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Especial
13/08/2018 16:30:00

Felicidade: O que nós buscamos, o que sentimos e o que ainda não aprendemos


Felicidade: O que nós buscamos, o que sentimos e o que ainda não aprendemos
Ilustração

Em Grande Sertões: Veredas, o autor João Guimarães Rosa ensina como o nosso ser, a nossa existência, consiste precisamente nesse "por fazer" de coisas e estados. Ele trabalha a ideia de que nunca estamos prontos. Estamos, assim, continuamente em meio à nossa existência.

Existimos sempre atravessando e, no meio dessa travessia, não há nada muito calculado ou muito seguro. Mas a tensão desse existir sempre encarando um abismo é, por vezes, desconcertante.

Pausa.

A notícia de que um curso na universidade de Yale se tornou o mais popular entre os seus alunos correu o mundo em 2018. O tema? Felicidade. Antes disso, a disciplina sobre ser feliz foi popularizada também em Harvard, nos Estados Unidos.

Em julho, a moda foi importada pelo Brasil, e a UnB se tornou a 1ª universidade pública do País a ministrar aulas sobre o tema. De acordo com o professor Wander Pereira da Silva, a matéria vai ajudar os alunos a enfrentar as adversidades da vida e "encorajá-los a encontrar algo que faça sentido para si e para os outros", explicou em entrevista ao G1.

Além de se tornar disciplina em cursos de graduação, a felicidade se tornou preocupação de empresas e organizações que buscam tornar as relações interpessoais mais "eficientes".

Uma escola de negócios em Curitiba, por exemplo, acaba de lançar o GBA da Felicidade: Transformando pessoas e organizações.

"Nós buscamos fugir um pouco do lugar comum de que pessoas felizes produzem mais e melhor. A felicidade não deve ser abordada unicamente pensando em produtividade. A felicidade é um aspecto humano muito importante e um maior rendimento profissional é apenas um efeito colateral disso", explica Gustavo Arns, coordenador do curso.

De acordo com a descrição do programa, as aulas permitem "entender profundamente os conceitos sobre felicidade, transformar travas e impedimentos para o autoconhecimento e como isso pode conduzir diretamente para uma vida mais feliz".

É preciso entender que eu não vou ser feliz todos os dias e que eu não posso exigir isso de mim nem dos outros. Precisamos do momento de tristeza, de recolhimento.Luís Mauro Sá Martino, professor e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP

Mas será que é possível aprender o que é a felicidade?

Para Luís Mauro Sá Martino, professor e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, sim, é possível até aprender, "mas ninguém pode me dizer o que é sentir a felicidade".

"A felicidade não é bem-estar, não é dinheiro, não é apenas ter coisas. A gente precisa saber do que estamos falando quando falamos em ser feliz", reflete o professor em entrevista ao HuffPost Brasil.

Sá Martino chama atenção para duas características sobre a felicidade: o fato de que ela é um estado de permanência e que, por ser um estado, é algo que só existe em relação a outro sentimento.

"Um dos problemas de hoje em dia é que nós entendemos que a felicidade é uma coisa que acontece o tempo todo e da maneira mais intensa possível. A felicidade só existe em relação [a algo]. Em relação à tristeza, em relação à frustração, em relação ao medo. Ninguém vive num estado permanente de felicidade, mas a gente busca por isso. Saber que ela é um estado nos ajuda a limitá-la. A entender que eu não vou ser feliz todos os dias e que eu não posso exigir isso de mim nem dos outros. Precisamos do momento de tristeza, de recolhimento", argumenta.

GETTY IMAGES
Felicidade é um estado de permanência que existe em relação a outro sentimento.

 

A convite do HuffPost Brasil, o professor Luís Mauro Sá Martino reflete sobre a autocobrança da felicidade permanente. Enquanto isso, ficamos com o ensinamento do personagem Riobaldo, em Grande Sertões: Veredas: "Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia."

HuffPost Brasil: Foi lançado recentemente no Brasil um curso focado na felicidade em uma universidade. O que uma disciplina sobre o tema tem a agregar?

Luís Mauro Sá Martino: Uma disciplina sobre a felicidade não resolveria os problemas. O que pode ajudar, não só na universidade, mas em nosso dia a dia, é a gente ter um maior acolhimento do outro, do jeito que ele é, com as limitações, as vantagens, as belezas e as sombras que o outro tem. Seja na universidade, na empresa, na família. O que eu acredito que pode ajudar a espalhar felicidade é a gente acolher antes de exigir. Antes de exigirmos que o outro se molde à nossa felicidade, precisamos tentar pensar em construir juntos. Não sei se uma disciplina para discutir a felicidade resolve, mas mudar a nossa postura pode ser transformador.

E por que, então, sentimos a necessidade de ter um espaço como essa disciplina em universidade? É possível aprender o que é a felicidade?

Essa necessidade não é algo de nosso tempo, apenas. Desde sempre nós buscamos entender o que é a tal da felicidade. É um mercado, um interesse, que existe há 3 mil anos. Se você parar para pensar, talvez Aristóteles tenha sido o primeiro a ministrar um curso nessa área com o livro A Ética a Nicômaco. Entre os principais assuntos que ele trata na obra, está justamente o que é a felicidade e o que a gente pode fazer para encontrá-la.

É possível definir o que é felicidade?

