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Alagoas
18/06/2019 17:00:00

O cientista que deseja salvar vidas

O cientista canadense Travis Salway afirma que o suicídio ultrapassou o HIV — e hoje é a maior causa de morte de homens gays e bissexuais em seu país.


O cientista que deseja salvar vidas
Ilustração

Um dos aspectos indescritíveis de ser membro de um grupo minoritário é saber que as coisas estão melhores do que jamais estiveram, mas ao mesmo tempo não estão boas o suficiente.

A comunidade LGBTQ+ conquistou o direito ao casamento homoafetivo e alcançou certa visibilidade na política institucional, na mídia e no mundo do entretenimento. Mas ainda estamos muito atrás da população heterossexual e cisgênero em matéria de saúde mental, abuso de substâncias e taxas de HIV.

Travis Salway é epidemiologista e vem tentando acabar com esse desnível. Em 2014 ele descobriu que, no Canadá, o suicídio passou à frente do HIV como a maior causa de morte de homens gays e bissexuais. Mais recentemente ele vem defendendo a proibição das terapias de conversão ? popularmente conhecidas como ‘cura gay’ ? e a oferta de exames de saúde mental nas clínicas que diagnosticam e tratam doenças sexualmente transmissíveis.

O HuffPost US conversou com Salway sobre esses desafios persistentes e a luta pela igualdade em matéria de saúde.

HuffPost US: Como você descobriu que mais homens gays e bissexuais estão morrendo de suicídio que de causas ligadas ao HIV?

Travis Salway: Eu trabalhava há anos com a prevenção do HIV, motivado pelo fato de que os novos casos de contaminação pelo vírus não estavam diminuindo entre os homens gays. Uma das teorias que exploramos era que o isolamento social, depressão, dependência de drogas e outros fatores sociais estariam levando a comportamentos sexuais associados à transmissão do HIV. Esses mesmos fatores também podem levar uma pessoa a tirar a própria vida.

Fui procurar as estatísticas de suicídio entre homens gays e bissexuais e fiquei assustado ao descobrir como a taxa era alta. Embora os índices de mortalidade por HIV vinham caindo há anos, os de suicídio continuavam estáveis. Quando analisamos os números, descobrimos que, por volta de 2007, as linhas se cruzaram e o suicídio superou o HIV para se tornar a maior causa de mortes. Desde então, a diferença vem crescendo e hoje o suicídio talvez já seja responsável por duas vezes mais mortes que o HIV.

Por que o índice de suicídio continua tão alto na população LGBTQ+?

A teoria predominante é a chamada teoria do “estresse da minoria”. A ideia é que os membros de minorias sexuais acumulam múltiplos fatores de estresse. Estes incluem coisas visíveis, como agressões físicas e xingamentos dos quais eles são alvo, mas também coisas menos evidentes, como evitar ir a uma festa de família porque você não quer ser obrigado a ter uma conversa constrangedora com seu tio. Mesmo que ninguém chegue a dizê-lo explicitamente, você capta a mensagem de que há algo de errado com você.

O estresse da minoria continua mesmo depois de você “sair do armário”. Todos nós precisamos decidir o tempo inteiro quando sair do armário. Mesmo que você viva em um ambiente de grandes cidades, onde todo o mundo encara a homossexualidade como algo normal, que é aceito, ainda há um estresse cognitivo cada vez que você toma essa decisão.

Com o tempo, o estresse da minoria leva a problemas como “ruminação”, em que você fica remoendo pensamentos negativos na cabeça incessantemente. Isso pode levar a um sentimento de desesperança. Algumas pessoas se automedicam com drogas ou álcool. Outras se isolam em situações sociais e então recorrem a substâncias para se conectar com outras pessoas.

E agora estamos descobrindo que os membros de minorias sexuais sofrem riscos estruturais que não se limitam a passar sua adolescência no armário. O casamento, filhos, acesso a empregos e redes de apoio, tudo isso é diferente para as minorias sexuais, diferente em maneiras que são relevantes ao suicídio. Por exemplo, pessoas que têm um companheiro de longo prazo têm probabilidade menor de se suicidar. Os homens gays e bissexuais têm probabilidade menor de estar em um relacionamento de longo prazo e geralmente começam a namorar muito mais tarde na vida. Esse pode ser outro fator de risco para o suicídio.

Parece que uma conclusão importante de seu trabalho é que a ideia de que “as coisas vão melhorar” é muito mais complicada do que o slogan dá a entender. Não é uma linha reta de progresso – é toda uma série de problemas sobrepostos, alguns dos quais estão melhorando e outros estão se agravando...  

