25/04/2024 04:38:36

Economia
24/10/2018 19:06:00

Eleições 2018: Os desafios do próximo governo nas relações com a China


Eleições 2018: Os desafios do próximo governo nas relações com a China
Relações comerciais Brasil e China

As relações sino-brasileiras têm se intensificado na última década e vivem nova etapa, com a guerra comercial entre China e Estados Unidos. Desde 2009, o país asiático é o principal parceiro comercial do Brasil, mas segue como um desconhecido de boa parte dos brasileiros e de seus governantes.

Para especialistas, a cooperação com os chineses é estratégica e o próximo presidente brasileiro terá de lidar com Pequim.

Nos dois planos de governo dos candidatos ao Planalto no segundo turno - Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) - o país asiático sequer é mencionado diretamente. O presidenciável da direita defende uma reaproximação dos EUA e de Taiwan, enquanto o candidato da esquerda aposta no reforço do Brics, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

"Há obstáculos que impedem tanto a direita quanto a esquerda brasileira de estabelecerem uma relação mais qualificada com a China. Esses obstáculos são ancorados em convenções sociais sobre a China mais ou menos estabelecidas no imaginário da política brasileira e que já não refletem a realidade da China de hoje", defende Evandro Meneses de Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da Escola de Direito da FGV.

Para ele, as disputas políticas no Brasil fizeram ressurgir "narrativas ideológicas que dominaram o cenário político do século 20, quando acreditava-se que democracia e capitalismo eram duas faces da mesma moeda".

De um lado, "um viés ideológico anticomunista que permeia o pensamento da direita brasileira"; no outro, "há um desconforto gerado a partir de um ativismo em torno das agendas em defesa dos direitos humanos e da democracia".

Otavio Costa Miranda, pesquisador da Tsinghua School of Public Policy and Management, em Pequim, reforça que qualquer governante precisa ter em mente os objetivos estratégicos brasileiros frente a interesses estratégicos não apenas da China, como de outros países do mundo. "Combater comunistas, certamente, não deveria ser um objetivo estratégico do governo brasileiro em relação a suas relações com o mundo. Garantir a não interferência em assuntos domésticos, o bem-estar da população, o sucesso econômico do empresariado, taxas mais favoráveis a produtos brasileiros exportados, sim".

"A retórica anti-China é um tiro no pé do Brasil, uma atitude contrária aos interesses brasileiros", opina Carvalho.

Colheita de soja em março de 2008 em Campo Grande, Mato Grosso, no BrasilDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA relação comercial entre os dois países está concentrada em produtos como soja, carne e minérios

Contenção

O país é o mais importante mercado para produtos brasileiros e, por isso, tem papel determinante na balança comercial nacional. O investimento chinês no Brasil em 2017 atingiu o ponto mais alto dos últimos 7 anos. De janeiro a setembro de 2018, as exportações brasileiras para a China somaram cerca US$ 47 bilhões, mais do que o dobro das vendas para os EUA.

Manuel Netto, economista e consultor em Hong Kong, conta que tem recebido perguntas de empresas chinesas sobre a corrida presidencial. "Brasil tem relação comercial superavitária com a China, é difícil criar desavença com um 'bom cliente'", afirma.

Para Costa Miranda, "a intensidade e a velocidade com que empresas estatais e privadas em setores estratégicos brasileiros foram adquiridas por investidores chineses é a principal razão pela qual eclodiu um esperado susto e sentimento de temor no debate atual".

Ele pondera que as compras se dão dentro das regras brasileiras, mas o Brasil "está mais exposto". A agenda comercial é pouco diversificada, se resume basicamente a produtos de baixo valor agregado, como soja, carne e minérios.

Sem uma estratégia clara de cooperação, o Brasil perde oportunidades. "A China possui o maior e mais dinâmico mercado do mundo, onde nossas marcas, produtos e cultura beiram a nulidade", ressalta.

"Quanto mais a influência da China crescer globalmente, maiores serão as resistências", afirma José Medeiros, cientista político e professor da Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, em Hangzhou, China.

Imagem mostra diversos contêineres para exportação, no porto do Rio de JaneiroDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionNeste ano, as exportações brasileiras para a China somaram cerca US$ 47 bilhões, mais do que o dobro das vendas para os EUA

Disputa EUA x China

Críticas à China também marcaram a campanha de Donald Trump à Presidência americana e hoje são pano de fundo da disputa comercial entre as duas maiores economias do mundo.

Para Medeiros, Trump tem uma estratégia definida de enfrentamento que tensiona o sistema internacional como um todo. Caso o americano seja reeleito, Medeiros acredita que o próximo presidente do Brasil terá de lidar com "um cenário muito mais delicado que o atual, tanto no plano político, quanto econômico".

Costa Miranda argumenta que Trump pressiona o governo chinês com o objeto de reequilibrar a balança comercial, reduzindo o déficit americano, mas "a retórica anticomunista ou questionando a legitimidade do governo chinês não fazem parte do repertório".

"Em nenhum momento se vê a China construindo parceria com o Brasil em termos ideológicos. Aprofundar relações com os chineses não significa rejeitar relações com os americanos. O Brasil tem que manter boas relações com as duas maiores economias do mundo. Não podemos esquecer que os EUA e países europeus não abrem mão de investir e aprofundar relações comerciais com a China", opina Carvalho.

