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Alagoas
30/06/2018 12:39:00

Pesquisa descobre que consumo de cafeína pode tratar problemas psicológicos


Pesquisa descobre que consumo de cafeína pode tratar problemas psicológicos
Ilustração

Com correio braziliense

Uma das substâncias mais famosas e consumidas no mundo pode ajudar a tratar um problema psicológico de difícil combate: o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Investigadores brasileiros conseguiram reduzir lembranças traumáticas em ratos usando cafeína. Segundo eles, a substância presente no café provoca alterações neurais que “desarmam” a memória, permitindo intervenções médicas. Os resultados do trabalho foram divulgados na revista Scientific Reports.

Lucas Alvares é um dos autores da pesquisa. Ele estuda os mecanismos moleculares que estão por trás da formação da memória e como ela pode ser esquecida ou modificada. “Uma das nossas linhas de pesquisa é como mudar uma memória traumática em alguém que sofre com TEPT”, explica ao Correio o professor do Departamento de Biofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O interesse pela cafeína surgiu de estudos anteriores que mostram as qualidades do composto para a saúde, além da experiência pessoal com a bebida. “Eu sou um grande admirador do café, me sinto bastante bem com o efeito da cafeína. E, olhando para a literatura, vimos que ela tem um efeito farmacológico em potencial para ‘atualizar’ uma memória afetiva”, detalha.

Alvares e a equipe provocaram traumas em roedores para criar memórias negativas, como as que ocorrem no TEPT (Veja infografia). Para o tratamento do transtorno, as cobaias receberam doses de cafeína, aplicadas por meio de injeções, instantes antes de serem novamente expostas a situações traumáticas. Os cientistas avaliaram que os animais responderam bem ao tratamento.

Para a equipe, a cafeína “desarma” as memórias traumáticas, processo necessário para que possam ser alteradas. “Hoje, sabemos que a memória é mais dinâmica do que se pensava anteriormente. Podemos alterar o seu conteúdo, assim que ela é formada. Ela é fortalecida pelas sinapses, porém, o ato de lembrar faz com que fique vulnerável e possa ser alterada”, explica o cientista.

De acordo com Alvares, esse mecanismo se chama reconsolidação da memória, fenômeno pelo qual as lembranças podem ser modificadas permanentemente pela via da reativação. O pesquisador ilustra como a cafeína entraria nesse processo. “Ela poderia ser usada em uma sessão de terapia, como uma ajuda no processo de modificar a memória.”

 

Inovação

A quantidade de cafeína usada nos experimentos variou conforme o tipo de trauma. “Vimos que, quando a memória não era muito aversiva, uma só dose foi suficiente, mas, para memórias antigas, que seriam mais similares às de TEPT, foi necessário aplicá-la três vezes”, detalha Alvares.

Felizes com os resultados, os investigadores darão continuidade à pesquisa. O próximo passo será entender melhor os efeitos, no cérebro, dos receptores da adenosina, que são afetados pela cafeína. “Esses receptores controlam grande parte dos estados de sono e vigília, e estudos têm demonstrado diversos efeitos da cafeína sobre a memória. Contudo, até a conclusão do nosso trabalho, não tínhamos evidência científica demonstrando um efeito da cafeína em modelos animais de transtornos emocionais”, ressalta Lizeth Pedraza, pesquisadora da UFRGS e principal autora da pesquisa.

Carlos Enrique Uribe, neurologista do Instituto Castro e Santos, em Brasília, acredita que o uso da cafeína para tratar o TEPT é uma abordagem nova. “A pesquisa mostra que a cafeína, talvez, abra as portas para que as lembranças possam ser modificadas. Quando você lembra das coisas, consegue manipulá-las. É a mesma coisa daquela história de que quem conta um conto aumenta um ponto”, ilustra.

Para o especialista, a pesquisa merece ser aprofundada a fim de verificar, por exemplo, se os dados se repetem em grupos distintos do analisado inicialmente. “É algo muito inicial. Então, precisa ser analisado melhor. Quem sabe em animais maiores, como macacos e também humanos”, cogita. “Outra coisa a se considerar é que o café pode não gerar a mesma sensação em todas as pessoas. Há casos de ansiedade em que o café não é recomendado porque pode piorar o estado psicológico.”

Empurrão para o trabalho em equipe

Um copo de café no trabalho faz mais para os funcionários do que eles imaginam. Segundo pesquisadores americanos, a bebida faz com que as pessoas trabalhem melhor em equipe. Eles chegaram à conclusão após dois experimentos com universitários e divulgaram os resultados do trabalho no Journal of Psychopharmacology.

O primeiro estudo foi feito com 72 estudantes, divididos em grupo. Metade dos grupos bebeu uma xícara de café, a outra, não. Trinta minutos depois, todos os voluntários se juntaram e tiveram que discutir um assunto controverso. Após 15 minutos, tiveram que fazer avaliação do próprio desempenho e o dos outros integrantes. Segundo os cientistas, aqueles que beberam café deram retornos mais positivos. No segundo estudo, 61 um estudantes desempenharam a mesma atividade, sendo que, antes, metade ingeriu café normal, e a outra metade, bebida descafeinada. Nas avaliações depois do debate, os primeiros deram os retornos mais positivos.

Todos os participantes dos dois experimentos analisaram o quanto estavam alertas no fim da atividade proposta. Os voluntários dos grupos do café com cafeína se classificaram como mais alertas. “Nós suspeitamos que, quando as pessoas estão mais alertas, elas se veem e veem os outros como alguém que contribui mais, e isso favorece a adoção de atitudes mais positivas”, explica Amit Singh, coautor e estudante de doutorado em marketing na Universidade do Estado de Ohio, nos Estados Unidos.

Os cientistas também perceberam que os voluntários que beberam cafeína estavam mais dispostos a trabalhar novamente em equipe. “Mesmo falando mais, concordando e discordando, eles ainda queriam trabalhar. O café não pareceu tornar as discussões em grupo muito desconfortáveis e desagradáveis”, diz Singh. A equipe dará continuidade ao trabalho. “Vamos investigar se o consumo de café ajuda mesmo quando a complexidade da tarefa do grupo é aumentada. Isto é, vamos avaliar o que ocorre quando os desentendimentos aumentam”, frisa Singh. 

"Quando as pessoas estão mais alertas, elas se veem e veem os outros como alguém que contribui mais, e isso favorece a adoção de atitudes mais positivas”, Amit Singh, coautor do estudo

Palavra de especialista

Janela terapêutica


“Estamos testemunhando um novo rumo da psicoterapia cognitiva convencional. Já é consenso na literatura neurocientífica da teoria da reconsolidação em humanos e em modelos animais que, uma vez que você consegue reativar especificamente uma memória traumática com o maior número de detalhes possíveis do evento original, essa memória que antes se encontrava rigidamente estável no encéfalo finalmente se desestabiliza, ou seja, se torna lábil por até seis horas, antes de voltar a ser estabilizada. Então, temos claramente uma janela terapêutica que nos permite modificar, de modo permanente, o conteúdo original da memória. O detalhe é que algumas memórias muito robustas, cuja emoção é muito forte, não se desestabilizam tão facilmente. É aí onde tenho utilizado a cafeína em pacientes antes do início da sessão de reativação. Os resultados, embora apenas de alguns casos clínicos, são muito significativos. Temos que continuar trabalhando na divulgação desses estudos para desenvolver novos protocolos terapêuticos, e a neurociência brasileira tem contribuído muito nas pesquisas de bancada”


Ricardo Sachser, psicólogo da Policlínica Central, em Santa Catarina, e neurocientista especialista em reconsolidação da memória



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