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19/07/2019 14:00:00

O que acontece com os terapeutas que passam os dias ouvindo relatos de traumas

Especialistas em saúde mental contam como o trabalho afeta suas vidas e como eles lidam com isso.


O que acontece com os terapeutas que passam os dias ouvindo relatos de traumas

Talvez você já tenha ouvido a expressão “vida vicária” – ou seja, sentir a experiência de outras pessoas. Talvez você tenha olhado obsessivamente o Instagram de um amigo de férias, ou então tenha acompanhado com atenção máxima as histórias dos encontros de um amigo ou amiga.

Mas nem todas essas experiências são positivas. Às vezes, ouvir os detalhes de uma situação desagradável pode causar trauma indireto, um fenômeno no qual você se sente afetado por tragédias mesmo que não tenha sido uma das vítimas.

O trauma indireto pode se manifestar de várias maneiras e ter intensidades diversas. É uma resposta de empatia natural ao sofrimento humano. Algumas pessoas têm mais tendência a senti-lo porque são sempre expostas ao traumas dos outros. Um desses grupos? Os terapeutas.

“O trauma vicário é muito real e pode se manifestar de forma sutil. É essencial que os terapeutas prestem atenção ao seu próprio processo quando lidam com o trauma dos clientes”, diz Mahlet Endale, psicóloga de Atlanta. “Quanto mais cedo você perceber, mais cedo poderá tomar medidas para evitar potenciais problemas.”

Embora possa ser fácil imaginar-se em outro lugar ou simplesmente deixar a mente divagar durante as sessões, muitos profissionais de saúde mental acreditam que têm de viver emoções dos clientes em certo nível, diz Tracy Vadakumchery, conselheira do The Feeling Good Center, em Nova York.

Para demonstrar empatia verdadeira, temos de compartilhar a dor do cliente em um certo nível – sentir o que eles estão sentido.”Tracy Vadakumchery, conselheira do The Feeling Good Center, em Nova York

“Quando as pessoas contam experiências traumáticas, elas se sentem vulneráveis e precisam da segurança de um terapeuta de confiança para fazê-lo.”

Mas os terapeutas não sentem os efeitos das consultas imediatamente, diz Nicole M. Ward, terapeuta de casais e famílias especializada em trauma indireto. Mas eles ainda são seres humanos – e, com o tempo, o impacto pode ser inevitável. 

“É importante saber que o trauma indireto não é uma resposta imediata, mas sim cumulativa”, afirma Ward.

Como os terapeutas lidam com o problema para conseguir trabalhar

Sentir essas emoções não significa que o terapeuta está colocando em risco seu próprio bem estar mental só por fazer seu trabalho. “Eles aprendem a lidar com isso desde o começo do treinamento”, ressalta Endale.

Além disso, cada profissional tem seus próprios métodos para evitar o trauma indireto. 

“Uso várias estratégias para não sentir trauma vicário. Primeiro, sei quantos dos clientes atuais estão lidando com traumas. Também tento espaçar as sessões em que vamos falar de traumas para que eu tenha um tempo para me recuperar”, afirma Endale.

Quando conseguem escolher os clientes, os terapeutas também têm de saber se os pacientes em potencial são uma boa combinação para eles.

“Aprendemos a tomar cuidado na hora de aceitar pacientes, pois eles podem despertar coisas com as quais você está lidando na sua vida pessoal. Isso vale para tudo, não só para os traumas”, explica Endale. “Se um terapeuta teve uma perda recente, por exemplo, talvez seja boa ideia não aceitar pacientes que estejam em período de luto até que ele próprio tenha passado por seu processo interno.”

O autocuidado é tão importante para os terapeutas quanto para você. “No meu grupo, incentivamos os terapeutas a fazer o que dizem para os pacientes: cuidar de si mesmos fora do horário de trabalho”, afirma Vadakumchery.

Para Endale, o autocuidado envolve hábitos como “dormir bem, alimentar-se de forma saudável, fazer atividades físicas e conhecer meu limite de clientes por dia. É essencial equilibrar o trabalho com a vida fora dele.”

Técnicas de relaxamento também são cruciais. “Isso geralmente inclui meditação e visualizações de proteção que mantêm as experiências dos meus clientes separadas das minhas”, diz a assistente social Karen Whitehead.

Anthony Freire, diretor clínico e fundador do The Soho Center for Mental Health Counseling, em Nova York, disse que tenta implementar duas técnicas em suas sessões e “ambas têm o objetivo de impedir que o terapeuta crie falsas ‘memórias’ causadas pelos relatos de traumas que ouvem nas sessões”.

A primeira é o que ele chama de efeito varanda. “Quando o paciente está descrevendo os detalhes traumáticos, é muito fácil para o terapeuta imaginar-se no mesmo cenário e, portanto, vivenciar o trauma em si”, disse ele. “Com o efeito varanda, me imagino numa sacada acima da sala de terapia, ‘assistindo’ o cliente me contar a história. Assim não me envolvo totalmente na história, me colocando ‘no lugar do paciente’. 

A segunda técnica, semelhante à primeira, é chamada de efeito do cinema. Ela envolve “imaginar-se ‘assistindo a um filme’ do paciente contando sua história, sem transformar-se num personagem na tela”, afirma Freire.

Finalmente, os terapeutas nunca subestimam a importância de eles próprios procurarem ajuda.

“Eu também faço consultas e supervisão com colegas e me envolvo na minha própria terapia para entender e processar quaisquer reações fortes ou persistentes à situação de um cliente”, disse Whitehead.

Dito isso tudo, não use isso como motivo para se segurar na terapia

JOSE LUIS PELAEZ INC VIA GETTY IMAGES

É importante ressaltar que isso não significa que os terapeutas não são capazes de fazer seu trabalho nem que você deva se segurar durante as sessões. A ideia da terapia é justamente usar um profissional de saúde mental para processar suas experiências.

“O cliente não precisa se preocupar com o terapeuta. Eles podem ter toda a liberdade de focar em si mesmos e confiar que o profissional está preparado para cuidar de si mesmo”, diz Thelma Bryant-Davis, psicóloga de Los Angeles.

“Se você acha que sua história é ‘demais’ para o terapeuta, fale sobre isso com ele. Mas você nunca deve se segurar nas sessões”, acrescenta Warden.

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.



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