O presidente dos EUA, Donald TrumpDireito de imagemREUTERS
Image captionCríticas à China marcaram a campanha de Trump, mas EUA não abrem mão de investir e aprofundar relações comerciais com o país

Bolsonaro

A política externa aparece como o último item das 81 páginas do plano de governo do candidato da direita. O foco é estimular o comércio exterior e reforçar acordos bilaterais.

Sem mencionar nenhum governo específico ou ameaça concreta, o texto fala em "deixar de louvar ditaduras assassinas" e afirma que não irá entregar "o patrimônio do povo brasileiro para ditadores internacionais".

O candidato do PSL já declarou que a "China está comprando o Brasil" e prometeu "reorientar o eixo de parcerias" rumo a uma reaproximação dos americanos.

"Bolsonaro ainda não expressou com clareza sua estratégia em relação à China e aos fóruns multilaterais que ambos os países fazem parte. Caso busque replicar a estratégia de Trump, corre o risco de enfrentar retaliações internacionais e domésticas, além de seu alcance. Politicamente, parlamentares ruralistas são os maiores beneficiados pela galopante demanda chinesa por soja brasileira", sinaliza Costa Miranda.

"A retórica anti-China presente na campanha de Bolsonaro se baseia em premissas ultrapassadas. A própria China, desde o final dos anos 70, abandonou uma política externa orientada pela ideologia e a substituiu por uma pragmática, voltada para resultados e, sobretudo, para o desenvolvimento econômico do país", opina Carvalho.

O histórico de declarações contrárias ao grande comprador dos grãos brasileiros não afastou à adesão do agronegócio - o setor mais forte nas relações comerciais sino-brasileiras - a sua candidatura, apoio que pode ter levado a uma mudança de tom: a preocupação com o interesse de Pequim por recursos naturais deu lugar ao elogio de "parceiro excepcional".

Independentemente de quem se torne o próximo presidente brasileiro, Medeiros, que é pesquisador na China há 11 anos, acredita que as relações bilaterais dificilmente vão sofrer um redirecionamento brusco. "Mais do que retórica, será a orientação prática que definirá o futuro. A China tem evitado sempre a confrontação e buscado pontos de convergências entre os mais diversos atores da política internacional".

Jair Bolsonaro, candidato à presidência no BrasilDireito de imagemREUTERS
Image captionRetórica anti-China está presente na campanha de Bolsonaro

Questão de Taiwan

Em um tour pela Ásia no primeiro trimestre desse ano, o candidato do PSL disse que viagens por Israel, EUA, Japão, Coreia do Sul e Taiwan "demonstram de quem queremos nos aproximar".

Acompanhado de seus três filhos e do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), ele viajou pelo continente asiático passando por Taiwan, mas deixando a China fora do roteiro.

O episódio teve consequências. A Embaixada da República Popular da China no Brasil enviou uma carta para a Executiva Nacional dos Democratas afirmando que a visita da comitiva parlamentar causou "profunda preocupação e indignação" e foi uma "afronta à soberania e integridade territorial da China".

O reconhecimento da política de "Uma só China", que entende que Taiwan é território chinês, é para Pequim uma condição para a manutenção das relações diplomáticas. O Brasil não reconhece Taiwan como governo soberano desde os anos 70.

Taiwan aparece quatro vezes no programa de governo de Bolsonaro e é citada como referência em áreas onde a China se destaca, como na criação de polos tecnológicos e gestão de portos.

Costa Miranda avalia que "ao propor esse tipo de engajamento com Taiwan, as consequências poderão ser múltiplas, na medida em que para a China esse padrão de interferência é inadmissível".

Medeiros alerta que "caso algum presidente, do Brasil ou de qualquer país, venha a flertar com Taiwan, reconhecendo-o como um país, as consequências tanto políticas como econômicas serão incomensuráveis".

Fernando Hadadd, candidato à presidência no BrasilDireito de imagemAFP/GETTY IMAGES
Image captionNo caso de Hadadd, plano de governo fala da 'retomada de uma atitude proativa no plano internacional' e resgate da diplomacia na era Lula

Haddad

No plano de governo do candidato petista, a política externa aparece no primeiro item. O documento fala da "retomada de uma atitude proativa no plano internacional" e do resgate da diplomacia dos governos Lula, dando ênfase à integração regional e à cooperação Sul-Sul.

O programa de Haddad promete fortalecer o Itamaraty, resgatar a Politica Nacional de Defesa (PND) e expandir acordos para além da cooperação comercial, contemplando outros setores, como saúde, educação e segurança alimentar.

Nos anos Lula as relações sino-brasileiras ganharam fôlego, graças ao Brics. Neste mês, a agência de notícias chinesa Xinhua publicou uma matéria sobre a intenção de Haddad de reforçar esse mecanismo multilateral e o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD).

"O Brics ajuda, cria um vínculo, mas o discurso da vez na China é o 'Um Cinto, Uma Estrada' (Belt and Road Initiative). É a marca da administração do presidente Xi Jinping e as empresas chinesas seguem essa orientação do partido", aponta Netto.

Para Carvalho, o Brics, que agora perde importância política, introduziram o Brasil de forma assertiva no contexto asiático. "Paradoxalmente, o Brasil nunca desenvolveu uma relação bilateral com a China de modo estruturado e com uma inteligência nacional mobilizada. Mesmo o PT não construiu nenhuma relação de efetiva compreensão mútua da realidade chinesa", diz.



Enquete
Na Eleição de outubro, você votaria nos candidatos da situação ou da oposição?
Total de votos: 42
Notícias Agora
Google News