Existem várias definições para a felicidade. Durante a história, a Filosofia sempre buscou algumas dessas definições para que a gente, ao buscar a felicidade, saiba o que a gente está buscando. Afinal, quando a gente fala em felicidade, cada pessoa tem uma ideia do que é ser feliz. Para a gente conseguir atingir essa tal da felicidade, o primeiro requisito é saber o que é que a gente está buscando. Nesses cursos, uma parte deles, pelo menos, não vai dizer qual é o caminho da felicidade, porque isso é muito difícil, mas pode ajudar a entender quais são as noções de felicidade e quais são as possibilidade de a gente chegar até ela.

É preciso deixar claro: é possível aprender o que é a felicidade, mas ninguém pode me dizer o que é sentir a felicidade, porque isso é um estado muito pessoal.

Para uma pessoa, ser feliz é estar tranquilo, com uma pessoa amada, em algum lugar. Para outra pessoa a felicidade é fazer compras, é consumir o que puder. A Filosofia vai tentar olhar para essas várias felicidades e pensar o que tem de legal, o que tem de problemático em cada uma delas. Esse exercício é importante porque a gente aprende a separar a felicidade de outras coisas.

A felicidade não é bem-estar, não é dinheiro, não é apenas ter coisas. A gente precisa saber do que estamos falando quando falamos em ser feliz.

 

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Para ser feliz, precisamos aceitar antes de exigir. Da gente e do outro.

 

Você acha que a gente se dá o tempo suficiente para fazer esses questionamentos?

Tenho a impressão de que não. Atualmente a gente confunde a felicidade com outras coisas e acaba perdendo um tempo importante correndo atrás de coisas que nos deixam bem, mas não nos deixam feliz.

Aristóteles, lá atrás, já nos lembrava que uma das características da felicidade é a permanência. Coisas que terminam e, mais ainda, coisas que terminam rápido, podem proporcionar bem-estar, mas a felicidade é um estado mais permanente. Me parece que hoje em dia corremos atrás do bem-estar e não nos questionamos se esse bem-estar é felicidade mesmo.

E o que fazer, então, para perseguir a permanência?

A solução, ou um dos caminhos, é sempre pensar na finalidade de nossos atos. Para que eu estou fazendo isso? A felicidade é um fim, e não um meio. Quando a gente faz qualquer coisa durante o nosso cotidiano, nós podemos nos questionar o quanto isso vai contribuir para a nossa felicidade. Um erro comum que todos nós cometemos é deixar a felicidade para amanhã e ficar correndo atrás de meios para ser feliz no hoje. Algumas filosofias nos mostram que a felicidade pode estar nos lugares mais inesperados, e não existe um caminho certo para isso. Existem modos de a gente encontrar a felicidade onde a gente já está. A gente perde tanto tempo buscando a felicidade que quando olhamos ao redor vemos que já ficou tarde.

A ideia da felicidade é um estado, mais do que uma coisa. É algo que a gente sente. Precisamos lembrar que a felicidade, ainda, é só um dos inúmeros estados do ser humano. O ser humano é complexo, é cheio de nuances, nós não podemos esperar estarmos felizes o tempo todo.

Um dos problemas de hoje em dia é que nós entendemos que a felicidade é uma coisa que acontece o tempo todo e da maneira mais intensa possível. A felicidade só existe em relação... Em relação à tristeza, em relação à frustração, em relação ao medo. Ninguém vive num estado permanente de felicidade, mas a gente busca por isso. Saber que ela é um estado nos ajuda a limitá-la. A entender que eu não vou ser feliz todos os dias e que eu não posso exigir isso de mim nem dos outros. Precisamos do momento de tristeza, de recolhimento.

O que pode ajudar a espalhar felicidade é a gente acolher antes de exigir. Antes de exigirmos que o outro se molde à nossa felicidade, precisamos tentar pensar em construir juntos.

Me parece, ainda, que estamos cada vez menos dispostos a nos permitir esse recolhimento...

Nós, seres humanos, somos complicados, complexos e difíceis. Mas o que existe hoje em dia é uma cobrança — e uma autocobrança — pela felicidade permanente. Isso é falso. A gente precisa se dar o tempo para a frustração, para o recolhimento. O próprio Freud lembra o quanto os períodos de luto são importantes para a gente se refazer. Então, de vez em quando, assumir que não está tudo bem é a coisa mais humana que se tem a fazer.

Mas é díficil assumis as nossas vulnerabilidades, né? É por isso que buscamos escapar desse conflito - seja por drogas lícitas ou ilícitas que nos afastam da realidade do que sentimos?

Isso é uma decorrência da exigência de ser feliz. Uma exigência com a qual nós não sabemos lidar porque ela não é natural, ela é artificial. É uma exigência da ideia de que nos precisamos aparentar estarmos bem, satisfeitos e realizados o tempo todo. Como se nós não tivéssemos conflitos. E lidar com os conflitos e com os estados emocionais do ser humano é um desafio que não pode ser substituído por nenhum tipo de pílula.

Mas é preciso frisar: quando necessário, o tratamento médico é indispensável. Não podemos misturar as coisas. Mas, quando o tratamento médico não é diagnosticado, nós percebemos que essa tentativa de felicidade a todo custo deriva dessa obrigação de ser feliz. Mas a felicidade a gente não impõe, nem para nós nem para os outros. Felicidade a gente constrói junto. É um dos estados que a gente consegue construir não só na relação com a gente, mas na relação com o outro. Isso é uma coisa muito bonita. É algo que a gente precisa compartilhar.



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