável, e não sinto absolutamente nada de sexual em relação a ele. O que eu sinto, sinto no meu peito; é algo que se expressa bem no meu sorriso e no fato de minhas reações levarem mais tempo quando estou com ele. Conto à minha amiga J, que sabe que sou ace, e ela pergunta: “Você dormiria com ele?”

Digo a ela: “Não sei, talvez”, e quero que esse “talvez” seja verdade. Mas basta eu imaginar esse cenário para me arrepiar de repulsa. Já tentei me obrigar a me imaginar transando com as pessoas com quem sinto vontade de namorar. O máximo que consigo é imaginar pessoas fictícias transando; essa ideia não me deixa incomodada, mas tampouco me excita. Penso apenas “ah, tá, é isso que estão fazendo. Bom para eles.”

Mais tarde, na faculdade, continuo a ser assexual e ainda não sei como pode funcionar um namoro ace. Ando saindo com um sujeito novo, L. Ele também é engraçado, com olhos travessos e um sorriso eterno. Mas um dia ele começa a me mandar mensagens sexuais – sexting. Nada de fotos, nada de tosco, mas coisas do tipo “que roupa você está usando agora?”

Eu respondo com memes; ele tenta sexualizar os memes também. Eu não o mando parar, mas continuo a me esquivar. No final, paro de responder. Depois disso, não nos encontramos muitas vezes.

Eu sei que poderia ter dito a ele: “Ei, sou assexual. Nada de sexting, tá bom?”. Mas sei também que eu não poderia ter dito isso na realidade. No instante que eu mandasse essa mensagem, teria eliminado qualquer possibilidade de sairmos em um encontro romântico – de sairmos para qualquer lugar como “nós dois”.

Mas a verdade é que eu não disse nada e o resultado foi o mesmo.

Às vezes penso que utilizo minha assexualidade como desculpa para justificar por que não consigo namorar com ninguém, por que um relacionamento não funcionaria. Mas namorar, quando você é assexual, é difícil; cada encontro romântico começa com uma mentira por omissão e depois conduz a uma verdade incômoda. Você precisa saber como e quando sair dessa situação. Precisa ter clareza sobre seus limites com uma pessoa antes mesmo de conhecê-la melhor. Tem que torcer para a pessoa não estar mentindo quando ela fala que é “tudo bem” e torcer para você própria não estar mentindo sobre como você se sente, se optar por tentar fazer sexo.

As pessoas terminam namoros por coisas muito menores, como por exemplo se o outro prefere gatos ou cachorros (a resposta correta é “cachorros”). E parece cruel pedir a outra pessoa para abrir mão de algo que é tão importante para ela.

Como se eu estivesse fazendo algo de errado.

Estou no colégio e acabo de sair com um garoto. Ele está me levando de volta à casa dos meus pais. Antes de ele ir embora, eu lhe dou um beijo – não porque eu sinta vontade, mas porque o cinema me mostrou que esse é o próximo passo.

É um beijo horrível, péssimo. Não porque o garoto não beije bem (imagino, pelo menos), mas porque confirma o quanto eu não gosto de beijos, o quanto não quero nada que venha depois do beijo. Me sinto anestesiada. Só quero que o beijo acabe logo.

No dia seguinte, ele me diz que me ama. Eu agradeço.

Explico que ainda gosto dele, mas só quero ser sua amiga.

Mesmo hoje, percebo que eu não queria ser apenas amiga daquele garoto. Eu quis parar com os beijos, mas queria continuar a sair com ele. Mas não sabia como dizer isso, porque, na minha cabeça, quando as pessoas saem em um encontro romântico, elas se beijam. E se as pessoas beijam quando saem em um encontro romântico, como é que vou poder namorar alguém algum dia?

Nunca namorei outra pessoa assexual. Não que eu seja contra a ideia – é apenas que não existem muitos de nós, e ainda não criamos um código universal para identificar outros assexuais, tipo ficar piscando loucamente. É claro que o simples fato de outra pessoa ser assexual não significa que ela dará certo comigo. E se ela gostar de gatos mais que de cachorros? E se ela tiver votado em Trump?

Acabo de concluir a faculdade e ainda não estou mais perto de ter entendido como funciona essa coisa toda de namoro. Mas, francamente, quem é que entende? Como pessoa assexual, posso ter mais algumas dúvidas do tipo “e se?” que precisam ser respondidas, mas essa história de “e se?” é apenas uma parte dos relacionamentos. E, depois de tantos encontros que não deram em nada, a única coisa que sei ao certo é que um relacionamento só pode avançar se você for franca em relação a essas dúvidas.

Não posso ter medo de fazer essas perguntas.

Estou redigindo um novo perfil meu para um site de namoro. Ainda não sei o que vou colocar no quesito “eu procuro...”, mas sei que minhas informações vão incluir as coisas que curto: livros, burritos, videogames; as coisas que odeio: cebolas, cigarro, música country; e o que eu sou: escritora. Pessoa que curte cachorros. Assexual.

*Este texto foi publicado originalmente no HuffPost US e traduzido do inglês.



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