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Alagoas
05/05/2019 15:00:00

Reeducando que colou grau diz que a ressocialização acontece de dentro para fora


Reeducando que colou grau diz que a ressocialização acontece de dentro para fora
Cicero Alves Junior reeducando

Por que ser igual a todos? Por que não fazer diferente? Por que não mudar? Estas foram perguntas implícitas feitas pelo reeducando Cícero Alves Júnior, quando ainda estava entre quatro paredes. 

Ele foi condenado pelo assalto que resultou na morte do policial civil Anderson Lima da Silva, chefe do grupamento Tático Integrado de Grupos de Resgates Especiais (Tigre), no ano de 2009. 

E a mudança que ninguém esperava aconteceu. Cícero resolveu transformar o cárcere em um ambiente de estudo, de mudança de vida, vislumbrando sucesso, mesmo apenado por um crime que tirou a vida de um servidor público que lutava - de forma insana - pela segurança da sociedade. 

Hoje, Cícero contempla um currículo exemplar, sendo o primeiro reeducando a colar grau após cursar uma graduação: Administração. Ele, que já está fazendo uma pós-graduação, concluiu mais de 80 cursos profissionalizantes em diversas áreas, como a administrativa, informática e marketing. Cícero também desenvolveu um artigo científico, intitulado "Educação e Ressocialização no Sistema Prisional", que foi publicado no livro Educação em Prisões: princípios, políticas públicas e práticas educativas, em dezembro de 2018.

Arrependido do que fizera há alguns anos, Cícero - que deixou a prisão há três semanas e está no regime aberto - conversou com a Gazetaweb, nesta semana, expressando que não deseja a detenção ao seu pior inimigo. 

"Não foi fácil. A superlotação é algo real, a falta de comida e o tratamento desumano. No primeiro momento, lutei para poder sair do Presídio Baldomero Cavalcante e ir para o Núcleo Ressocializador da Capital, e isso aconteceu em julho de 2014. Chegando lá, participei do Exame Nacional do Ensino Médio [ENEM] para presos privados de liberdade e, graças à pontuação, consegui me inscrever no curso superior de Administração Bacharelado pela UNOPAR. Neste momento, iniciou-se uma luta para conseguir liberação do Juiz da Vara de Execução Penal e do Secretário de Ressocialização para cursar o ensino superior através do uso de computadores nas dependências da unidade prisional", relatou Cícero. 

Questionado se foi ressocializado, o reeducando confirma positivamente, pontuando, no entanto, que a ressocialização acontece de dentro para fora, pois "ninguém consegue mudar uma pessoa se ela realmente não tem interesse". 

Segundo ele, o Executivo e o Judiciário têm seu papel, mas 90% parte da iniciativa do apenado. Na oportunidade, ele relatou as dificuldades enfrentadas no sistema, desde o momento em que decidiu estudar. 

"Esforcei-me muito, passei por diversas situações onde os próprios funcionários do NRC não permitiam que eu fosse ao laboratório de informática; tinha tudo para desistir, mas não desisti. Quem pagava as mensalidades era eu mesmo e o Estado nunca pagou uma parcela sequer do meu curso. Inclusive, alguns agentes não permitiam que eu fosse ao laboratório, utilizando inúmeras desculpas. Isso aconteceu não apenas comigo, mas com todos os colegas que cursam o ensino superior nas dependências do Núcleo Ressocializador", comentou, emocionado, acrescentando que a solidão e a distância da família são as maiores dificuldades do cárcere. 

Em sua visão, a única unidade que ressocializa é o Núcleo Ressocializador da Capital e, nas demais, o que se vê é superlotação e insalubridade, além de familiares de presos sendo humilhados constantemente.

"Os presos não estariam hoje dividindo uma quentinha, que é individual, com dois ou até mesmo três colegas. Não deveria existir escassez de medicamento, e a educação e o trabalho deveriam, sim, contemplar todas as unidades, e não como vemos. Temos apenas o Núcleo Ressocializador com presos que trabalham", reforçou. 

O reeducando aproveitou a oportunidade para falar sobre suas pretensões a partir de agora, pois bagagem de estudo e formações, já tem de sobra. Ele busca conseguir um emprego, visto que ainda não recebeu nenhuma proposta. Por enquanto, dá palestras contando sua trajetória de vida. 

"Conto minha história para que muitos não venham a cometer os mesmos erros que cometi e para aqueles que se encontram dentro de uma unidade prisional, de forma que possam perceber que lá não é o fim, e sim, pode ser o início de uma nova vida. Digo aos meus colegas de cela que tenham força de vontade, não desistam nunca de lutar pelos seus sonhos e, se alguém disser que você não irá conseguir, não acredite, pois, dentro de você, tem uma força que é capaz de superar qualquer obstáculo", desabafou. 

Cícero é casado e tem um filho de quatro anos de idade. 

Colação de Grau

Na última terça-feira (30), Cícero Alves colou grau no curso de Administração nas dependências da presidência do Tribunal de Justiça (TJ). Um futuro que nem ele mesmo esperava, ainda que tivesse alcançado tudo com seus esforços. 

Para o presidente da Corte, desembargador Tutmés Airan, a sociedade precisa transcender o senso comum de que, se alguém delinquir uma vez, será eternamente delinquente. 

"Não estamos homenageando uma pessoa que cometeu um crime, estamos celebrando o esforço de um homem que, em condições adversas, ousou alavancar a sua vida pelo estudo. Não há prisão perpétua nem pena de morte no nosso país; o cidadão que infringiu a lei e foi preso vai voltar um dia para a sociedade e, se ele vai voltar, que volte melhor", destacou o presidente na solenidade. 

O desembargador Celyrio Adamastor, supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Prisional (GMF), destacou a importância do Núcleo Ressocializador da Capital, que, atualmente, conta com cerca de 60 presos fazendo cursos à distância.

"É o primeiro reeducando que está colando grau, sem esquecermos os outros cursos que ele fez dentro do sistema. Ressocializar é educar e o Tribunal de Justiça nada mais está fazendo do que cumprir com o ordenamento da Lei de Execução Penal, sobretudo, com determinação do Conselho Nacional de Justiça", frisou. 

Segurança Pública

Nesta semana, por sua vez, o Sindicato dos Policiais Civis de Alagoas (Sindpol/AL) divulgou uma nota de repúdio à homenagem ao reeducando. A entidade lembrou que Cícero cumpriu pena por ter participado do assalto que resultou na morte do policial civil Anderson Lima da Silva. 

Para a diretoria do Sindpol, a homenagem externa a toda a sociedade um sentimento de desprezo e de desrespeito às instituições de Segurança Pública do Estado de Alagoas. 

"Uma homenagem para uma pessoa que participou de assalto a banco, que resultou na morte de dois seres humanos, o policial civil Anderson Lima e o segurança Alessandro Pereira da Silva, é lamentável para as viúvas, filhos e familiares das duas vítimas", disse trecho da nota.

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