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Saúde
02/12/2018 18:00:00

Acompanhantes de pacientes do interior alagoano encaram dificuldades em Maceió


Acompanhantes de pacientes do interior alagoano encaram dificuldades em Maceió
Ilustração

Trinta de setembro de 2018. Homens e mulheres começam a chegar cedo em Maceió, antes mesmo do raiar do dia. Com terços em mãos e muita fé, eles se deslocaram de regiões de Alagoas, no movimento que faz lembrar uma peregrinação. Em pouco tempo, dão entrada no Hospital Geral do Estado (HGE), com alguns partindo, em seguida, para um refúgio: a única Casa de Apoio que acolhe e dá toda a assistência aos acompanhantes de pacientes do interior alagoano. Sim, esses 'peregrinos' não vêm à cidade para rezar, mas para lutar pela vida junto aos seus familiares.

Acomodados dentro da residência, foi um 'fiel', um tanto quanto franzino, que chamou a atenção. O aposentado Francisco Guedes, 60 anos, é da cidade de Parambu, no Ceará, e estava em Estrela de Alagoas quando sua esposa, Nisa da Silva, 55 anos, foi vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ela precisou ser encaminhada para o HGE e, sem previsão de alta, segue internada na área vermelha do hospital.

 

"Viemos aproveitar as férias na casa do nosso filho, quando o pior aconteceu. Nisa estava com a saúde debilitada, mas não acreditava em complicações. Um certo dia ela acordou na madrugada e, de repente, já estava à caminho de Maceió para ser hospitalizada. O susto foi grande. Sabia que o sofrimento seria maior por estar longe da nossa cidade", confessou o aposentado, sem esconder a tristeza no rosto marcado pela idade.

 

Com a esposa internada, Francisco se encontra hospedado na Casa de Apoio 

FOTO: MARCOS ARAÚJO

A romaria de Francisco por tratamento para sua esposa não se deu à toa: Maceió concentra a maior parte dos serviços especializados de saúde no estado. Quem vem, vem porque precisa. Os pacientes são encaminhados por médicos de hospitais e unidades de saúde das cidades de origem. Em geral, são casos de alta complexidade. 

 

"O problema dela [Nisa] não podia ser tratado em Estrela de Alagoas, por isso, desembarcamos em Maceió em uma ambulância. Ela foi internada e, desde então, passamos por alguns sofrimentos diários. No HGE, por exemplo, tem muita gente boa, e ignorante também, que não sabe passar informação. Mas, depois que cheguei na Casa de Apoio, a minha luta diminuiu um pouco. Ficar em um município sofrendo por um parente, sem ter um lugar para se banhar e comer, é desumano demais", disse ele, que a cerca de um mês está hospedado no local.

Ao relento

Apesar de haver o Hospital de Emergência do Agreste (HEA), em Arapiraca, o refúgio hospitalar para os sertanejos continua sendo o HGE. De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas (Sesau), o HEA é uma rede de saúde hierarquizada que atende pacientes politraumatizados - vítimas de acidentes de trânsito ou armas. Já a unidade de Maceió, devido à falta de um hospital de especialidades, oferece serviços como os de infarto agudo do miocárdio, AVC, queimados e pediatria.

Para se ter uma ideia do fluxo no centro médico maceioense, um total de 100.161 pacientes deram entrada no hospital geral ano passado, destes, 72.486 foram somente de sertanejos. Em 2018, até o dia 25 de setembro, 47.172 pessoas foram atendidas no maior centro hospitalar de Alagoas, onde 34.052 pacientes eram residentes dos municípios oriundos da capital.

 

Além de ambulâncias, pacientes com seus acompanhantes chegam ao maior pronto socorro de Maceió em carros particulares

FOTO: MAURÍCIO MANOEL

Mas, quando há necessidade de internação, os acompanhantes não conseguem retornar para casa e, por conta disso, dormem à frente do próprio hospital, ou em cadeiras e bancos improvisadas pelos corredores. Algumas destas pessoas chegam a unidade de saúde com nada além da roupa do corpo e pequena quantia de dinheiro que, por não ser suficiente para pagar hospedagem e alimentação, fazem da estrutura hospitalar sua morada.

