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Comportamento
25/05/2019 14:00:00

Amor, cuidado e afeto são fundamentais para o desenvolvimento na primeira infância

Crianças que possuem vínculos afetivos nos primeiros anos de vida são mais seguras e autônomas e aprendem a interagir e se comunicar com mais facilidade


Amor, cuidado e afeto são fundamentais para o desenvolvimento na primeira infância
Ilustração

Estímulos, cuidado e afeto. A tríade do que não pode faltar na primeira infância é a receita apontada por especialistas e em estudos científicos sobre a importância dos anos iniciais da vida de uma criança. É por meio das trocas afetuosas que ela desenvolve as relações, aprende a interagir, consegue se comunicar e fortalece a capacidade de empatia. Pesquisas comprovam que crianças que possuem vínculos afetivos na primeira infância são mais seguras e autônomas. Na segunda reportagem da série “Primeiros passos”, que o Diario publica até o fim de semana, mostra como a criação com apego e a estrutura familiar podem trazer benefícios ao desenvolvimento infantil. 

Moradoras do Bode, no Pina, Zona Sul do Recife, as donas de casa Thialen dos Santos e Monique Henrique recebem visitas de uma equipe de profissionais do Programa Primeira Infância no Sistema Único de Assistência Social (Suas). Desde quando foi implementado na capital pernambucana, em maio de 2018, a ação acompanhou 633 crianças, 129 gestantes, 745 famílias e realizou 6,7 mil visitas domiciliares. “Os educadores da primeira infância me ensinaram a me dedicar mais à minha filha, a ler livros, a ver histórias. Eles me orientam, e eu oriento a minha filha”, afirma Thialen, mãe de Laura Vitória, 1 ano, e vizinha de Monique, mãe de Luiz Henrique, 2 anos.

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Coordenadora das visitas, a gerente de proteção social básica do Recife, Rosângela Fontes, explica que o programa tem o objetivo de apoiar as gestantes e famílias na preparação para o nascimento de um bebê, além de orientar mães, pais e responsáveis sobre os cuidados com crianças de até seis anos. “Conversamos sempre com um adulto responsável. Pode ser a mãe, o pai, uma avó, uma tia. Falamos da importância do afeto, do cuidado e ressaltamos a função protetiva da família com a criança para o seu 
desenvolvimento integral”, pontua.

Práticas como deixar que irmãos mais velhos, quando ainda são também crianças ou adolescentes, sejam os responsáveis pelo novo membro da família, são combatidas pelas equipes de proteção social. A psicanalista, doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo USP e diretora do Instituto Gerar, Vera Iaconelli, lembra que quem deve cuidar de crianças são adultos. “Por causa de problemas sociais maiores, ainda temos no Brasil, como também acontece em países com desigualdades graves, a prática de deixar uma criança cuidando de outra. Por mais e melhor que sejam cuidadosas ou treinadas, elas não têm maturidade para assumir essa responsabilidade. Além de ser um perigo permanente, é um prejuízo para a criança que cuida. Afinal, a criança responsável pelos cuidados acaba não sendo cuidada”, ressalta.

Paternidade ativa 

André participa das atividades com a filha Laura. Foto: Tarciso Augusto/Esp. DP.  
André participa das atividades com a filha Laura. Foto: Tarciso Augusto/Esp. DP.
Assim como o vínculo tem impacto direto no desenvolvimento de uma criança, ter dois adultos comprometidos e carinhosos colaborando para o bem-estar dele influencia positivamente no desempenho futuro dela. Ter um pai participativo, por exemplo, gera maior autoestima, melhor resultado escolar e mais habilidades sociais. O guia de paternidade ativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informa que ser um pai ativo significa manter uma relação que vai além do provimento financeiro; promover um vínculo carinhoso, de apego mútuo e proximidade emocional e estar envolvido em todos os momentos do desenvolvimento do filho, da gravidez, nascimento, primeira infância, infância e adolescência.

Antes do nascimento da filha, o oficial de Justiça André Filipe Alves, 43, preocupava-se com o tipo a paternidade que exerceria. “Cheguei a fazer terapia para me preparar para esse momento”, diz. Ele participa dos cuidados diários e da criação da filha, Laura, 8 anos. “Participei e participo de rodas de conversa sobre a importância do afeto. Ter construído esses laços com ela desde os primeiros dias de vida, aliás, desde a barriga da mãe, foi fundamental para conseguir a guarda compartilhada e conseguir continuar exercendo a paternidade que eu planejei mesmo após o divórcio”, afirma. O guia do Unicef diz que, “é positivo que os casais e ex-casais aprendam a negociar as decisões de criação de seus filhos para reduzir conflitos e aumentar a participação de ambos na criação”. 
 
 
Autoestima, um resgate necessário 

Kemla Baptista diz que o racismo dilacera famílias. Foto: Raphael de Faria/DP.
 
Kemla Baptista diz que o racismo dilacera famílias. Foto: Raphael de Faria/DP.
Mais da metade das crianças brasileiras na primeira infância são negras ou pardas. Entre a população indígena, 14% são meninos e meninas de 0 a 6 anos. Pensar a primeira infância é também desenvolver um olhar afetuoso da sociedade para com essa infância que, na maioria das vezes, é submetida muito cedo a processos de violência física e psicológica. Violência essa que perpassa preconceitos existentes na sociedade, ausência de políticas públicas efetivas e a desestruturação familiar consequente. Estabelecer vínculos, nesses casos, é tampar lacunas seculares de invisibilidade.

Em 2010, os índices de crianças vivendo na pobreza quase duplicava quando se comparavam brancos e negros. Além de serem submetidas a condições precárias de vida, essas crianças enfrentam desde cedo contextos que as diminuem enquanto seres humanos. “Quando se fala sobre primeira infância, pensamos naquela família de comercial de margarina, mas a gente precisa ter múltiplos olhares, pois a infância é múltipla. Uma mulher preta que engravida fica duas vezes nervosa: com a gestação e porque vai parir uma criança que, se for menino, pode vir a ser confundido com bandido, e se for menina, viverá a vulgarização do corpo da mulher negra”, afirma a contadora de histórias, pedagoga e empreendedora social criadora do canal Caçando Estórias, voltado à disseminação de conteúdo literário que referencia a matriz africana, Kemla Baptista. 

Para Kemla, trabalhar a autoestima na primeira infância significa encarar o racismo, a dilaceração das famílias em situação de pobreza, a falta de formação dos educadores na questão étnico-racial e a ausência de representatividade na mídia. “São questões que têm impacto direto na autoconfiança. A criança precisa da percepção de quem ela é. É necessário um olhar atento, vigilante e carinhoso para pensar a diversidade infantil, considerando pretos, indígenas, orientais e outros.” 

No Recife, há cinco anos, durante a Semana do Bebê, a atividade “Ninar nos Terreiros”, para promover o acolhimento de crianças negras de religiões de matriz africana e apresentar esse contexto a outras. “É a partir da infância que a gente começa a construir a identidade. Então, trazemos o lúdico para fazer referência à questão racial, combater o racismo religioso e o preconceito. Levamos estudantes de escolas públicas e particulares para essa sensibilização e aproximamos os profissionais de saúde dessa população”, detalha a coordenadora da Política de Saúde da População Negra do Recife, Rose Santos.
 
Diário de Pernambuco


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