Exatamente. Novas pesquisas sugerem que os adolescentes “queer” andam saindo do armário mais cedo. Parece uma coisa ótima, não? Mas na realidade eles não estão se saindo muito melhor na escola. Eles ainda se sentem isolados. Há iniciativas nas escolas hoje em dia, como alianças entre gays e héteros. Para os adolescentes que podem se beneficiar disso, é ótimo. Mas muitos adolescentes já internalizam tanto a homofobia ou sentem tanto medo de bullying que não conseguem participar de um grupo desse tipo. Muitas das pessoas que entrevistei que tentaram o suicídio contaram que foram até a porta dos grupos de apoio e então voltaram atrás. São essas as pessoas que correm o maior risco de suicídio e que são as mais difíceis de alcançar com o modelo de atendimento que temos hoje.

Um de seus projetos atuais é militar pela inclusão do atendimento à saúde mental nas clínicas que tratam pessoas com DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis). Por que é importante lidar com a crise dessa maneira?

Uma das grandes realizações da comunidade gay nas últimas quatro décadas foi a criação de uma infraestrutura altamente sofisticada de exames e prevenção do HIV. Não temos nada comparável para saúde mental e suicídio. Precisamos adaptar essa infraestrutura à crise que estamos enfrentando hoje. As clínicas de DSTs são lugares onde podemos atender as pessoas antes de elas resvalarem pelas brechas do sistema.

Sabemos que, devido ao estresse das minorias, essas pessoas costumam adiar ou evitar buscar atendimento de saúde mental se não estiver ao seu alcance. Elas podem procurar um médico se machucam o tornozelo, mas não dirão nada a ele sobre sua depressão ou seu consumo de drogas, por medo de serem descobertas. E isso é supondo que elas vão ao médico regularmente ou tenham um médico para consultar. Nenhuma dessas duas coisas é certa.

A razão pelas quais as clínicas de DSTs funcionam tão melhor para a saúde mental é que as barreiras para fazer uso delas são baixas. Se você vai a uma dessas clínicas, não precisa mostrar seu documento de identidade, não precisa informar seu nome, e o atendimento é gratuito mesmo para quem vem de fora do estado ou do país. Com isso, é muito mais provável que os pacientes revelem suas preocupações de saúde mental do que em outras clínicas, ou mesmo do que quando conversam com seus familiares ou amigos.

Onde a comunidade LGBTQ+ deveria concentrar recursos em matéria de saúde pública?

A próxima onda de direitos dos gays precisa envolver a construção de apoios sociais duradouros e reais que resistam às três ameaças principais que enfrentamos.

A primeira ameaça é a perda da “zona gay”. Muitos dos pontos de encontro tradicionais já foram parar online. Mas o que é mais grave é que as cidades com a maior concentração de gays estão ficando tão caras que se tornam inacessíveis. Os jovens gays estão sendo forçados a mudar-se para os subúrbios ou para cidades menores onde existem menos serviços. Precisamos descobrir como alcançar esses grupos.

A segunda ameaça é o envelhecimento. Um dos fatores que mais protege os héteros contra o risco do suicídio é a formação de uma família. As pessoas LGBTQ+ têm possibilidade menor de formar uma família. A solidão e o isolamento social constituem problemas muito sérios em nossa comunidade. E se agravam à medida que vamos envelhecendo.

A terceira ameaça é a estratificação dentro de nossa própria população. O que significa oferecer serviços a uma comunidade que tem gerentes de fundos de investimentos livres e adolescentes sem-teto? As disparidades em termos das necessidades são profundas na comunidade LGBTQ+, e precisamos oferecer suportes específicos para os grupos mais em risco.

O que nos une é essa busca por um jeito de seguir adiante em um mundo em que você sempre soube que sua vida seria diferente. Em parte devido ao legado da epidemia de HIV, projetamos muitos de nossos espaços em torno das necessidades dos homens gays. Mas o que fazem nossas mulheres queers quando sofrem uma crise de saúde mental? Precisamos levar em conta uma gama muito mais ampla de necessidades e oferecer espaços físicos para formar uma comunidade.

Não quero dizer que isto já não esteja acontecendo, mas precisamos nos unir em torno da saúde de nossa comunidade do mesmo modo como nos unimos em defesa do casamento homoafetivo. Aquele foi um bom esforço, mas é hora de ir mais fundo.

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.

ttps://www.huffpostbrasil.com



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