 

Ainda segundo a Sesau, há um alojamento (no HGE) para as mães das crianças internadas na pediatria. Nos casos em que a legislação prevê, é assegurado o direito de um acompanhante permanecer na unidade, inclusive, proporcionando três refeições diárias. O que, ainda de acordo com a secretaria, não se aplica a pacientes que estiverem nas Áreas Vermelha e Amarela, Unidade de Dor Torácica (UDT) e Recuperação do Centro Cirúrgico, onde não são permitidas a permanência de acompanhantes.

O HGE atende alagoanos dos 102 municípios acometidos por doenças clínicas. "As pessoas que chegam em Maceió deveriam ser atendidas em outras unidades [das cidades] ou, até mesmo, poderiam ser evitadas [a vinda para a capital], caso a cobertura da atenção básica nos municípios fosse satisfatória", rebateu o secretário de estado da Saúde, Christian Teixeira.

Para os acompanhantes, a cidade conta apenas com uma Casa de Apoio regularizada - com alvará - que atende todas as necessidades dos sertanejos: seja banho, alimentação, lazer, dormida, diferente dos inúmeros abrigos instalados na capital, que não oferecem tamanha regalia.

A Comunidade Espírita Nosso Lar, por exemplo, recebe acompanhantes de pacientes do HGE que, necessitam, apenas pernoitar na capital. Localizada no bairro do Vergel do Lago, na parte baixa de Maceió, a estrutura é conhecida por oferecer abrigo para crianças e adolescentes de 0 a 17 anos em situação de vulnerabilidade pessoal e social.

"Contamos com cinco mil pessoas cadastradas, além de distribuir alimentos e realizar atendimento médico e educacional aos moradores da favela Sururu de Capote e do entorno do Vergel. Não podemos dar suporte a mais. Caso contrário, iria nos sobrecarregar. Sem falar que não temos espaço para receber tanta gente", informou a administração da comunidade.

Um lar acolhedor

 

Sempre de portas abertas para quem precisa, a Casa de Apoio está localizada na rua Aminadab Valente, no Trapiche da Barra

FOTO: MARCOS ARAÚJO

Banheiros, quartos, garagem e sala de estar com muitos sofás. Tudo para receber as cerca de 500 pessoas acolhidas mensalmente na Casa de Apoio. Todos àqueles que saem do relento da porta do HGE, encontram um local para tomar banho, se alimentar, chorar no ombro de quem se compadece.

 

Estes acompanhantes aflitos encontram uma auxiliadora. Mais precisamente Maria Auxiliadora, 57 anos, uma espécie de mãe que não se cansa de ajudar. Ideia proposta por um vereador por Maceió que arca com aluguel da casa, ela aceitou a missão de cuidar do lugar há três meses e se dedica integralmente ao serviço voluntário.

"Trabalho praticamente 24 horas. Durmo aqui, acordo aqui. Para mim é maravilhoso. Me sinto bem porque é muito comovente. Não é apenas uma casa de apoio, é uma família. Nós acolhemos, damos atenção, um ombro amigo, nas horas boas e ruins. Como uma família faz", falou Dora, como é carinhosamente chamada pelos hóspedes.

Segundo ela, pessoas com parentes vítimas de Acidente Vascular Cerebral (AVC), câncer e infarto são os mais comuns. Situações que precisam ser superadas mostrando força que, às vezes, não se tem. "Há várias situações que abalam. Mas não podemos deixar transparecer esse sentimento de tristeza para não passar isso ao acompanhante. Temos que parecer fortes, mesmo estando despedaçados por dentro", revelou.

 

Avó e neto trabalham juntos no acolhimento de acompanhantes de pacientes do interior

FOTO: MARCOS ARAÚJO

Esforço esse que motiva seu neto, Derek Cristhian, 21 anos, outro voluntário da casa. "Ela me inspira. Trabalhamos em conjunto ajudando ao próximo. É difícil ver o pessoal na frente do HGE, passando por uma situação complicada e não poder fazer nada", frisou o jovem, que intercala os estudos com o voluntariado.

