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16/07/2019 15:00:00

Investimentos em serviços de saneamento encolheram nos últimos anos


Investimentos em serviços de saneamento encolheram nos últimos anos

Embora o país seja extremamente carente de serviços de saneamento, com menos da metade da população assistida por coleta de esgoto, o investimento no setor mais atrasado da infraestrutura brasileira encolheu nos últimos anos. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram queda de 7,8% nos aportes em 2017 na comparação com o ano anterior. Foram desembolsados R$ 10,9 bilhões em saneamento, menor valor investido nesta década e patamar 50,5% inferior à média de R$ 21,6 bilhões necessários para o Brasil universalizar os serviços até 2033, conforme meta prevista pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).

O quadro é ainda mais preocupante quando se observa a lenta evolução dos indicadores de abastecimento de água e coleta de esgoto. O acesso à água encanada está estagnado nos últimos três anos. O índice passou de 83%, em 2015, para 83,5%, em 2017. Já em relação às redes de esgoto, a coleta passou de 50,3% para 52,4% no mesmo período. “Não à toa, aumentou a incidência de doenças, como dengue, zika, febre amarela, que tem a ver com a qualidade da água e com o tratamento de esgoto”, afirma Ilana Ferreira, especialista em infraestrutura da CNI.

Como é um setor de monopólio natural, a CNI defende a concorrência para que fique claro onde são necessários subsídios e onde falta gestão competente na prestação dos serviços. “Como é um modelo de 50 anos atrás, o mecanismo jurídico é o contrato de programa. É falho, não exige licitação. Temos contratos renovados indefinidamente desde 1970, que não estipulam metas de atendimento ou de investimento. Assim, não se tem instrumento para dizer que a escolha é o melhor para a população”, explica.

Entre os vários projetos de lei que tramitam no Congresso para modernizar o marco regulatório, a CNI defende o PL 3235/2019, do deputado Evair Evair Vieira de Melo (PP-ES), que converte os contratos de programa em concessões. “O texto do senador Tasso Jereissati era bom, mas foi desfigurado e criou uma série de exceções”, justifica.

A possível falta de interesse do setor privado em municípios pouco rentáveis, segundo Ilana, foi resolvida com o modelo de blocos regionais, o famoso filé com osso. “Além disso, as empresas estatais também não investem onde não há retorno. Basta ver a diferença entre os índices de atendimento com serviço de água e os de esgoto”, ressalta. Apesar dos inúmeros projetos, a perspectiva da indústria é positiva. “Há movimentação no Congresso e uma frente parlamentar engajada. O tema não vai morrer, porque retomar as obras paradas terá um impacto econômico importante, com geração de emprego”, defende.

Celeridade

A expectativa da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) é de que projeto do governo, que insere a Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão regulador, tenha célere tramitação no Congresso. “O governo já manifestou urgência e pertinência do tema”, justifica o diretor executivo da Abcon, Percy Soares Neto, para quem os vários textos devem ser transformados num bom projeto.

Qualquer que seja a saída, sustenta Soares Neto, a solução para o saneamento está em três pilares: maior competição, melhor regulação e garantia da economia de escala. “Hoje, existe reserva de mercado na mão de um conjunto de companhias, que levou o saneamento à situação precária em que está”, afirma. Para ele, o impasse sobre falta de interesse em municípios pouco rentáveis já foi superado com a prestação regionalizada. “Atualmente, 58% das nossas operações já estão em cidades com menos de 20 mil habitantes”, esclarece.

O diretor diz que as operadoras privadas estão presentes em 6% dos municípios e são responsáveis por 20% dos investimentos, com tarifa 3% maior do que a média das companhias públicas. No entanto, Soares Neto admite que a maior parte das operações são por meio de PPPs. “O modelo de parceria funciona, mas joga o custo do privado e público junto na tarifa”, destaca. Com a flexibilização do marco, o dirigente aposta numa investida forte tanto dos atuais operadores privados quanto de fundos de investimento. “Os fundos já mostraram interesse em alavancar a nossa participação no mercado”, revela.

Preocupação com conflitos no setor


A coordenadora do Programa Rede das Águas da organização não governamental SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro se preocupa com conflitos de papéis que a mudança no marco legal do saneamento, conforme propostas em discussão no Congresso, podem gerar. Ela teme que, ao levar para a Agência Nacional de Águas (ANA) a coordenação da regulação de saneamento, o novo marco possa enfraquecer o papel regulador da ANA com relação ao acesso e ao uso da água nas bacias hidrográficas, uma vez que a Agência é responsável por autorizar o uso e por classificar, com comitês de bacias hidrográficas, a qualidade da água de acordo com seus usos. “Como vai ficar o papel da ANA na emissão de outorgas para o setor que ela vai passar a regular diretamente, já que o saneamento, por meio da emissão de efluentes de esgotos nos rios, é um poluidor das bacias hidrográficas?”, questiona.

