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Comportamento
22/10/2018 08:08:00

Política no divã: Como a polarização tomou conta das sessões de terapia


Política no divã: Como a polarização tomou conta das sessões de terapia
Ilustração

Discussões entre familiares, brigas com amigos, ofensas e até ameaças de desconhecidos. Quem não se sentiu mal nos últimos meses por causa da tensa polarização política? O tema ocupou tanto o cotidiano dos brasileiros que foi parar no divã - e tem ocupado boa parte das sessões de terapia pelo País, segundo especialistas consultados pelo HuffPost Brasil.

"A gente escuta [na terapia] medo, lamento, luto, frustração, tristeza. Não é um momento feliz", afirma a psicanalista Maria Homem, pesquisadora do Núcleo Diversitas da USP e professora da FAAP.

Segundo a especialista, os escopos comuns geralmente trabalhados na terapia, como família, relações afetivo-sexuais e trabalho, foram ampliados para o campo coletivo neste período eleitoral.

"Agora temos algo comum, que é realmente do campo coletivo, porque cerca de 100 milhões de adultos e votantes criaram um personagem em comum chamado 'Bolsonaro' e outro personagem em comum chamado 'PT'", diz.

"Agora a gente tem figuras que centralizam nossa tensão, a energia de milhões de pessoas está focada nesses mesmos polos, que eu chamo de grandes personagens. Isso tudo entra na clínica, chega aqui no divã. São maneiras de cada um continuar sua análise, não é desconectado."

Segundo a especialista, o brasileiro nunca soube "tantos nomes de senadores e deputados". "É como acontece com novela da Globo, quando milhões de pessoas sabem quem é Odete Roitman ou Carminha."

O maior envolvimento com esses personagens políticos se funde então com as relações quotidianas de cada indivíduo: família, amigos, colegas de trabalho. "De certa maneira, podemos dizer que tudo é política porque tudo é relação humana", afirma.

O também psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e autor do livro Reinvenção da intimidade: Políticas do sofrimento cotidiano, confirma que os lamentos envolvendo política aumentaram consideravelmente nos consultórios.

"Isso está acontecendo, não há dúvidas", afirmou. Para Dunker, o que se vê é a evolução da intolerância sobre opiniões pessoais do outro para a intolerância ao outro. "Há um sofrimento muito grande de gente que sente que não pode falar mais o que pensa."

Para ele, no entanto, o que se sobressai é o medo de pacientes pertencentes às minorias, como os homossexuais. Alguns deles, segundo o psicanalista, dizem já sofrer perseguição. A atmosfera de medo é alimentada por relatos recentes de agressão que circulam pela internet.

"Com a ascensão do discurso em favor da tortura, da violência, são muitos relatos de pessoas com medo", afirma Dunker, numa referência ao candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, que já falou em "fuzilar a petralhada" e exalta o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi, principal órgão de repressão e tortura durante a ditadura.

Dunker criou, com outros colegas, o canal no YouTube Psicanalistas pela Democracia, que traz relatos dos próprios pacientes e mostra clara oposição a Bolsonaro e suas ideias.

"As pessoas estão sendo ofendidas, estão sendo atacadas", disse Dunker. "Passou do nível Corinthians contra Palmeiras, que você perde ou ganha, que poderia chamar de 'tiração de sarro'."

Para a professora Maria Homem, existe uma "onda" de ódio e violência, e o motivo disto é a exaustão, não só de uma pessoa, mas do sistema inteiro. A psicanalista diz que o aumento da violência tem relação direta com a diminuição do debate.

Ela compara o cenário atual com o aprendizado de um bebê: quando não consegue falar, precisa berrar, chorar, gritar para ser ouvido. "É como se a gente não estivesse conseguindo mais falar, debater, circular ideias contra ideias. Como lutar contra a impunidade, como discutir o tamanho do Estado, como arrecadar mais dinheiro? São questões difíceis de lidar, no entanto, a gente não está conseguindo pensar, muito menos falar."

Estamos vivendo uma patologia da mente, realmente a gente não consegue elaborar, muito menos comunicar, então a gente tem uma descarga, uma onda catártica, que atropela tudo e que é um berro. A gente tem certeza de quem são os culpados e temos igualmente a certeza de quem são os bem feitoresMaria Homem, psicanalista

Na opinião da psicanalista e mestranda em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP, Amanda Mont'Alvão, as eleições têm feito emergir questões de identidade e revelam a dificuldade, como sociedade, de aceitação das diferenças no convívio.

"O que me preocupa bastante é que o ódio tem sido exercido em ato, sem mediação, e sem os freios trazidos pelo processo de civilização", ponderou Mont'Alvão. "A convivência em sociedade exige que façamos a renúncia a uma série de desejos. Claro que isso não é fácil; daí a importância da elaboração e das instâncias mediadoras."

Para Dunker, a melhor estratégia para aqueles que sentem medo é não sair dos grupos de WhatsApp onde está o discurso adversário. "Quando se torna refém do medo, o medo tende a prosperar", ressalta. "Quando a gente se ofende, a gente sai do grupo [de WhatsApp] por achar que esse não é um ambiente saudável, só que quando deixamos a pessoa falando sozinha, ela começa a falar mais alto, começa a gritar para comprovar sua identidade, e aí ela se torna mais perigosa", conta.

Nesse ponto, o psicanalista é enfático: não se isole. Ele diz que é preciso voltar para a conversa, procurar sua comunidade, criar comunidades. "Não se sinta intimidado, não admita isso. É um medo que não vale a pena cultivar."

Já Mont'Alvão afirma que é preciso lidar "com aquilo que dói". "É preciso investir em práticas de saúde mental, vivenciar os sofrimentos e fracassos da vida como parte dela, reconhecer a própria vulnerabilidade, estabelecer redes de apoio e buscar caminhos e modos de vida que permitam sonhar, planejar e criar, indo além de meramente sobreviver."

Via https://www.huffpostbrasil.com 



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