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Violência
11/08/2019 09:45:00

Quase mil mulheres denunciaram violência doméstica no primeiro semestre em AL

Entidades reclamam que delegacias especializadas não atendem demanda nos fins de semana, à noite e nos feriados


Quase mil mulheres denunciaram violência doméstica no primeiro semestre em AL

O primeiro semestre deste ano, quase mil mulheres formalizaram denúncia por violência doméstica nas delegacias da Polícia Civil. O número é expressivo, mas não revela a realidade dentro dos lares nas cidades alagoanas. 

É que muitas vítimas desistem de apontar os agressores e um dos motivos é não conseguir registrar a ocorrência logo que ela acontece, porque as especializadas de atendimento desses casos ficam abertas no máximo até as 18 horas, fecham nos feriados e não funcionam nos fins de semana, período que mais acontecem as agressões e ameaças. Um gatilho para desencorajar quem já está vulnerável.

 

No mês em que a Lei Maria da Penha completa 13 anos, as únicas três delegacias especializadas de Defesa da Mulher em Alagoas - duas em Maceió e uma Arapiraca - são alvos de críticas de entidades que atuam para proteger quem sofre nas mãos de quem deveria ser parceiro. É que elas não atendem toda a demanda justamente por não estarem disponíveis nos horários e dias mais críticos.

A delegacia de Defesa da Mulher que mais registrou ocorrências no primeiro semestre desse ano foi a DDM2, que fica no Salvador Lyra, parte alta de Maceió e teve quinhentos casos. Seguida de outra, localizada no centro da capital, com 337 casos. Já Arapiraca recebeu 124 vítimas, que contaram à Polícia Civil detalhes das agressões e ameaças sofridas.

Casos acontecem nos fins de semana

"O fato das delegacias especializadas não funcionarem 24 horas e nem nos fins de semana e nem feriados, faz uma falta muito grande na vida das mulheres que precisam desse serviço, porque a maioria dos casos de violência acontece nos finais de semana justamente no momento em que o casal convive mais e acontece o alcoolismo. Não tem lógica a delegacia funcionar só no horário comercial, já que a maior parte dos casos não acontece em horário comercial, são mais à noite, de madrugada, durante uma festa", explica Paula Simony Lopes, advogada do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM).

Paula Simony reforça que se os dados estatísticos comprovam que a maioria dos casos de violência contra a mulher acontece nos fins de semana, não há sentido ter delegacia especializada fechada nesse período. "Outra coisa, ter delegacia especializada não quer dizer que o serviço seja melhor, porque ouvi diversos relatos de mulheres que foram melhor atendidas na Central de Flagrantes porque o policial atendeu bem", lembra.

A advogada do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher diz que já ouviu relatos de vítimas que chegaram à especializada pouco antes do horário de encerramento do expediente e não conseguiram atendimento. "A delegacia funciona até 17 horas e já ouvi de mulheres que chegaram de 16h20 na delegacia especializada e a escrivã não quis atender. É um serviço especializado entre aspas, porque o serviço especializado de acolhimento e mais humanizado no momento da denúncia não está ocorrendo de fato. Então que delegacia especializada é essa?", questiona Paula Simony.

Mais que coragem para denunciar

A vítima precisa de muita coragem para denunciar e de apoio após a agressão ou ameaça. Na avaliação da entidade, é necessário uma rede de acolhimento que não acaba com o registro da ocorrência "Então ela faz toda essa logística de chegar até a delegacia para denunciar ainda é maltratada ou não é atendida ou não é feito o BO. Será que essa delegacia está servindo? Não bastam só delegacias especializadas para coibir a violência contra a mulher é preciso ter todo um mecanismo de proteção. A gente estimula que tem que denunciar, aí a mulher vai lá faz a denúncia e depois o que vai acontecer com essa mulher? Quando ela sair da delegacia ela vai voltar para a mesma casa do agressor? Que eu saiba só tem uma casa abrigo que é do município", lamenta a advogada do CDDM.

 

Mulheres que são agredidas aos finais de semana não têm atendimento adequado

FOTO: REPRODUÇÃO/TV MIRANTE

 

 

Quando a denúncia é grave e envolve risco à própria vida da vítima, é necessário ainda um amparo que preserve a mulher. "Não tem lógica falar que denuncie e depois não tem para onde encaminhar essas mulheres. Se for um caso de vida ou morte? Vou mandar essa mulher para onde? Não dá para ficar aqui quando o caso é muito grave. Tem que tirar do estado. Não tem amparo pela rede. Então o que nós da ONG defendemos é que exista um mecanismo de proteção porque a rede de atendimento à mulher no nosso estado é extremamente precária. Não se combate a violência contra a mulher somente com a polícia. A gente combate com toda estrutura que vai dar apoio para ela se levantar depois", explica a advogada.

Juizado concedeu 420 medidas

O juizado da Mulher de Maceió concedeu de janeiro a julho deste ano 420 medidas protetivas para vítimas de violência doméstica- a mais comum é a solicitação que o agressor mantenha distância da vítima - solicitadas principalmente pela Defensoria Pública do Estado e a polícia. "Não pode esperar que tenha acontecido, tendo o risco tem que conceder a medida. Inclusive se o risco for iminente coloca o caso para ser acompanhado também pela Patrulha Maria da Penha", explica o juiz auxiliar do Juizado da Mulher de Maceió, José Miranda Santos Júnior.

