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Educação
01/07/2018 20:38:00

O papel da escola no combate ao trabalho infantil


O papel da escola no combate ao trabalho infantil
Ilustração

Quando comecei a trabalhar no jornal “O Globo”, havia uma seção na editoria Rio que se chamava “Que fim levou”. Sempre aos domingos, o espaço era destinado a atualizar notícias sobre pessoas ou acontecimentos que haviam merecido a atenção dos leitores tempos atrás. Mas, como aconteceu com outras seções, acabou sendo substituído.

Mais tarde, quando me tornei editora do caderno “Razão Social”, encartado no jornal, que se dedicava a trazer temas ligados ao desenvolvimento sustentável, pedi ao editor-chefe para recuperar a seção no suplemento. Foi feito. Passei, então, a adotar como rotina: um ano ou dois depois de noticiar algum projeto bem sucedido, eu voltava ao local para saber se ele continuava indo bem, qual o impacto que estava causando etc. Não raro, infelizmente, o programa havia estagnado por esta ou aquela razão. Mas isso é outra história.

O tempo passou e, já colunista aqui do G1, acompanhei desde o início a instalação de um Protocolo Comunitário, o primeiro do Brasil, nas comunidades do Arquipélago do Bailique, no Amapá. E venho seguindo de perto este trabalho. Se tivesse que fazer um “Que Fim Levou”, teria só notícias boas para dar. É que os bailiquenses estão levando a sério o projeto e avançando cada vez mais, sob a batuta do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), organização que tinha Rubens Gomes à frente quando começou a fazer o Protocolo.

Tudo isto me veio à cabeça há pouco, quando me sentei para escrever e dividir com vocês meus pensamentos sobre trabalho infantil. Uma notícia, publicada no blog do jornalista Altino Machado, deu conta de que o governo do Acre divulgou no dia 11 de junho, Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, um estudo sobre este tipo de trabalho em casas de farinha. Foram encontradas 858 crianças presentes nas casas de farinha, sendo que 617 (72%) estavam em situação de trabalho infantil, envolvidas nas atividades de produção da farinha e 241 (28%) informaram que no período que estavam nas casas de farinha não faziam nenhuma atividade ligada à produção.

A farinha de mandioca do Acre é conhecida por ser original, sem nenhum adivito químico, e um dos principais elementos da cultura alimentar na Amazônia. Com isso, obviamente, traz divisas para o estado, além de movimentar a economia regional no Vale do Juruá.

Por que me lembrei do Bailique? Porque ontem mesmo, quando li a notícia de Altino Machado, recebi das terras do Amapá um vídeo sobre trabalho infantil que dialoga bastante com o que penso a respeito. É mais um resultado positivo do Protocolo Comunitário. No desenho animado, uma menina vai subindo numa palmeira de açaí quando ouve a mãe a chamar, mandando-a ir para a escola. A própria menina diz que não vai porque tem que pegar açaí para vender.

Na sequência do vídeo, que recebeu prêmio do Tribunal Regional do Trabalho, um bichinho sai da cesta do açaí para lembrar à criança que ela pode até ajudar nas tarefas de casa, mas... Surge então a figura da lei representada por um homem de terno e gravata que lembra ser dever da família, do estado e da sociedade assegurar às crianças oportunidade de pleno desenvolvimento.

É uma abordagem que foge do discurso radical, empregado muitas vezes legitimamente, sobre a prática de usar crianças e explorá-las numa atividade que não tem a ver com seu universo. E que, mais do que isso, como se vê no Acre, pode causar acidentes graves.

No vídeo, considera-se o fato, muito comum, de que a criança pode querer o trabalho, até para ficar mais perto dos pais. Este é o ponto: a tarefa de retirá-la dali é muito mais trabalhosa porque exige que se ofereça, na escola, um território onde ela encontre bem estar, onde ela se sinta segura, bem cuidada e amada.

Bem sabemos nós que esta escola que acabo de descrever está longe de ser o padrão das que o estado mantém, sobretudo nas grandes cidades, onde até mesmo por causa da violência, tudo o que a criança não costuma se sentir é segura em sala de aula. Sendo assim, entende-se que o tom usado para combater o trabalho infantil seja mais severo, por exemplo, pelo estado de São Paulo, que acaba de lançar a campanha “Piores Formas: Não proteger a infância é condenar o futuro!”.

 

Mas, já que a ideia da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, que lançou o programa, é gerar debates nas redes sociais, sinto-me também convidada à discussão. Na cidade de São Paulo, pesquisa realizada pelo Dieese identificou trabalho infantil em 1,3% das famílias. São crianças e adolescentes de 10 a 17 anos, pertencentes a famílias de baixa renda. E segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), 170 milhões de crianças e adolescentes são obrigados a trabalhar para prover o próprio sustento e o das suas famílias, em todo o mundo.

Lembro-me de uma reportagem que fiz no Piauí, em 2010, com o propósito de mostrar um projeto que corria o país para informar sobre hanseníase. Paramos numa comunidade quilombola chamada Olho d´Água e aproveitei para conhecer um pouco a região. Andei sozinha até uma fábrica de farinha, onde uma família estava trabalhando acompanhada de suas crianças. Nas mãos de um menino que deveria ter perto de três anos, vi um facão enorme, usado para “entreter a criança” que “ajudava” a descascar a mandioca.

Era óbvio que o menino não estava ali obrigado, como também era evidente que a família tinha noção do risco que ele corria com aquela ferramenta nas mãos pequenas. A cena nunca mais me saiu da cabeça. Falei alguma coisa que não me lembro com a mãe e ela tratou de desfazer o quadro que me impressionara. Talvez por ser uma rotina, ela deixara a criança brincar com a faca.

Há muito o que se debater sobre este tema, portanto. E muitos atores precisam ser chamados para a conversa. Não será apenas com multas, palavras de ordem e medidas coercitivas que se vai tirar a criança que quer subir no pé de açaí ou acompanhar os pais na casa de farinha. Situações bem diferentes daquelas que a gente vê em trabalho infantil forçado.

O país é grande, tem muitas nuances a serem consideradas neste caso. Mas é fundamental perceber o peso da escola, seja lá em que canto for, para tirar a criança do trabalho e oferecer-lhe o que, de fato, ela precisa para se desenvolver. Com g1 - amélia gonzales



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