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Alagoas
29/07/2019 11:30:00

Sem projetos, Governo de Alagoas não utiliza potencial do Canal do Sertão

Gestão Renan Filho travou a liberação de outorgas (permissão) para uso da água do Rio São Francisco


Sem projetos, Governo de Alagoas não utiliza potencial do Canal do Sertão

A quarta obra mais cara do País em andamento, o Canal do Sertão de Alagoas, já tem mais de 100 quilômetros construídos, consumiu mais de R$ 2,5 bilhões e hoje praticamente não serve a nenhum projeto de desenvolvimento no semiárido. A obra não chegou nem na metade dos 250 quilômetros previstos, não tem data definida para terminar e pode parar em agosto se não houver repasse de R$ 60 milhões cobrados pela construtora Odebrecht, responsável pelo trecho quatro, de 31 quilômetros em andamento. A obra é o símbolo da falta de política estadual na gestão dos recursos hídricos. Mais de mil pedidos de outorgas (permissão) para uso da água do Rio São Francisco que correm pelo Canal teriam sido encaminhados à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh). Nenhum deles receberam autorização.

Como não existe fiscalização efetiva no trecho construído, pipeiros se aproveitam, furtam a água e revendem em comunidades rurais pobres a preços que variam de R$ 100 a R$ 200 a carga com oito mil litros. Para piorar, centenas de pequenos agricultores improvisam projetos de irrigação numa região do semiárido muito sensível, porque no subsolo tem alta concentração de sal. O excesso de água derramada pelas irrigações irregulares pode deixar as terras salinizadas e improdutivas.

O Conselho Gestor do Canal, formada pelas Secretarias Estaduais de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh); da Agricultura, Pecuária, Pesca e Aquicultura (Seagri); e a de Infraestrutura; não tem nenhum projeto relevante e significativo em andamento, capaz de promover o abastecimento regular de água e o desenvolvimento em 39 municípios do semiárido, que na quinta-feira (25) republicaram no Diário Oficial do Estado o decreto de situação de emergência por conta da longa estiagem. A informação foi confirmada por técnicos das três pastas. Os gestores nunca se reuniram.

O decreto, elaborado a partir do parecer técnico da Defesa Civil Estadual, aponta os seguintes municípios em situação de emergência: Água Branca; Arapiraca; Batalha; Belo Monte; Cacimbinhas; Canapi; Carneiros; Coité do Noia; Craíbas; Delmiro Gouveia; Dois Riachos; Estrela de Alagoas; Girau do Ponciano; Igaci; Inhapi; Jacaré dos Homens; Jaramataia; Lagoa da Canoa; Major Izidoro; Maravilha; Mata Grande; Minador do Negrão; Monteirópolis; Olho D?Água das Flores; Olho D?Água do Casado; Olivença; Ouro Branco; Palestina; Palmeira dos Índios; Pão de Açúcar; Pariconha; Piranhas; Poço das Trincheiras; Quebrangulo; Santana do Ipanema; São José da Tapera; Senador Rui Palmeira; Traipu; Olho D?Água Grande. A medida é um dos pré-requisitos para os gestores dos municípios afetados adotarem ações de socorro sobretudo nas comunidades rurais. Em todos chove há dois meses.

Sem o decreto, o governo federal não libera R$ 5 milhões para a Comissão Estadual de Defesa Civil fretar 200 caminhões-pipas. O último decreto de emergência durou três meses, venceu em junho. O Coordenador da Defesa Civil do estado, coronel Moisés Melo, esteva na Bahia onde recebeu treinamento da Defesa Civil daquele estado para acelerar processos de decretação de situação de emergência. Parte dos municípios do alto sertão afetado com a estiagem ficam praticamente nas margens do canal.

Os prefeitos cobram menos burocracia e o aproveitamento do canal para regularizar o abastecimento de água potável. Mas tudo se esbarra na falta de projetos de segurança hídrica do comitê gestor do canal. Apesar do novo decreto de emergência da Defesa Civil para socorrer os 39 municípios, a maioria está com os açudes e barragens cheios, rios correm água, os agricultores plantaram culturas tradicionais e as cisternas estão abastecidas. Com chuva, a imagem arrasada do sertão mudou. Está tudo verde e o gado voltou a ganhar peso por conta de abundância de pasto.

Obras do Canal do Sertão são tocadas de forma tímida e 'quase parando'

FOTO: AILTON CRUZ

Prolifera irrigação clandestina nas margens do canal

O governo Renan Filho dividiu a gestão do Canal do Sertão em três secretarias. A de Infraestrutura fica encarregada de receber os repasses do governo federal via Ministério do Desenvolvimento Regional e direcioná-los as construtoras. A pasta da Agricultura é encarregada de selecionar os projetos, promover irrigação e treinar os produtores rurais. A Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos deveria fazer a gestão, conceder outorgas para o uso racional da água do rio São Francisco e de outros mananciais do estado. Como efetivamente não há controle público do canal, centenas de pequenos agricultores improvisaram sistema de irrigação e plantam ao longo de 100 quilômetros, sem nenhuma orientação técnica do poder público.