 

Em seguida, Dora interrompe Derek dizendo que "na casa os visitantes são pessoas positivas, com muita fé e que pregam a oração sempre". Quis o destino que durante a reportagem outra acompanhante chegasse do Hospital Geral do Estado com a notícia do falecimento do seu filho. O clima ficou pesado. Foi o quarto óbito registrado naquela última semana de setembro.

Confira o momento em que Cícera da Silva, de Santana do Ipanema, retorna à Casa de Apoio. Seu filho, José Barbosa, 21 anos, faleceu vítima de hidrocefalia.

 

Peregrinos: acompanhantes de pacientes encaram dificuldades na capital

Imagem: Marcos Araújo

 

Quem também se encontra hospedada na casa é Sandra Alves, 42 anos, que está com o filho internado no Hospital de Doenças Tropicais Hélvio Auto (HDT), no Trapiche da Barra. Moradora de Rio Largo, Região Metropolitana de Maceió, há meses luta pelo tratamento de Lucas Alves, 24 anos, diagnosticado com meningite - inflamação aguda, geralmente causada por infecções.

Conforme ela, a notícia de que seu filho precisaria ficar internado foi dura. Sem saber para onde ir, foi aconselhada por assistentes sociais do hospital a procurar a Casa de Apoio, onde pediu abrigo. Instalada, relata que, mesmo abaixo de um teto, o cotidiano é monótono.

"A rotina de quem tem parentes internados, assim como eu, é acordar cedo, tomar café da manhã e partir para pegar informações no hospital. Depois retorna, almoça e espera mais um pouco até o momento das visitas. Vejo como meu filho está e volto novamente para cá [Casa de Apoio]. Por fim, às dez horas da noite, busco mais informações sobre a situação dele. O ser humano só sabe o que é viver, quando vem para o HGE".

Sandra Alves também contou que encontra na fé a força para superar o momento difícil; assista:

 

Peregrina encontra na fé a força para superar o momento difícil

Imagem: Marcos Araújo

À espera no HGE

Em contrapartida, existem aqueles que preferem ficar no leito do hospital ao lado do parente enfermo. A Gazetaweb esteve à porta do HGE e se deparou com uma acompanhante aflita por notícias de sua mãe. Apesar do cansaço notório em seu rosto, garantiu que as dificuldades são pequenas, quando se trata da pessoa que ama.

"Minha mãe sofreu um AVC e, por isso, fomos encaminhadas para o hospital em Maceió. Como ela estava muito doente, nem pensei como ficaria minha situação na cidade. A ficha só caiu quando recebi a notícia de que não voltaria para casa naquele dia. Só me veio na mente como sobreviveria sem comer, sem um teto, sabe?", indagou Maria Ivone, 48 anos.

 

Maria Ivone (à esquerda) espera aflita, no banco externo do HGE, por informações sobre o quadro clínico de sua mãe

FOTO: MARCOS ARAÚJO

Natural do município de Pão de Açúcar, no Sertão alagoano, a dona de casa deixou seus dez filhos com o ex-marido para lutar pela saúde de sua mãe, Margarida da Silva, 75 anos. Ainda de acordo com ela, que está na capital desde o dia 05 de outubro, nas primeiras 48 horas foi preciso ficar sem dormir, tomar banho e, até se alimentar.

"Não desejo isso para ninguém. É duro demais. Imagina ter uma casinha, um conforto e, de repente, contar apenas com um banco de cimento? Foi por essa situação que tive de passar durante dois dias. Não sabia que existia um lugar de suporte, já foi minha irmã que me orientou a procurar", disse Ivone, que mesmo fazendo parte dos acompanhantes da Casa de Apoio, prefere ficar, na maioria das vezes, no lado externo da unidade de saúde.

Conforme ela, apesar de tanto aconchego oferecido, é perto de Margarida, que as dificuldades parecem ir embora. "Gosto de ficar aqui [HGE]. Só volto para o abrigo quando sinto alguma necessidade ou para tentar dormir. Minha mãe é prioridade, apesar de tanto sofrimento vivido pelos dois lados", assegurou.

