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Comportamento
10/12/2018 21:00:00

Falar sobre sexo e HIV ainda é estigma social, revela especialista


Falar sobre sexo e HIV ainda é estigma social, revela especialista
Ilustração

"Chorei muito. Pensei que fosse morrer". Esse foi o primeiro pensamento de um alagoano logo após ser diagnosticado com o vírus HIV há pouco mais de um ano. Em Alagoas, de acordo com dados oficiais da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), 773 pessoas foram infectadas com o vírus no ano de 2017 e, até novembro de 2018, outras 727 receberam o diagnóstico. Na maioria dos casos, homens e jovens de 20 a 29 anos.

O monitoramento desses casos é realizado pela Sesau, por meio do Sistema Nacional de Notificações. (Sinan). Dos 727 casos registrados em 2018, 466 são homens e 263 são mulheres, conforme os dados apresentados pela Sesau. Ainda conforme os dados, em 2017, 467 homens e 306 mulheres foram infectados com o vírus.

"Como a estratégia da testagem rápida foi ampliada em todo o estado de Alagoas, estamos alcançando um maior número de pessoas portadoras do HIV que não conheciam seu estado sorológico", diz Sandra Gomes, coordenadora do Programa de Combate às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTS). "Não tem cura, mas se a pessoa portadora do vírus fizer uma adequada adesão ao tratamento, terá uma vida saudável.

Sandra explica que a pessoa pode ser portador do HIV e não ter desenvolvido a Aids, síndrome que deixa o organismo com as defesas tão baixas que "abre portas" para outras doenças oportunistas, como a exemplo de tuberculose. No entanto, mesmo sem apresentar nenhum sintoma, a pessoa portadora do vírus pode transmiti-lo a outras pessoas.

Atualmente, os profissionais da saúde alagoana trabalham com a prevenção combinada que envolve desde o uso do preservativo, até a realização do teste rápido para HIV, sífilis e hepatite B e C (visto que outras IST são porta de entrada para o HIV), realização da profilaxia pós-exposição sexual (PEP), não compartilhamento de seringas por usuários de drogas injetáveis e tratamento como prevenção.

O portador do HIV já inicia o tratamento com os antirretrovirais para não desenvolver a Aids. Após o diagnóstico, o soropositivo conta com as unidades de saúde e orientações dos profissionais, mas existem também os grupos de Pessoas Vivendo com HIV/Aids, que se reúnem mensalmente.

Em Maceió, as pessoas recebem atendimento no Ambulatório do Hospital Hélvio Auto, Hospital Universitário, Bloco I do PAM Salgadinho; e nos municípios de Arapiraca e Palmeira dos Índios, que atendem os residentes.

Além dos exames de rotina, o paciente que suspeitar ter sido infectado pode fazer o teste rápido. "É necessário apresentar um documento com foto, cartão SUS e comprovante de residência ou informar o CEP. A partir de 12 anos de idade, a depender da avaliação do profissional que fará o atendimento, já pode fazer o teste", informa Sandra.

ANÔNIMO

"No começo foi muito difícil. Quando eu descobri, parecia que não era comigo, a ficha não havia caído, me fechei dentro do quarto, não saia para nenhum lugar. Até que, após ler muito sobre a doença e o tratamento, resolvi reunir a família e contar que estava doente e que começaria o tratamento. Para eles foi um choque, eu senti o peso", relata o personagem citado no início da reportagem, que prefere não se identificar por temer exposições.

Ele conta que, após o primeiro impacto e muita conversa, iniciou o tratamento e o acompanhamento médico. "Iniciei o tratamento e hoje me sinto bem. Tenho uma rotina agitada; entre trabalho, faculdade, amigos e tudo o que eu gostava de fazer antes de descobrir a doença, como viajar", contou a personagem anônima. 

"Socialmente falando, as pessoas rejeitam, olham estranho e até evitam contato porque acham que podem ter a doença só de abraçar, beijar. Não possuem conhecimento sobre a doença, o tratamento. Não fazem ideia do quanto o mundo evoluiu e do quanto podemos ter uma vida ativa", resume.

SINTOMAS

Inicialmente, na fase aguda, a Aids tem sintomas bem semelhantes aos de uma gripe: febre, diarreia, dores e manchas no corpo. "Após esta fase, a pessoa fica sem apresentar sintomas por 8 ou até 10 anos e, mesmo assim, estará com suas defesas orgânicas sofrendo baixas de resistência e transmitindo o vírus a outras pessoas se realizarem sexo sem preservativos", alerta a coordenadora do Programa de Combate às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTS).

CONVIVENDO 

Infectologista, Mardjane Nunes fala sobre tratamento

FOTO: ASCOM SESAU

A infectologista e superintendente de Vigilância em Saúde da Sesau, Mardjane Nunes diz que o tratamento para todas as pessoas vivendo com HIV/Aids passa pela testagem regular para o HIV e iniciativa para buscar atendimento.

"As infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e as hepatites virais (HV), a Profilaxia Pós-exposição (PEP), a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), a prevenção da transmissão vertical, a imunização para a hepatite B (HBV) e HPV, a redução de danos, o diagnóstico e tratamento as pessoas com ISTs e HIV, bem como o uso do preservativo e gel lubrificante são algumas das soluções para evitar o contato com o vírus", salienta Mardjane Nunes. 

Conforme as orientações da infectologista, o ideal é que a pessoa comece a tomar a medicação em até duas horas após a exposição ao HIV e no máximo após 72 horas. 

