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Política
04/12/2018 21:00:00

Mandato coletivo: Como funciona esse novo jeito de fazer política


Mandato coletivo: Como funciona esse novo jeito de fazer política
Ilustração

Grupos que se elegeram para exercer mandatos coletivos em 2019 assumirão seus postos com o compromisso de levar mais diversidade para os espaços de poder e dar voz a quem não se via representado pelo atual sistema político.

Os coletivos são formados por ativistas de causas diversas, que se reuniram em torno de uma candidatura única para ter mais chances nas urnas. Dois grupos saíram vitoriosos dessas eleições: a Bancada Ativista, que conquistou uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), e as Juntas, que terão uma cadeira na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).

A legislação brasileira não prevê a existência de mandatos coletivos. De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o mandato é "personalíssimo e intransferível". Assim, ainda que as decisões sejam tomadas coletivamente, elas só poderão ser efetivadas pelo titular oficial do mandato.

As pessoas estão insatisfeitas e querem outras coisas. Essas outras coisas se expressaram mais à direita, mas nós também somos figuras antissistema.Mônica Seixas, da Bancada Ativista.

Com 9 integrantes, a Bancada Ativista obteve 149.844 votos e foi eleita. Quem representou o coletivo — com nome e foto na urna — foi a jornalista Mônica Seixas, filiada ao PSol.

"A gente precisava acelerar a chegada ao Parlamento dessas pessoas que fazem política de asfalto, que realmente estão discutindo a realidade dos mais vulneráveis. Com poucos recursos, entendemos que as chances seriam maiores se estivéssemos juntos", conta Seixas.

A Bancada Ativista nasceu em 2016 com uma proposta diferente da atual. Naquele ano, o grupo lançou 8 candidaturas à Câmara Municipal de São Paulo, entre elas a de Sâmia Bomfim (PSol), que à época se elegeu vereadora e em 2018 conquistou uma vaga de deputada federal.

BANCADA ATIVISTA

Anne Rammi, artista, feminista e ciclista

Chirley Pankará, pedagoga e militante da causa indígena

Claudia Visoni, jornalista e ambientalista

Erika Hilton, ativista LGBT e estudante

Fernando Ferrari, militante do Movimento Cultural das Periferias

Jesus dos Santos, ativista do movimento negro

Mônica Seixas, jornalista, feminista e ativista socioambiental

Paula Aparecida, professora e ativista pelos direitos dos animais

Raquel Marques, sanitarista e ativista pelo parto humanizado

A candidatura das Juntas surgiu com esse mesmo objetivo. Formado por 5 mulheres, o grupo conquistou 39.175 votos e se elegeu pelo PSol. "Se cada uma saísse sozinha, a gente não teria força. Então decidimos pela candidatura coletiva", conta Joselita Cavalcanti, vendedora ambulante e militante do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) no Recife.

Representante oficial do mandato, Jô Cavalcanti será a voz e o "dedo" das Juntas nas decisões, brinca a "codeputada" eleita Robeyoncé Lima.

"Mas ela não vai apertar nenhum botão para aprovar ou reprovar projetos sem antes conversar com a gente e com os movimentos sociais que nos apoiam", afirma Robeyoncé, advogada e ativista LGBT — ela foi a primeira advogada trans a ter o direito de usar o nome social na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em PE. "A gente quer fazer um mandato participativo. Seremos apenas uma ponte entre os movimentos sociais e o espaço de tomada de decisão."

Se cada uma saísse [candidata] sozinha, a gente não teria força. Então decidimos pela candidatura coletiva.Joselita Cavalcanti, das Juntas.

 

EZEQUIEL VANONNI/DIVULGAÇÃO
Da esquerda para a direita: Joelma Carla, Kátia Cunha, Joselita Cavalcanti, Carol Vergolino e Robeyoncé Lima, das Juntas.

 

Sem garantias legais aos demais "codeputados", a confiança mútua é imprescindível para o bom funcionamento do mandato coletivo. Para que todos possam ter o mesmo papel na atuação legislativa, a ideia é que os integrantes do grupo sejam contratados como assessores parlamentares das deputadas eleitas de fato.

