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Mundo
05/12/2018 19:30:00

Justiça trabalhista decidirá se veganismo é equiparável a religião no Reino Unido


Justiça trabalhista decidirá se veganismo é equiparável a religião no Reino Unido
Ilustração

Um tribunal do Reino Unido terá de decidir em breve se o veganismo - a recusa em comer ou usar produtos de origem animal - pode ser considerado a uma "crença filosófica", próxima da religião, para fins de proteção de direitos.

A ação será o primeiro caso deste tipo a ser julgado no Reino Unido e deve servir de referência para decisões em casos similares.

O autor da ação é o zoologista Jordi Casamitjana, que perdeu o emprego depois de tornar público que a ONG League Against Cruel Sports ("Liga contra Esportes Cruéis", em tradução livre) investia dinheiro do fundo de pensão de seus funcionários em empresas que praticavam testes em animais.

Casamitjana, que afirma ser adepto do "veganismo ético", diz ter sofrido discriminação por causa de sua crença ao ser demitido do cargo de diretor de pesquisas dessa ONG. A organização se dedica a combater atividades como touradas, caça de raposas e caça esportiva, entre outras.

Diante da acusação de discriminação, o tribunal terá de decidir agora se o veganismo é uma posição filosófica protegida por lei.

A Liga contra Esportes Cruéis afirma que ele foi demitido por ter cometido um erro grosseiro de conduta e nega qualquer relação entre a saída dele e seu veganismo ético.

site da League Against Cruel SportsDireito de imagemLEAGUE AGAINST CRUEL SPORTS / REPRODUÇÃO
Image captionCasamitjana está processando seu antigo empregador, uma ONG pró-direitos dos animais. Na imagem, o site da Liga faz campanha contra a caça de raposas

Dieta baseada em vegetais

Tanto as pessoas que adotam o "veganismo ético" quanto as que aderem apenas à dieta vegana baseiam sua alimentação em produtos de origem vegetal.

Apesar disso, adeptos do "veganismo ético" também tentam excluir todas as formas de exploração animal de seus hábitos. Evitam, por exemplo, vestir-se com roupas de couro ou de lã. Também não compram cosméticos de marcas que fazem testes em animais.

"Algumas pessoas adotam uma dieta vegana, mas não se importam realmente com o meio ambiente ou com os animais. Só se importam com a própria dieta", disse Jordi Casamitjana à BBC.

"Eu me importo com os animais, com o meio-ambiente, com a minha saúde e com tudo mais. É por isso que eu utilizo este termo, 'veganismo ético', porque para mim, veganismo é uma crença e afeta todos os aspectos da minha vida", afirma.

Placa de restaurante veganoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image caption'É importante termos leis para proteger os veganos', diz Casamitjana

Os veganos éticos evitam o termo "pet", que consideram derrogatório, preferindo falar em animais "de companhia".

Também não visitam zoológicos ou outros ambientes onde consideram estar ocorrendo exploração de animais.

'Factualmente errado'

Casamitjana se disse surpreso ao descobrir que a Liga contra os Esportes Cruéis estava investindo dinheiro em empresas que fazem testes com animais.

Ele afirmou ter avisado seus superiores, mas nada foi feito e por isso resolveu dar informar aos colegas sobre o caso. Acabou demitido.

O zoólogo decidiu então entrar com o processo no qual alega ter sido discriminado em razão de suas crenças veganas.

Em nota, a Liga contra os Esportes Cruéis disse que Casamitjana "foi demitido de seu cargo depois de cometer um erro grosseiro de conduta" e que relacionar a demissão às crenças dele "é algo factualmente errado".

"Casamitjana não foi demitido por ter trazido a tona preocupações com o sistema de previdência privada da empresa; portanto, não têm fundamento suas alegações de que teria sido demitido por ter 'vazado' informações", afirma ONG. "Os motivos para a demissão são outros que não os declarados por ele, mas estas informações (sobre as razões da demissão) são confidenciais e terão o seu sigilo respeitado por nós."