"A eficácia da PEP pode diminuir à medida que as horas passam. Quando a pessoa começa a fazer muitas vezes o uso da PEP, é necessário realizar um trabalho de orientação muito bem feito, para alertar sobre a importância do uso do preservativo durante a relação sexual. Isso porque a profilaxia protege contra o vírus da Aids, mas não previne contra outras infecções sexualmente transmissíveis", explica a infectologista.

O efeito protetivo só começa após o sétimo dia de uso diário do medicamento para as relações envolvendo sexo anal. Já para as relações envolvendo sexo vaginal, a proteção só começa após 20 dias de uso diário. 

"É preciso frisar que o remédio só tem esse efeito protetivo para quem não tem o vírus. Quem já tem o vírus não deve tomar a PrEP porque o esquema para tratar é diferente do esquema para a profilaxia. Ao tomar o comprimido diariamente, a medicação pode impedir que o HIV se estabeleça e se espalhe pelo corpo. A medicação, de fato, coloca o Brasil alinhado com o que há de mais avançado em termos de prevenção", destaca Mardjane.

TABU

Educadora em sexualidade e coach de relacionamento e sexualidade, Laylla Brandão 

FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK

De acordo com a educadora em sexualidade e coach de relacionamento e sexualidade Laylla Brandão, para a sociedade falar sobre sexo e doenças sexualmente transmissíveis ainda é tabu. A Gazetaweb tentou conversar com outros alagoanos com o vírus HIV, mas quase todos recusaram. O motivo, segundo os relatos, é a estigma social.

"A gente evoluiu nas datas, nos anos, nas experiências científicas, em algumas atividades sociais, mas estamos falando de uma cultura enraizada que é a de não poder falar sobre sexo porque o sexo sempre foi visto como forma de procriação, e não de prazer", aponta Laylla. "O prazer é considerado muito pecaminoso ao olhar da raiz cultural porque a Igreja sempre influenciou bastante a formação do sujeito. Então você sentir prazer com o próprio corpo e o corpo do outro, começou a ser visto como errado".

A coach diz ainda que a sociedade não tem educação sexual. "A gente estuda matemática, tem educação científica, bucal, corporal, mas não tem como reconhecer o nosso próprio corpo, nosso próprio prazer. Quando a gente fala sobre doença sexualmente transmissíveis, bate exatamente na única coisa que se ensina sobre o sexo, que é a prevenção. Então, se essa pessoa contraiu a doença, é vista socialmente como algo aterrorizante porque é como se fossem dois pecados; um, que é o prazer, e o outro porque tem a doença", diz Laylla.

 

As relações continuam, defende a coach de relacionamento e sexualidade, Laylla Brandão

FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK

Para a educadora sexual, a sociedade enxerga as doenças sexualmente transmissíveis como se fosse uma penitência. "Por ser relacionada ao sexo, há esse preconceito maior. Hoje, as pessoas que possuem essa doença acabam escondendo porque a sociedade implanta crenças limitantes. Existem muitos casos de casais que convivem com doenças sexualmente transmissíveis, que fazem acompanhamento psicoterápico, e com uma série de cuidados, mas que deveriam ser cuidados que todos os casais deveriam tomar", salienta.

Ainda segundo Laylla, as pessoas infectadas devem buscar apoio psicológico. "É necessário quebrar as crenças, se existir muita dificuldade procurar fazer terapia, porque, até se recolocar, se empoderar, é um processo. Então, quem recebeu o diagnóstico deve se colocar como um ser possível, capaz e que tem direitos como todas as demais pessoas que não possuem o vírus. É uma doença como todas as outras. E a vida continua, as relações continuam".

#EuFaloSobre 

Durante o período de apuração, a reportagem encontrou perfis de pessoas que falam abertamente nas redes sociais sobre o vírus, como o ator Gabriel Estrela, que tem o projeto Boa Sorte, que usa a arte para falar sobre HIV e educação sexual. 

 

Gabriel usa redes sociais para falar abertamente sobre o vírus e sexualidade

FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE

Convivendo há 8 anos com HIV, Gabriel diz que é possível viver bem com o vírus. "Eu consegui receber o diagnóstico e passar pelo processo de aceitação, e me empoderar de uma autoestima, de um cuidado e carinho com meu corpo a partir desse diagnóstico ao invés de chutar o pé da barraca e, talvez me desesperar e não me importar realmente. Eu comecei a pesquisar e tive sorte porque eu tenho uma família incrível e ter um namorado. Na verdade, dois namorados incríveis que me apoiavam muito. De forma geral, mudou minha vida e eu senti necessidade de fazer algo. É um projeto para criar espaços seguros", disse Gabriel Estrela, em um dos vídeos no canal Boa Sorte.

Francisco Garcia utiliza Instagram para falar sobre a doença

FOTO: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

Além de Gabriel, o jornalista Francisco Garcia, mais conhecido como Tio Chico. Ele relata nas postagens que, no começo, tomou um susto ao receber o diagnóstico, mas, passado o susto, resolveu "fazer do limão uma limonada". E, desde então, faz palestras e trabalho de prevenção à Aids para jovens em locais de difícil acesso. Já participou de programas de auditório, como o Encontro, da Fátima Bernardes. Atualmente com 212 mil seguidores, ele fala abertamente sobre o vírus e faz alertas importantes para os seguidores.

DEZEMBRO VERMELHO

A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) aprovou o PLC 60/2017, que institui a campanha nacional de prevenção ao HIV/Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis, denominada Dezembro Vermelho, a ser realizada, anualmente, durante o mês de dezembro. 
 
O Dezembro Vermelho tem o intuito de alertar a população sobre a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e garantir a assistência das pessoas que vivem com o vírus da Aids. 
 

60" - Campanha do Dia Mundial de Luta Contra a Aids 2018 - 30 anos

Ministério da Saúde.
 
Gazetaweb
 


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