Nesse modelo, a soma dos salários seria dividida em partes iguais. No caso da Bancada Ativista, o coletivo também estuda doar uma parte do valor recebido todos os meses para ONGs e movimentos sociais.

JUNTAS

Carolina Vergolino, jornalista

Joelma Carla, estudante

Joselita Cavalcanti, ambulante e militante do MTST

Kátia Cunha, professora

Robeyoncé Lima, advogada e ativista LGBT

No que diz respeito às decisões, ambos os grupos se dizem preparados para lidar com a divergência até chegar a um consenso.

"É salutar que existam opiniões distintas. E a gente vai conversar tranquilamente até criar uma convergência. Acho que vai ser tranquilo, até porque nós já fazemos isso na militância diária", afirma Jô, das Juntas. "A gente pretende chegar ao consenso sem precisar fazer votação. Esse modelo de votação é muito antigo, e nós estamos em um momento de renovação", completa.

A experiência de Alto Paraíso

Um projeto para que seja reconhecida a legalidade do mandato coletivo está em tramitação no Congresso Nacional. Apresentada em 2017 pela deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP), a PEC 379 (proposta de emenda à Constituição) aguarda parecer do relator na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara.

"A sociedade está sempre à frente da legislação. Nossas ideias muitas vezes têm que se adequar à lei porque a lei é retrógrada em relação à nossa revolução política, social e humana", avalia Robeyoncé.

Embora chegue pela primeira vez às assembleias, a iniciativa de mandato coletivo não é nova.

Em 2016, o município de Alto Paraíso de Goiás elegeu um grupo de 5 pessoas para uma vaga de vereador. Representante oficial do mandato, o advogado João Yuji conta que o grupo chegou a um consenso em cerca de "90% das decisões" que teve de tomar na Câmara Municipal. "De vez em quando a gente precisa votar, mas é exceção", diz.

A sociedade está sempre à frente da legislação. A lei é retrógrada em relação à nossa revolução política, social e humana.Robeyoncé Lima, das Juntas.

Filiado ao Podemos por exigência da lei, Yuji afirma que o coletivo é "antipartidário". Questionado sobre o que teriam feito diferente nesses 2 anos de experiência legislativa, ele afirma que, caso sejam reeleitos, irão permitir que o salário seja usado para pagar despesas particulares — durante a campanha de 2016, eles assumiram o compromisso de doar todo o salário para a comunidade.

"Não recomendamos que façam igual, não deu muito certo. Às vezes a pessoa deixa de realizar uma ação do mandato porque tem que trabalhar para pagar as contas", conta. Em uma eventual reeleição, a ideia é que a proposta de doação seja mantida, mas com alguma flexibilidade para gastos pessoais dos integrantes do mandato.

Nova política

Para Mônica Seixas, se o desejo do eleitorado por mudança elegeu Jair Bolsonaro (PSL) e uma leva de parlamentares conservadores, esse desejo é também responsável pela vitória dos mandatos coletivos.

"As pessoas estão insatisfeitas e querem outras coisas. Essas outras coisas se expressaram mais à direita, mas nós da Bancada Ativista, as Juntas e a Erica Malunguinho, por exemplo, também somos figuras antissistema, com saídas mais à esquerda. É uma nova forma de fazer política se concretizando", diz Mônica Seixas.

 

DIVULGAÇÃO/BANCADA ATIVISTA
Da esquerda para a direita: Fernando Ferrari, Claudia Visoni, Paula Aparecida, Raquel Marques, Mônica Seixas, Erika Hilton, Chirley Pankará, Anne Rammi e Jesus dos Santos.

Como qualquer novidade, os mandatos coletivos podem encontrar resistência em suas respectivas Casas. Os "codeputados", no entanto, se dizem preparados e tranquilos. De acordo com Jô Cavalcanti, em Pernambuco já começam a entender o significado das Juntas.

"Tínhamos o receio de que não fossem nos legitimar. Fomos convidadas para alguns eventos e, no início, os convites chegavam apenas para mim. Mas agora já compreenderam que eu não estou só, já entenderam que somos 5."

https://www.huffpostbrasil.com/ 



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