Enquanto algumas gorduras são essenciais para o bom funcionamento do nosso corpo, a gordura trans não é segura, e muito menos recomendada — em nenhuma quantidade.
Porém, um estudo desenvolvido por pesquisadores em nutrição do Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde Pública da Universidade de São Paulo) e do Idec (Instituto de Defesa do Direito do Consumidor) revelou que muitos dos alimentos que dizem ter “zero” gordura trans, na verdade, escondem pequenas quantidades do ingrediente na composição.
Pesquisadores analisaram mais de 11 mil rótulos de diversos produtos encontrados em supermercados nacionais. Eles compararam as três informações nas embalagens: a parte frontal do rótulo (que estampa, geralmente, “zero gordura trans” ou “livre de gordura trans”), a tabela nutricional e a lista de ingredientes, ambas na parte de trás da embalagem.
Foi constatado que 30% desses produtos que se rotulavam “livres de gorduras trans”, na verdade, a continham.
A nutricionista do Idec Laís Amaral explica que isso é possível por causa de uma “brecha” na legislação brasileira. Apesar de a informação sobre a quantidade de gordura trans ser obrigatória no Brasil, o fabricante pode declarar como zero se o alimento tiver igual ou menos de 0,2 grama por porção.
O problema é que algumas empresas trabalham com porções pequenas e, por isso, não precisam registrar a gordura trans presente.
“Às vezes, a porção indicada na embalagem é uma porção irreal, como dois biscoitos e meio. Então você come o pacote inteiro e ingere gordura trans sem saber, uma vez que a embalagem diz que o produto é livre”, pontuou a nutricionista do Idec.
Outro problema é que uma pessoa pode não só comer um produto, mas diversos outros alimentos ? com a informação incompleta do fabricante ? e crer que não está ingerindo a gordura.
A situação se agrava ainda mais porque, segundo a nutricionista, não há uma quantidade segura de gordura trans que uma pessoa possa ingerir. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda evitar ao máximo seu consumo e indica que ele não deve ultrapassar 1% do valor energético de uma dieta diária. Em uma dieta de 2.000 kcal, portante, só poderiam ser ingeridos cerca de dois gramas, ou uma colher de sobremesa de margarina.
“A gordura trans é um dos casos que já estão comprovados, no Brasil e no mundo, que oferece risco à saúde e está relacionada a acidentes vasculares”, disse Laís Amaral. “Muitos países já baniram ou estão avançando para isso, mas o Brasil ainda está atrasado nessa discussão.”
A gordura insaturada é a famosa “gordura boa”, encontrada no abacate, castanhas, peixes, azeite, entre outros alimentos saudáveis. Já a saturada, encontrada nas carnes e manteiga, é liberada em dose moderada.
Porém, a gordura trans não faz nada bem à saúde. Além de aumentar o colesterol “ruim”(LDL), ela também reduz o colesterol “bom” (HDL), o que pode acarretar diversos problemas cardiovasculares. Estudos comprovam que a gordura trans está relacionada ao aumento do risco de doenças cardíacas, como derrame, infarto, entre outros males.
Com tantas evidências de que essa gordura não é saudável, a indústria tem diminuído sua utilização de forma expressiva. Mas ela ainda é usada porque “é mais barata, dá mais sabor ao alimento e aumenta o prazo de validade”, explica Laís Amaral, do Idec.
A gordura trans é formada por um processo químico no qual óleos vegetais são transformados em ácidos graxos trans. Esse processo confere sabor e crocância marcantes.
Os alimentos “falsiane”, cujos fabricantes dizem não ter gordura trans, mas que na verdade têm, segundo a pesquisa da USP, são:
Por causa da brecha na lei, Laís Amaral recomenda sempre ficar de olho não só na tabela nutricional, mas também na lista de ingredientes obrigatória ? é nela que você pode descobrir se um produto tem ou não a gordura trans.
Além de seu nome já bem conhecido, existem outras nomenclaturas que mascaram a identificação da gordura. Estes são os ingredientes que contêm gordura trans:
Gordura vegetal hidrogenada
Gordura parcialmente hidrogenada
Óleo vegetal hidrogenado
Hidrogenado
Já outros ingredientes podem ou não conter gordura trans:
Gordura vegetal
Margarina
Creme vegetal
De acordo com o Idec, de modo geral, a gordura trans ainda está presente em alimentos ultraprocessados, como sorvetes de massa, macarrão instantâneo, salgadinhos, bolos prontos, biscoitos, pipoca de microondas, margarinas e molhos prontos.
Por isso, é melhor evitar alimentos ultraprocessados e dar preferência aos alimentos processados e in natura. Lembre-se de que um prato de arroz e feijão pode ter a mesma quantidade de calorias, carboidratos e proteínas de um hambúrguer industrializado. Mas enquanto o primeiro prato é saudável e possui diversos benefícios para a saúde, o segundo também pode esconder grandes quantidades de gorduras, sal, açúcar e ingredientes artificiais, como corantes, conservantes e aromas.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), órgão que regulamenta o setor, discute formas de restringir o uso da gordura trans em alimentos.
No ano passado, houve uma reunião para discutir sobre o tema e a agência prevê uma consulta pública ainda para este ano.
A agência tem duas opções em análise: a primeira é impor limites máximos de gordura parcialmente hidrogenada e a segunda é a total proibição.
“Vamos começar a ver quais são as consequências de impor limites ou banir a gordura trans. Se pudermos banir, melhor, porque significa dizer que a população não precisará consumir uma substância que é maléfica”, disse o diretor da Anvisa Renato Porto, relator da proposta, ao jornal Folha de S. Paulo no ano passado.