Ao percorrer as margens do Canal do Sertão, a Gazeta encontrou as tubulações de captação da água seguindo na direção das plantações. Os pequenos agricultores improvisaram uma forma de "puxar" a água sem bomba elétrica. Eles aproveitam a inclinação natural do canal com sistema rústico de sucção, utilizam registro hidráulicos simples para evitar a irrigação descontrolada. Quem tem área superior a seis hectares mantém pequenas bombas elétricas, revelou um dos agricultores.

O microprodutor rural Isnaldo da Silva, 29 anos, morador do sítio Lagoa da Pedra, no município de São José da Tapera, é um dos 30 agricultores da comunidade que fica na margem do canal e que utiliza a água sem nenhuma orientação técnica. Ele planta milho, feijão, macaxeira, batata, melancia, outras culturas e mantém uma pequena criação de porcos. Como não dispõe de técnica teve prejuízos em alguns plantios. A maior perda foi na cultura de melancia por conta do excesso de água na área plantada neste período de chuva.

No subsolo da região também tem água salobra (com alto teor de sal) e não dá para plantar nada, disse Isnaldo ao comemorar a chegada do canal e o fim do sofrimento nos períodos de longa estiagem. "A vida mudou por aqui. Desde o ano passado, não preciso sair de casa para vender a minha produção. A de milho já foi toda vendida quando comecei a plantar. Tem água de boa qualidade o ano inteiro e na porta de casa", disse o agricultor que planta numa área de seis hectares, junto com a mulher e os quatro filhos.

A agricultora Maria Alves, que em 2014 foi morar em São Paulo fugindo da seca e para acompanhar tratamento de saúde da mãe, retornou há dois anos. A mãe dela morreu por lá. Daí, resolveu retornar para a pequena propriedade em Senador Rui Palmeira, onde se dedica à pequena criação carneiros, galinhas, peru e mantém roças de milho, feijão e outras culturas tradicionais. "A seca agora não acaba com tudo. Tem muita água do canal aqui", disse a agricultora ao mostrar a irrigação improvisada e a pequena criação.

Outro que espera a chegada de sementes da Secretaria da Agricultura e orientação técnica para plantar é o agricultor Manoel Soares, 56 anos, casado, 17 filhos, nativo de São José da Tapera. Também mantém pequena roça de feijão, milho, batata, e no verão quer plantar melancia como a maioria dos vizinhos. "Água aqui não é mais problema. As duas cisternas estão cheias. Há dois meses chove bem e isto ajuda muito".

Semarh não tem projeto e nem gestão hídrica

De acordo com o decreto 40.183, de 14 de abril de 2015, que criou o Comitê Gestor do Canal do Sertão, a competência de cuidar da gestão da água do São Francisco que passa por mais de 100 quilômetros de rio artificial é da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh). O comitê é formado por três secretarias estaduais: a da Infraestrutura, de Agricultura e de Meio Ambiente.

A Secretaria de Agricultura é a principal usuária da água destinada a projetos de irrigação, consumo humano e animal. Hoje existem seis projetos para abastecimento humano: dois da Casal e quatro da Codevasf, que objetivam o abastecimento de pequenas comunidades rurais.

Há trechos onde o mato já se acumula, reforçando o sinal de abandono

FOTO: AILTON CRUZ

O projeto original do canal prevê a vazão de 32 metros cúbicos por segundo, nos 250 quilômetros, entre os municípios de Delmiro Gouveia até Arapiraca. Atualmente existem duas bombas de 2,6 metros cúbicos por segundo instaladas ao longo do trecho já construído, ou seja, com capacidade de bombear 5,2 metros cúbicos por segundo. No entanto, só uma bomba funciona, porque ela atende a demanda atual.

O projeto de irrigação planejada demora a sair papel porque, de acordo com o secretário-executivo da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semhar), Alex Gama de Santana, os estudos de viabilidade feitos para três projetos iniciais entre Delmiro Gouveia, Inhapi e Canapi, mostraram-se inconsistentes. Nesses locais, nem toda a área pode ser irrigada por conta do processo de salinização da terra. A irrigação indiscriminada pode comprometer o solo.

As terras férteis estão na segunda metade do Canal do Sertão. Os projetos elaborados pela Codevasf foram considerados caros e com modelos de gestão superados. A execução da parte física dos projetos custariam R$ 100 milhões, por isso não foram executados pela gestão estadual.

Gazetaweb



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