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Especial
30/11/2018 20:00:00

John Bolton: quem é o primeiro emissário de Trump a se encontrar com Bolsonaro no Brasil


John Bolton: quem é o primeiro emissário de Trump a se encontrar com Bolsonaro no Brasil
Ilustração

"O prédio do Secretariado (da ONU) em Nova York tem 38 andares. Se perdesse 10, não faria diferença alguma. As Nações Unidas são uma das organizações inter-governamentais mais ineficientes em atividade (...) Não existe isso de Nações Unidas."

Dita em 1994, em Nova York, esta foi por muito tempo a fala mais conhecida de John Bolton, assessor de segurança-nacional e membro do círculo de conselheiros próximos de Donald Trump que, nesta quinta-feira, se tornará a primeira autoridade do governo americano a apertar as mãos de Jair Bolsonaro.

Mas um comentário feito no último dia 1º de novembro ofuscou o protagonismo da antiga crítica do ex-diplomata americano à ONU.

"A "Troika da tirania", esse triângulo de terror que se estende de Havana (Cuba), a Caracas (Venezuela) e a Manágua (Nicarágua), é a causa do imenso sofrimento humano, motivo de enorme instabilidade regional e a origem de um sórdido berço do comunismo no hemisfério ocidental", afirmou Bolton em discurso em Miami.

"Os Estados Unidos estão ansiosos para ver cada vértice deste triângulo cair. A Troika vai desmoronar."

Os comentários mostram a sintonia entre o emissário do governo americano e o novo presidente brasileiro – que disse durante a campanha que a ONU "não serve para nada" e constantemente critica os governos de esquerda dos países vizinhos latino-americanos, a quem classifica como "ditaduras corruptas e assassinas".

O encontro aconteceu nesta quinta-feira na casa de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, a portas-fechadas – e não haveria "espaço para jornalistas", segundo a embaixada americana no Brasil. Foram divulgados imagens dos dois se cumprimentando e em torno de uma mesa de café da manhã.

BolsonaroDireito de imagemAFP/GETTY IMAGES
Image captionComentários de Bolton mostram sintonia com o presidente eleito Jair Bolsonaro

Mas falas recentes de Bolton – e a biografia do visitante estrangeiro – dão pistas do que deve ter constado da pauta da conversa.

Trump na posse de Bolsonaro?

Segundo a equipe de transição do novo governo, Bolsonaro e Bolton seriam acompanhados pelo futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, e pelo novo ministro da Defesa, o general da reserva Fernando Azevedo.

Na última terça-feira, questionado na Casa Branca sobre a visita, Bolton classificou o governo do capitão reformado como uma "oportunidade histórica".

"O encontro com o presidente eleito Bolsonaro surgiu como resultado da ligação do presidente Trump na noite das eleições no Brasil para parabenizar o presidente eleito. O telefonema foi realmente excelente. Acho que criou um relacionamento pessoal, mesmo de forma remota. O presidente Trump foi o primeiro líder estrangeiro a telefonar ao presidente eleito Bolsonaro", afirmou.

O assessor de segurança nacional continuou: "Então, pensamos que seria bom e certamente muito útil para os EUA ouvirem do presidente eleito quais são suas prioridades e o que ele está procurando no relacionamento. Do nosso ponto de vista, vemos isso como uma oportunidade histórica para o Brasil e os Estados Unidos trabalharem juntos em uma série de áreas: economia, segurança e várias outras."

Os comentários inflaram a especulação em Washington sobre a articulação para a vinda de Donald Trump para a posse de Bolsonaro, em 1º de janeiro – o que seria visto pela equipe de Bolsonaro como um sinal importante de apoio, após uma série de esforços, do lado brasileiro, em mostrar afinidades políticas, econômicas e ideológicas com o governo americano.

TrumpDireito de imagemREUTERS
Image captionEspecula-se sobre a vinda de Donald Trump para a posse de Bolsonaro, mas as chances ainda são remotas

"Estou ansioso para saber quais são as prioridades do presidente eleito e tentar contar a ele um pouco sobre as visões do presidente Trump (...) Estou indo para lá para preparar o terreno para eles", concluiu Bolton.

As chances para emplacar a visita, no entanto, ainda são bastante remotas.

A inconveniência da data da posse, logo na virada do ano, a agenda disputada de Trump, que deu pouca atenção à América do Sul desde que assumiu, e o esquema que precisaria ser armado para garantir a segurança dos dois presidentes em Brasília seriam os principais obstáculos, segundo fontes no PSL e na diplomacia em Washington.

