Após muitos apelos da maioria dos líderes do G20 reunidos na Argentina para que Estados Unidos e China chegassem a um acordo para superar a guerra comercial, os presidentes dos dois países, Donald Trump e Xi Jinping, acertaram uma trégua.
O americano se comprometeu a não elevar mais em janeiro a alíquota de importação sobre US$ 200 bilhões de produtos chineses de 10% a 25%, enquanto o chinês disse que elevaria a compra de produtos dos EUA.
Ambos concordaram também em buscar um acordo comercial mais ambicioso - se isso não for alcançado em 90 dias, Trump promete retomar a alta das tarifas.
Os dois se reuniram em Buenos Aires após a cúpula do G20, no primeiro encontro bilateral desde que o governo americano elevou tarifas sobre mais de US$ 200 bilhões de importações chinesas em julho. A China, por sua vez, respondeu também com mais taxação contra produtos vindos dos EUA que somam mais de US$ 100 bilhões.
Como fica o Brasil no meio dessa briga de gigantes? As estatísticas de comércio exterior brasileiro indicam que o país se beneficiou inicialmente, com a China aumentando a compra de commodities brasileiras, em especial soja e barris de petróleo.
Mas, se a disputa se prolongar, o temor de economistas é que o aumento das medidas protecionistas nas duas maiores economias do mundo provoque uma nova desaceleração mundial, da qual o Brasil não sairia ileso.
Segundo o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, cálculos feitos por sua equipe técnica indicam que, fora impactos de curto prazo, os ganhos mais prolongados para o comércio brasileiros no mercado chinês por causa das tarifas sobre concorrentes americanos seria da ordem de US$ 2 bilhões, um valor que não considera "relevante" dentro do total das exportações brasileiras (US$ 169 bilhões no acumulado do ano até outubro).
"Independente de qualquer ganho de curto prazo, o movimento (de guerra comercial) é negativo, tira dinamismo da economia internacional, afeta crescimento, e é tudo que nós não queremos", respondeu Guardia à BBC News Brasil, no intervalo das reuniões do G20.
Os números oficiais mostram que, num momento inicial, as vendas brasileiras para China foram impulsionadas pelo novo contexto tarifário, somando US$ 53 bilhões de janeiro a outubro, uma alta de 29% ante o mesmo período de 2017. O crescimento ficou bem acima da expansão total das exportações brasileiras no mesmo período (8,5%) e do aumento das vendas para os Estados Unidos (7%).
Com isso, quase 27% das vendas brasileiras neste ano foram para a China, nosso maior comprador. Já os EUA, segundo maior destino dos produtos brasileiros, ficaram com 12% das nossas exportações.
As compras chinesas dispararam justamente no segundo semestre, quando foram elevadas as barreiras comerciais entre os dois países. De julho a outubro, as exportações brasileiras para o parceiro asiático subiram 62%.
A adoção de uma taxa de 25% sobre a soja americana pelos chineses abriu espaço para o Brasil, que caminha para fechar o ano com recorde de exportação do produto. Até outubro, as vendas estavam em US$ 24 bilhões, alta de mais de 27% ante 2017.
Já a venda de óleo bruto disparou e soma US$ 11,5 bilhões - 85% acima do acumulado de janeiro a outubro de 2017. Ao invés de sobretaxar o produto, a China simplesmente cortou totalmente a compra de barris de petróleo americanos em agosto e setembro. Segundo a imprensa especializada, o país havia importado dos EUA 28 milhões de barris nos dois meses anteriores.
O temor de economistas ao redor do mundo é que essa disputa entre Estados Unidos e China acabe reduzindo as exportações e a produção nas duas maiores economias do mundo, causando uma desaceleração global. Os efeitos globais sobre as taxas de câmbio e preços - seja pelo encarecimento de produtos sobretaxados, como também pela desvalorização de commodities devido à expectativa de menor demanda - são imprevisíveis.
O FMI (Fundo Monetário Internacional) reviu em outubro a projeção para o crescimento do PIB mundial tanto em 2018 e em 2019 de 3,9% para 3,7%. No caso do Brasil, a previsão para expansão do PIB caiu de 1,8% para 1,4% neste ano e de 2,5% para 2,4% no próximo.
Segundo a coordenadora de relações internacionais da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) Camila Sande, a cotação da soja já tem recuado neste ano e teme-se que a guerra comercial derrube ainda mais o valor do produto.
"Essa queda já é um impacto (do conflito entre EUA e China). A instabilidade não é algo positivo. O melhor é que o fluxo comercial esteja harmonizado", disse Sande à BBC News Brasil.
A avaliação é a mesma de José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Ele manifesta preocupação, também, com o enfraquecimento da OMC (Organização Mundial do Comércio). Os Estados Unidos têm bloqueado a nomeação de novos juízes para o órgão de apelação, espécie de corte suprema dos conflitos comerciais, e ameaça deixar a organização.
"A OMC está inoperante no momento. É um problema grave, os mais fortes, China e Estados Unidos, fazem o que querem (sem a mediação da organização)", lamenta Castro.
Em meio ao conflito com a China, o governo Trump tenta atrair aliados. Antes da abertura da cúpula do G20 na sexta-feira, o presidente americano teve um café da manhã com o presidente argentino, Mauricio Macri, que acabou gerando uma saia justa com os chineses. A porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, divulgou após o encontro que ambos os presidentes haviam reiterado "seu compromisso compartilhado de enfrentar desafios regionais, como a Venezuela e a atividade econômica predatória da China".
A diplomacia argentina correu para negar que Macri tenha usado o termo "predatório". A China também é importante parceiro comercial da Argentina, e Xi Jinping permanece no país após a cúpula para uma visita de Estado.
Já o conselheiro de Segurança Nacional americano, John Bolton, fez uma escala no Rio de Janeiro antes de chegar a Buenos Aires para visitar na quinta-feira o presidente eleito Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. A relação comercial com a China foi um dos temas da conversa, que incluiu também um convite oficial para encontro com Trump nos Estados Unidos após a posse.
Bolsonaro tem feito constantes elogios aos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que acusou a China de estar "comprando" o Brasil com seus investimentos. Essa postura tem levantado preocupação nos exportadores brasileiros, que preferem que o Brasil se mantenha neutro na briga entres os dois países.
"Os chineses não são vilões. Não precisa deixar de ser parceiro da China para ser parceiro dos Estados Unidos", afirmou à reportagem o presidente da Câmara Chinesa de Comércio do Brasil (CCB), Daniel Manucci.
"Guerra comercial não beneficia ninguém. Não é bom para o Brasil se envolver", concorda Camila Sande, da CNA.
BBC News Brasil