Ambulâncias sertanejas

 

Marcelo Mendes, motorista da ambulância de Poço das Trincheiras, traz pacientes e precisa aguardar junto aos acompanhantes na porta do HGE

FOTO: MAURÍCIO MANOEL

Nas idas e vindas para Maceió, os motoristas de ambulâncias de municípios do interior tem a missão de transportar pacientes e acompanhantes num círculo sem fim. Muitos desses trabalhadores precisam se deslocar por grandes distâncias até chegar ao destino final. Um veículo que vem de Mata Grande, por exemplo, tem que percorrer 273 km, via BR-316, pouco mais de quatro horas de viagem, até chegar na capital.

Marcelo Mendes, 48 anos, é condutor do veículo pertencente a Prefeitura de Poço das Trincheiras, município à 220 km da capital alagoana. Segundo ele, semanalmente, faz o percurso três vezes. "A ambulância quem dirige sou eu e outro rapaz. Geralmente, de lá para cá, cada um dá três viagens por semana. Mas, esse número vai depender bastante da quantidade de pacientes. Já aconteceu de eu vim 10 vezes", disse Mendes, que leva em média três horas até chegar ao hospital.

Justamente pela distância, vários condutores preferem esperar na porta do hospital até a hora do paciente retornar. Mas, quando o local de origem não é tão longínquo, voltam e aguardam uma mensagem no celular informando que deve voltar. Esse mecanismo informativo é repassado através de um grupo noWhatsapp. De acordo com Marcelo, há um espaço virtual onde condutores de todas as cidades alagoanas recebem instruções de assistentes sociais e trocam experiências cotidianas.

A história a seguir foi compartilhada nesse mesmo local: o trabalhador perdeu sua mãe, vítima de um infarto, no leito do mesmo HGE. "Passei cerca de oito dias com ela internada aqui. Infelizmente não pôde ser tratada na cidade porque ela precisava de aparelhos para respirar, e em Poço não tinha", disse Mendes, que acaba se compadecendo com a situação de cada acompanhante que traz ao centro médico.

Outro caso envolvendo um parente fez Marcelo sair do banco do motorista, para se tornar passageiro. Seu cunhado teve que ser encaminhado ao Hospital Geral do Estado às pressas e, quando chegaram, se depararam com uma situação calamitosa. "Deixamos ele aqui no hospital e não tinha maca para colocá-lo, nem sequer tinha cadeira para sentar. Meu cunhado teve que ficar no chão até o outro dia. Quando foi de tarde, ele acabou falecendo vítima de um AVC", relembrou.

No intervalo de 30 minutos à porta do maior pronto socorro de Maceió, a Gazetaweb presenciou a chegada de quatro ambulâncias de municípios do interior. Em todos os casos, por conta da logística, os condutores preferiram ficar junto aos acompanhantes dos enfermos transportados.

Parceria que faz falta

Casa de Apoio sobrevive com doações de pessoas que conhecem o trabalho; freezer abastecido com alimentos nem sempre é comum no local 

FOTO: MARCOS ARAÚJO

Por meio de nota, a Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas (Sesau) garantiu ter conhecimento da "casa destinada a dar suporte aos acompanhantes de pacientes do Hospital Geral do Estado", mas, informou, que não há nenhum vínculo com o Estado. E, no momento, não há projeto voltado para a implantação desta ação através do serviço estadual de saúde.

Segundo Dora, uma parceria que faz falta. "Queria muito poder acolher todo mundo, mas, infelizmente, o espaço não comporta. Já cheguei a receber 25 sertanejos em um dia. No entanto, se o número for maior, não conseguimos manter com excelência os serviços prestados. Hoje, vivemos de doações de igrejas e de pessoas que batem na nossa porta", expôs ela, acrescentando que a ideia da casa é criar um ambiente familiar, não um lugar frio. Um espaço com interação. E, nas refeições, todos sentem à mesa com um objetivo: lutar pela vida junto aos seus entes queridos.

Sempre de portas abertas para quem precisa, a Casa de Apoio está localizada na rua Aminadab Valente, 267, no Trapiche da Barra, e se mantém através de doações. Para àqueles que se propõem a ajudar financeiramente ou com donativos, basta entrar em contato pelo número 3313-5078. Já para acompanhantes de pacientes internados no HGE ou HDT que precisam de uma estadia, é preciso apresentar uma declaração certificando que há algum parente enfermo em uma das unidades estadual de saúde.



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