Porte de armas

Bolton chegou a ser embaixador temporário dos EUA nas Nações Unidas (abandonou o posto quando percebeu que não teria sua nomeação aprovada pelo Senado americano) e acumula cargos nos últimos três governos conduzidos por políticos republicanos, desde a gestão de Ronald Reagan (1981-1989).

A maioria dos postos foi nos departamentos de Justiça e de Estado - o equivalente americano ao Ministério de Relações Exteriores.

Como Bolsonaro, ele é um árduo defensor do direito ao porte de armas por cidadãos comuns - Bolton é ligado à NRA (Associação Nacional do Rifle, principal grupo de lobby pró-armas dos EUA), onde comandou o Subcomitê de Assuntos Internacionais em 2011.

No primeiro semestre deste ano, após assumir o cargo no governo Trump, um vídeo gravado em 2013 veio à tona e ganhou manchetes nos EUA. No filme, patrocinado pela NRA, Bolton pede que a Rússia garanta o porte de armas em sua Constituição, como acontece nos EUA.

"Isso criaria uma parceria entre o governo nacional russo e seus cidadãos, que poderiam proteger melhor mães, crianças e famílias sem comprometer a integridade do Estado russo", afirmou.

A defesa de Bolsonaro à revogação do Estatuto do Desarmamento no Brasil é um dos principais interesses americanos no país e representaria a abertura de um mercado promissor para a indústria bélica dos EUA.

Militarismo e guerras

Junto à linguagem diplomática heterodoxa (Bolton já defendeu o "fim da Coreia do Norte" e foi chamado pelo país, em resposta, de "sanguessuga"), o histórico militarista também é um ponto de convergência entre os dois.

Bolton foi um dos principais articuladores da invasão americana no Iraque, durante o governo de George W. Bush, sob o argumento de que o então regime de Saddan Houssein mantinha um programa secreto de armas de destruição em massa.

Eduardo Bolsonaro e Jair BolsonaroDireito de imagemEPA/JOEDSON ALVES
Image caption'Posição pró-Irã? (Isso) Vai mudar ', disse Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito

Em 2005, porém, dois anos após o ataque, um relatório divulgado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) desmentiu a informação.

O Irã também está entre os alvos preferidos do assessor de Trump, que defendeu bombardeios americanos contra o país árabe em 2008 e em 2015, enquanto o então presidente Barack Obama costurava um acordo de paz entre os dois países – desfeito neste ano por Trump.

Durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, Bolton ameaçou o governo do Aiatolá Ali Khamenei sobre "sérias consequências" caso o país desafiasse os EUA - aspas descritas como as mais agressivas da diplomacia americana contra o Irã "em décadas".

As opiniões ecoam no Brasil de Bolsonaro. "Posição pró-Irã? (Isso) Vai mudar ", disse o filho do presidente eleito, Eduardo, em entrevista recente à Bloomberg."

"Nosso lado é contra o Hamas, o Hezbollah e o Estado Islâmico", afirmou.

'Redenção não é opção'

Ex-deputado e chefe da CIA – agora dirigida pela sua antiga adjunta –, o presidenciável Pompeo tirou os diplomatas do formol em que tinham sido colocados pelo seu predecessor. Ele é visto como o ponto de estabilidade de um governo impulsivo. Na cozinha da Casa Branca, Pompeo tem ascendência sobre Bolton por causa da sua relação de confiança com o Chefe de Gabinete, John Kelly, e o secretário da Defesa, Jim Mattis.

A postura diplomática de Bolton fica clara em seu livro de memórias, publicado em 2007.

Em "Surrender is nota an option" (A redenção não é uma opção, em tradução livre), ele defende que organizações multilaterais como a ONU vão além de reger relações entre países e interferem na soberania nacional.

No livro, que antecipa em quase uma década o discurso hoje adotado por figuras como Bolsonaro, Trump, Matteo Salvini (ministro italiano) e Viktor Orban (chefe de Estado húngaro), Bolton afirma que tratados internacionais como os ligados aos direitos humanos são criados para se sobrepor a legislações locais.

Ativistas de esquerda "incapazes de vencer uma luta justa dentro do sistema de governo representativo agora buscam fóruns internacionais para discutir suas posições", diz a publicação.

Bolsonaro, desde o início da campanha, promete "acabar com o ativismo" no Brasil.

BBC News Brasil



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