Em relação ao funcionamento das delegacias de Defesa da Mulher na capital, o juiz José Miranda também reforça que seria importante o funcionamento delas no fim de semana. "Claro que daria um pouco mais de confiança porque a mulher saberia que seria recebida por pessoas especializadas no assunto. Delegacia especializada no fim de semana seria muito bom. Tem a questão da bebida, além de que tem maior contato dentro de casa e o contato maior pode levar à violência", acrescenta o magistrado.

De acordo com o juiz José Miranda, os resultados do Juizado da Mulher de Maceió são satisfatórios e que a violência doméstica é um crime difícil de solucionar. "É o tipo de crime pior para a segurança pública, porque acontece dentro de casa, no silêncio da noite. Do lado de fora não se sabe. Nós estamos satisfeitos com os resultados. Agora é muito difícil porque não se pode estar na casa das pessoas", acrescenta.

Vítima volta e encontra o agressor

A advogada Júlia Nunes, presidente da Associação para Mulheres (AME), fala que a estatística sobre a violência seria outra, caso as delegacias da Mulher funcionassem nos fins de semana e feriados. "Não tenho a menor dúvida disso. A violência acontece final de semana e feriado, mas é quando as delegacias estão fechadas. Então ela vai denunciar e acaba voltando para o lar onde está o agressor", conta Júlia Nunes.

A violência é um ciclo. O agressor grita, bate, depois se arrepende e faz com que você se sinta culpada pelo que ocorreu. Ele passa uma semana bom e depois volta a cometer o crime novamente. A descrição é da própria ativista Júlia Nunes, que viu de perto a violência doméstica. "Minha família veio de uma origem com violência, minha mãe foi violentada durante anos, cheguei a ser ameaçada e fui perseguida pelo marido de uma cliente", recorda.

A denúncia tem que ser imediata, até para que haja a reação das autoridades e também a possibilidade de um flagrante. "Imagine que para uma mulher violentada já é difícil entrar numa delegacia que é composta por mulheres, imagine passar horas para ser atendida numa Central de Flagrantes? Sem contar que quantas delegacias 24 horas nós temos? São só duas para atender todo o município. Imagina uma mulher que foi vítima de violência no Graciliano Ramos e vai descer para o Farol, esperar horas e horas para ser atendida por um homem. É muito complicado. Tenho certeza absoluta de que isso desencoraja a mulher a denunciar", detalha.

Júlia Nunes, presidente da AME, conta que quando começou a fazer atendimento a mulheres descobriu que não dava para resolver o problema delas apenas de forma jurídica. Era preciso ampliar. "Havia uma dependência emocional e psicológica, havia transtorno de sono e alimentar. Comecei a pedir a ajuda de amigos e hoje nós temos 45 profissionais das mais diversas áreas, tudo que a mulher precisar para se sentir acolhida. Todos são voluntários", comemora a advogada.

A AME já atendeu aproximadamente 300 mulheres, vítimas de todos os tipos de violência, passando pela sexual a psicológica. "Na verdade a mulher bem-sucedida para a sociedade ainda é aquela que tem família e o homem que tem dinheiro. Essa é uma questão que não é só de Alagoas não. Isso ainda está incluído na nossa cultura. Sonhei com essa associação a vida inteira. A gente acredita que acolhendo ela da forma correta ela vai dar continuidade ao processo e o grande mal no meu ponto de vista é que a lei é branda e o judiciário muito lento. Acreditamos que através do fortalecimento da autoestima da mulher aconteça o freio da violência", explica Júlia Nunes.

OAB cobra ações do governo

Em entrevista à Gazeta de Alagoas, Anne Caroline Fidélis, que é presidente das comissões Especial da Mulher e também de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Alagoas (OAB/AL) disse que a entidade tem acompanhado e cobrado ações do governo no amparo às mulheres. "A OAB tem pautado há bastante tempo esta problemática, inclusive em reunião com o próprio governador que alegou a existência de pouco efetivo na Polícia Civil. Na oportunidade ainda ressaltamos a necessidade de capacitação dos agentes públicos que realizam o atendimento das mulheres, já que também são inúmeras as queixas quanto a forma de atendimento", explicou a advogada.

Além disso, de acordo com Anne Caroline, há a necessidade de fortalecimento da rede de atendimento às vítimas. "Pautamos a necessidade de ampliação da rede de atendimento especializado como um todo, com a criação de casas-abrigo e casas de passagem, interiorização da patrulha e ampliação das políticas públicas para mulheres", completa a presidente das comissões Especial da Mulher e dos Direitos Humanos da OAB.

A reportagem procurou a Polícia Civil de Alagoas para saber se há previsão de ampliação do horário de funcionamento das delegacias de Defesa da Mulher, mas a assessoria de comunicação da PC/AL informou que não vai se pronunciar sobre o assunto.

De acordo com informações do Tribunal de Justiça de Alagoas, o Juizado da Mulher de Maceió recebeu - de janeiro a junho de 2019 - 535 processos e, em todo ano de 2018 foram 1.286. No primeiro semestre, em Arapiraca, foram 101 e de janeiro a dezembro de 2018, registrados 213 casos.

Reproduzido Gzetaweb

 

 
 


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