No entanto, ela considera uma evolução o fato de a discussão poder ocorrer no Congresso, em audiências públicas com vários setores da sociedade, em torno de um projeto de lei, e não por medida provisória.  “Agora há espaço para aperfeiçoar a proposta e isso foi uma conquista do movimento ambiental, que pressionou muito para que as medidas provisórias não fossem votadas”, afirma. Na avaliação da especialista, esta e outras questões poderão ser esclarecidas e amadurecidas durante os debates, antes da votação do texto final.

 A coordenação da regulação da ANA para o saneamento foi retirada do PL do Senado, mas a proposta vai voltar no novo texto que será enviado pelo governo nos próximos dias. A ideia é que a Agência estabeleça critérios técnicos gerais a serem seguidos pelas companhias de saneamento, como condição para investimentos que quiserem ter acesso a crédito da União. 

Flexibilidade

Licenciamento Ambiental - Outra preocupação do SOS Mata Atlântica é com a rota única de licenciamento ambiental, proposta pelo PL 3261/19, para que os projetos de saneamento não aguardem na fila com os de outros setores. “Dar prioridade para empreiteiras que lidam com esses projetos, como a Odebrecht, por exemplo, vai criar problemas jurídicos que podem levar as obras a se arrastarem mais ainda”, pondera.  Já o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes), Roberval Tavares de Souza, considera positivo. “Por que temos que aguardar o licenciamento na mesma fila de uma indústria química, por exemplo? Não somos os poluidores. Ao contrário, tratamos esgotos, somos a solução-problema”, compara.

Para Malu Ribeiro, porém, a maior causa de preocupação com relação a licenciamentos ambientais ágeis não está nos textos da mudança do marco regulatório, mas no projeto conhecido como “ Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, que tramita na Câmara, pois pode enfraquecer padrões técnicos, avalia, em todos os projetos, inclusive de saneamento. A proposta dá mais flexibilidade para que estados e municípios alterem suas condições de licenciamento ambiental e isenta de licença as atividades agropecuárias. 

Na opinião de Fabiana Figueró, especialista em meio ambiente do escritório Souto Correa,  é importante desburocratizar o processo, para alavancar investimentos em saneamento. “Temos uma situação bastante precária. Os números do saneamento não mudam. É importante tentar todas as formas possíveis para que as obras sejam realizadas. Desburocratizar o licenciamento ambiental é algo muito salutar. Claro que precisa preservar e adotar medidas de compensação eventualmente necessárias. O impacto ambiental que o esgoto não tratado gera no meio ambiente e os resíduos sólidos, urbano e industrial, são problemas que precisam ser melhor conduzidos”, avalia. 

Por meio de nota, o Ministério do Meio Ambiente disse  que o licenciamento rápido é uma forma de agilizar investimentos. “O MMA entende que medidas de maior agilidade no licenciamento, sem perda de qualidade técnica, aliadas a outras que sejam atrativas ao investimento privado, constituem a única forma viável de avançar com o saneamento no Brasil.”

Em seminário sobre recursos hídricos no auditório do Correio em junho,  o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, comemorou o fato de o Senado ter reagido rápido, ao apresentar o PL 3261/2019, em resposta à caducidade da MP em 868/2019, no mês passado.  Vamos apresentar outro. A ideia é colocar a ANA como agência definidora das normas de referência”, disse. “No nosso entendimento, a proposta aprovada no Senado faz todo o sentido. Cria uma regra de transição para as companhias estaduais, permite o investimento privado, o que leva — assim esperamos — à universalização do sistema. Mas, sem a presença da ANA, uma das pernas, que é a uniformização, a segurança jurídica dos contratos de programas que virão a ser prorrogados, fica capenga”. Segundo ele, o novo PL vai completar o do Senado. 

De acordo com Canuto, as questões regulatórias não foram incluídas apenas devido à questão do vício de origem, já que é prerrogativa da Presidência criar cargos, e não do Congresso. No caso da transferência da coordenação da regulação do saneamento para a Agência Nacional de Águas, será preciso criar novas funções específicas antes de  implementar as mudanças.

Correio Braziliense



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