Em meio à primeira grande crise política do governo de Jair Bolsonaro, a oposição tenta se unir na véspera do envio da reforma da Previdência ao Congresso Nacional, na próxima quarta-feira (20). Na Câmara dos Deputados, o trabalho é para construir pontes após a divisão na eleição da presidência da Casa.
Presidente do PSol, Juliano Medeiros lamenta o episódio e afirma que a expectativa é de uma atuação conjunta em temas como mudanças na aposentadoria e investigações do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno.
“Claro que ficaram fissuras, cicatrizes das disputas da presidência da Câmara, mas a gente vai trabalhar para garantir o diálogo e o enfrentamento da oposição para enfrentar essas matérias. Não há nenhuma divergência que exista que esteja acima da necessidade de estar unido contra a retirada de direitos”, afirmou ao HuffPost Brasil.
Do outro lado, a líder da minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), também acenou uma aproximação. “Nós nunca nos afastamos. Os blocos nunca foram programáticos. Foram pontuais para definição de ocupação dos espaços da Câmara”, afirmou à reportagem. Ela se reúne na próxima terça-feira (19), com o líder do PT, Paulo Pimenta (PT-RS).
Presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) diz que uma das prioridades é alinhar a atuação no Parlamento. “A gente tem discutido muito a necessidade de estarmos mais organizados e unidos no Congresso para enfrentar temas que serão polêmicos no sentido dos direitos”, afirmou ao HuffPost Brasil.
Na formação de blocos, PDT e PCdoB se alinharam à base do vencedor da eleição para o comando da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), enquanto PT, PSB, PSol e Rede montaram outro grupo. Candidato da esquerda, Marcelo Freixo (PSol-RJ) ficou em terceiro lugar, com 50 votos.
Como consequência, os dois principais cargos da oposição foram divididos. Previsto pelo regimento da Câmara, a liderança da minoria ficou com Jandira. Além de ter direito a uma estrutura de cargos, a líder pode encaminhar votações no plenário e participa da reunião do Colégio de Líderes, em que são definidas as propostas que serão votadas.
Já a liderança da oposição ficou com Alessandro Molon (PSB-RJ). O cargo foi criado em 2017, por demandas políticas após a criação da liderança da maioria, quando Michel Temer assumir o poder.
A expectativa é que a chegada da proposta de emenda à Constituição (PEC) ao Congresso, prevista para próxima quarta-feira (20) impulsione esse alinhamento.
“Temos que confrontar aberta e inteiramente a proposta do governo. Ela ainda não veio, mas, pelo discurso e conceito, vai prejudicar trabalhadores de um lado e favorecer os bancos do outro”, afirmou Jandira.
No entendimento da deputada, o objetivo central da reforma é a capitalização, regime que é uma espécie de poupança individual. “Para fazer capitalização nos moldes de hoje, não precisa de reforma. Só faz sentido a capitalização como eles estão pensando se for para abrir para o sistema financeiro aberto os servidores [que hoje têm o Funpresp] e baixar o teto do regime geral para favorecer mais os bancos. Tá nítido que o centro da proposta deles é esse”, completou.
Apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, defender a capitalização, o governo não confirmou se a mudança estará na PEC. O único detalhe divulgado oficialmente na última semana foi a adoção das idades mínimas de 65 anos para homens e 62 para mulheres, com período de transição de 12 anos.
A articulação para que os 6 partidos, que somam 134 deputados, se unam ainda precisa de ajustes e envolve interesses partidários.
Na próxima terça, o candidato derrotado na disputa presidencial em 2018 Ciro Gomes (PDT) irá debater a reforma da Previdência em evento do PDT em Brasília ao lado do deputado Mauro Benevides (PDT-CE), assessor econômico de seu programa de governo.
O parlamentar, que recentemente repetiu publicamente suas duras críticas ao PT, também é crítico às ideias de Guedes sobre capitalização. Ele acredita que a inclusão de todos trabalhadores, independente da renda, será prejudicial para os mais pobres.
Benevides é cotado para presidir a comissão especial da PEC das mudanças de aposentadoria, mas ainda não há um alinhamento dos partidos de oposição sobre esse movimento.
″É muito difícil que a gente tenha, em qualquer comissão que seja, um presidente que possa expressar posição divergente daquela que o Rodrigo Maia representa e, consequentemente, divergente do governo”, afirmou o presidente do PSol, Juliano Medeiros.
De acordo com ele, o partido defende outras medidas ligadas à seguridade social, como fim da DRU (desvinculação das receitas da União), cobrança da dívida de empresas que não pagaram a Previdência, fim das desonerações em folha de pagamento e inclusão de militares e do Judiciário no regime geral de aposentadoria.
Além da busca por uma atuação em conjunto, os partidos de oposição têm adotado medidas práticas distintas no enfrentamento ao governo Bolsonaro. Tanto o PT quanto o PSol apresentaram projetos de decretos legislativos para sustar os efeitos de medidas do Executivo, como a flexibilização da posse de armas e o enfraquecimento da Lei de Acesso à Informação.
O PCdoB, por sua vez, apresentou uma ação de inconstitucionalidade contra o decreto que facilita o armamento no STF (Supremo Tribunal Federal).
O enfrentamento também explora fragilidades políticas. PT e Psol apresentaram requerimento de convocação para que o ministro Gustavo Bebianno explique suposto desvio de recursos do Fundo Partidário em 2018. Presidente do PSL no período eleitoral, o homem de confiança de Bolsonaro é suspeito de liberar recursos para candidaturas laranja. Ele nega as acusações.
A bancada do PSOL também protocolou representação contra o partido do presidente da República na Procuradoria Geral da República, para apurar o caso.
Com o desgaste político do PT, a eleição de Marcelo Freixo e o aumento da bancada da Câmara, o PSol tem buscado ganhar espaço no campo progressista.
“Alguns partidos defendem uma oposição mais comedida, dizem até oposição propositiva. Outros como o PT, estão debatendo qual é a tática mais adequada. A nossa tática é de uma oposição bastante intransigente ao governo. Isso vai credenciando o PSol para ser, digamos, o líder de um bloco de oposição”, disse o presidente da sigla.
A cúpula do PT, por sua vez, continua tendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como principal liderança e orientador. “A defesa do Lula é a condução da nossa política porque nós vemos no Lula a síntese de tudo aquilo que o Brasil está passando, das injustiças, abuso de poder, retirada de direitos, destruição de uma pauta social que nós construímos ao longo do tempo”, afirmou Gleisi Hoffmann.
Desde que a comunicação com o ex-presidente, preso em Curitiba (PR), foi limitada, Gleisi tem conversado com ele por cartas, bilhetes e por intermédio de outras pessoas. A parlamentar garante que ele continua à frente da condução da sigla. “Ele está preocupado com o destino do Brasil, do povo brasileiro. Ele tem dito para nós ‘isso é um governo de destruição, não de construção’.”
O PT começou, na última sexta-feira (15), a circular com caravanas sob o tema “Lula livre, pelos direitos do povo”. Candidato do partido derrotado na eleição presidencial, Fernando Haddad participou de ato no Ceará com a CUT (Central Única dos Trabalhadores).
A sigla ainda não fechou a agenda das próximas cidades, mas o protagonismo não será só do ex-presidenciável. Gleisi e governadores como Wellington Dias, do Piauí também irão viajar pelo País, em busca de uma aproximação da sigla com a base e movimentos sociais, uma das demandas ouvidas no período eleitoral.