Jordi Casamitjana em campanhaDireito de imagemJAYSEE COSTA
Image captionCasamitjana é um apoiador da causa do bem-estar animal

Apesar disso, o caso pioneiro terá sua primeira audiência em março de 2019. Será a primeira vez que um tribunal trabalhista britânico avaliará se o veganismo é uma "crença filosófica", passível de ser protegida pela lei local.

Caso o tribunal decida que sim, o processo de Casamitjana terá seu mérito julgado.

De acordo com a lei britânica, ninguém pode ser demitido ou discriminado no ambiente de trabalho por sua religião ou crenças - e nem por idade, deficiência física, gravidez, raça, gênero ou orientação sexual, entre outras.

Portanto, um empregador britânico comete crime caso prejudique um empregado por causa de sua crença ou religião.

Da mesma forma, também é proibido assediar ou perseguir diretamente empregados por causa de suas crenças. A lei também proíbe a discriminação indireta - criar regras gerais que prejudiquem alguns empregados por causa de suas crenças.

Para pode ser qualificada como uma "crença filosófica", é necessário que o veganismo atenda a alguns critérios:

  • Ser aceita de forma livre e consentida por seus adeptos;
  • Condicionar aspectos substanciais da vida e do comportamento de seus adeptos;
  • Atingir um certo nível de convicção, seriedade, coesão e importância na sociedade;
  • Ser digna de respeito numa sociedade democrática, não sendo incompatível com a dignidade humana e não entrar em conflito com os direitos dos demais; e
  • Ser uma crença, não uma mera opinião ou ponto de vista baseada nas informações presentes atualmente.

Impacto social

Caso Casamitjana vença a disputa judicial, as consequências para os veganos britânicos podem ser profundas.

refeição vegana com vegetaisDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionNúmero de veganos tem crescido no Reino Unido, dizem pesquisas

"Se nós tivermos sucesso, obteremos uma sentença que reconhece formalmente o status do veganismo ético - e que poderá então ser usada como base para combater a discriminação contra veganos em seu ambiente de trabalho, no mercado de bens e serviços, e na educação", diz o advogado de Casamitjana, Peter Daly, do escritório de advocacia Bindmans LLP. "É, portanto, um marco", diz o advogado.

Nick Spencer é diretor do think-tank cristão Theos, cujo objetivo é estimular o debate sobre o papel da religião na sociedade. Ele alerta sobre os riscos de estender a proteção legal às crenças das pessoas de forma indiscriminada.

"A ironia disto tudo é que direitos foram feitos para garantir a liberdade. Porém, se todos nós somos transformados em portadores de diferentes direitos, com os meus colidindo com os seus, seremos obrigados a estar sempre apelando aos tribunais para resolver nossas diferenças. Isso pode se tornar opressivo para todos nós", diz ele.

Nick Spencer, do Theos
Image captionConflitos de direitos podem se tornar opressivos, diz Nick Spencer do Theos

Dados da Sociedade Vegana do Reino Unido, que apoia Casamitjana no processo, sugerem que o veganismo está em crescimento no país.

Segundo a organização, há atualmente 600 mil vegetarianos no país, ante apenas 150 mil em 2014. Esta estatística é baseada em levantamentos do departamento do governo britânico para a alimentação (Food Standards Agency), da empresa de pesquisas de opinião Ipsos e de um instituto de pesquisas sociais britânico.

"Para muitas pessoas, veganismo é uma crença muito profundamente enraizada", diz Louise Davies, diretora de campanhas da Sociedade Vegana.

"Esta decisão pode ser um marco. Pode não apenas reconhecer a validade e a importância do veganismo mas também reafirmar o fato de que veganos precisam ter suas necessidades levadas a sério em seus trabalhos e em suas vidas cotidianas", diz ela.

BBC News Brasil



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