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Educação
30/12/2018 08:06:00

Como Paraguai e Bolívia conseguiram se transformar em países bilíngues


Como Paraguai e Bolívia conseguiram se transformar em países bilíngues
Ilustração

O Paraguai e a Bolívia estabeleceram, nos últimos anos, medidas para garantir que as línguas indígenas continuem sendo bastante faladas por gerações e gerações - uma estratégia que ajuda a explicar por que, diferentemente do Brasil, dominar esses idiomas não é algo ligado a minorias nesses países.

As iniciativas, somadas à tradição e aos programas culturais nestas línguas, são refletidas nas conversas em idiomas indígenas entre amigos que viajam, por exemplo, nos transportes públicos de Buenos Aires, onde residem milhares de imigrantes dos dois países. E ainda nas repartições públicas, no comércio e nas ruas de La Paz, na Bolívia, e de Assunção, no Paraguai.

É comum observar como os paraguaios passam naturalmente do espanhol para o guarani, ou vice-versa, quando conversam entre eles. E, como contou à BBC News Brasil uma entrevistada boliviana, ser bilíngue é quase uma arma para evitar que o entorno, que só fala espanhol, entenda o que se está conversando.

Esse método, aliás, foi usado em conflitos bélicos entre países, mas, atualmente, isso nem sempre funciona. "Às vezes, estou no ônibus aqui em Buenos Aires e ouço um grupo falando quechua, pensando que ninguém está entendendo. Mas eu entendo e fico rindo sozinha por isso", disse Jeannette Nava Flores, de 42 anos, que nasceu em Sucre, na Bolívia, e é locutora da rádio Metropolitana 99.7, FM, em espanhol, e jornalista da ATP Argentina.

Idiomas originários

Na Bolívia, principalmente na região do Altiplano, no oeste do país, existem programas de rádio e de televisão, incluindo infantis, em línguas indígenas e grupos musicais que cantam os chamados idiomas originários. Alguns bolivianos trouxeram essa prática para a capital argentina.

"Quando cheguei aqui em Buenos Aires, contei que falava aimará e acabei conseguindo um programa dominical de rádio no idioma que aprendi em casa e que nunca deixei de falar", disse Freddy Flores, de 29 anos, que é de La Paz, na Bolívia, e trabalha na rádio Constelación, 98.1, FM. Ele disse que, quando pequeno, seus pais e avós liam para ele contos em aimará e não em espanhol, o que contribuiu para que aprendesse o idioma.

No seu programa, ele toca as baladas de sucesso dos grupos com canções em línguas indígenas ou folclóricas, como Los Awatiñas, K'ala Marka e Los Kjarkas.

As constituições da Bolívia e do Paraguai estabelecem que o idioma nacional não deve se limitar ao espanhol. Na Bolívia, existem 36 idiomas reconhecidos desde 2009 na Carta Magna. No Paraguai, a Constituição estabelece que os idiomas oficiais são o espanhol e o guarani - estima-se que mais de 70% da população seja bilíngue.

No Censo de 2001, em meio a uma população de 6,95 milhões de habitantes, 37,8% dos bolivianos com mais de 6 anos de idade eram bilíngue - espanhol e um idioma indígena - somando 2,62 milhões de pessoas bilíngues no país andino.

Uma década depois, no Censo de 2012, com uma população total de 7,8 milhões de habitantes no país, 38,2% com mais de 6 anos de idade se declararam bilíngues, mais de 2,98 milhões de pessoas.

Lei de línguas

Em 2010, entrou em vigor no Paraguai a chamada "lei de línguas", que determina que as línguas indígenas devem ser usadas, assim como o espanhol, na atenção ao público e no Executivo, Judiciário e Legislativo.

Ou seja, o presidente e outras autoridades do país devem estar aptos a falar nos dois idiomas na hora de se dirigir ao público, como informou a diretora de Planejamento Linguístico da Secretaria de Políticas Linguísticas, Célia Godoy, em entrevista à BBC News Brasil.

"O guarani é o idioma que identifica a cultura paraguaia. E manter o guarani vivo é um trabalho minucioso e constante", disse Godoy, que é doutora em educação com especialização em espanhol e em guarani.

O primeiro idioma que ela aprendeu foi o guarani, falado na casa dos pais. Ao se casar e ter filhos, combinou com o marido que a tradição deveria ser preservada. "Ele fala espanhol com nossos filhos, e eu só falo em guarani. Hoje, os três, que têm 8, 15 e 20 anos, são bilíngues", contou Godoy.

Em sites do governo paraguaio, é possível escolher ver a página em espanhol ou em guarani — Foto: Reprodução

Em sites do governo paraguaio, é possível escolher ver a página em espanhol ou em guarani — Foto: Reprodução

Além das práticas em casa e da exigência do ensino do guarani nas escolas, como determinam as normas locais, existe uma espécie de vigilância permanente para que o guarani continue sendo falado.

Em uma carta aberta dirigida ao presidente Mario Abdo Benítez, a Academia de Língua Guarani reclamou que seu discurso de posse não tenha sido feito no idioma indígena, como informou o jornal Ultima Hora, de Assunção, em agosto passado.

No texto, a instituição, criada a partir da lei de línguas, expressou "preocupação e inquietude por não ter escutado" o presidente usando a "língua ancestral" diante dos paraguaios e das autoridades estrangeiras que participaram da cerimônia de posse.

G1



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