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Religião
22/06/2018 00:00:00

Fabíola Oliveira: A cristã que pratica uma religião mais inclusiva e menos violenta


Fabíola Oliveira: A cristã que pratica uma religião mais inclusiva e menos violenta
Fabiola Oliveira

"Ginga e fala gíria/Gíria não, dialeto". Estes são só um dos versos da canção Negro Drama, do Racionais MC's, que podem definir quem é Fabíola Oliveira. A pedagoga de 34 anos acumula em sua fala sotaques distintos, gírias características do Nordeste, mas também do Sul e das favelas de São Paulo; bordões, expressões que viralizam na internet e até memes. Às vezes, uma palavra mais formal escapa, mas a sua oralidade marca, definitivamente, como ela mesma se define: "preta, favelada, ponto e acabou". Diretora-executiva da Odarah, projeto de fomento para empreendedores negros (ou afroempreendedores), mais uma característica de Fabíola se destaca para aqueles que ainda têm uma visão estereotipada do mundo: evangélica.

"Sou uma mulher preta cristã na resistência e na re-existência. Resistindo na prática de um evangelho que é inclusivo e que não comunga com a violência racista, da homofóbica, e machista", define em entrevista ao HuffPost Brasil. Convertida ao cristianismo já adulta, a moradora da zona oeste do Rio de Janeiro afirma que o processo não foi fácil, "porque nada com Cristo é de uma hora para a outra". Nascida no seio de uma família de candomblecistas, Fabíola conta que foi atravessada pelo "ruah", ou sopro de Deus, quando entrou em contato com outros cristãos. Depois, o momento crucial aconteceu onde menos se espera.

"Foi num roncó, tocando adjá para Oyá, que eu soube que tinha um espírito ali que não era nenhum que eu conhecia. Não tinha nome, mas Deus é Deus, você consegue identificá-lo e eu senti. Só não faz sentido para o nosso pensamento cartesiano, para o crente que inventou que o espírito de Deus só se movimenta dentro de uma igreja evangélica. É piada reduzi-lo a um espaço", afirma.

Já no cristianismo, Fabíola compreendeu a missão de "tirar a tinta branca, em vez de pintar a igreja de tinta preta". Ela quer movimentar as ferramentas de violência que ainda existem ali e, para isso, está promovendo conversas com outros negros daqueles espaços. Parte deste mesmo movimento, ela diz, é uma revolução que não irá parar, ainda que haja resistência daqueles que querem manter o status quo.

"Não foi à toa que Cristo veio preto e favelado, e veio num ambiente em que a desqualificação e invisibilização era uma realidade, de onde nada de bom podia brotar. Era pra quebrar paradigma mesmo. Não tô falando de um Cristo ativista, estou falando de um Cristo que, sendo homem, era Deus, e veio para destruir, subverter e transgredir todo e qualquer entendimento que se tinha acerca de poder", explica.

Essa movimentação na estrutura de poder que a igreja dos homens - "que é perversa" - está acostumada coloca Fabíola em uma linha de frente complicada. Com sua fala alta e seus gestos expansivos, as críticas existem e a recepção para tal movimentação não é passiva.

"Eu ser uma mulher negra, e que marca a favela na minha fala e na minha vida, é um absurdo. É o mesmo corpo passível de crucificação, porque é o corpo que ofende e subversivo em um espaço pasteurizado, em que as imperfeições, deficiências e necessidades são esquecidas. Isso é um contrassenso absurdo à ideia de Cristo, que disse que veio para quem estava precisando de ajuda", conta.

A marca da favela na sua fala e vida são visíveis, revisitadas a todo o tempo e muito acolhedoras. Negro Drama, que abre esta reportagem, inclusive, foi citada por ela como exemplo de uma das produções que a reconecta com a base. Essa conexão, por um curto período, durante a graduação, esteve perdida. Naquela época ela enxergou na obtenção de um diploma uma redenção para algo que, confessa, nem sabe o quê. Com o passar dos dias, foi tornando para os colegas da universidade do bairro mais rico do Rio uma espécie de bibelô: "Eu podia passar facilmente como uma pretinha 'cult-bacaninha' da zona sul'". Os gestos hoje expansivos, se reduziram. A voz abaixou. As gírias sumiram e quase que a própria identidade também.

Mas observar as exclusões promovidas por aquele espaço a fez despertar, voltar-se novamente para a realidade. Daí, ela entendeu, como também canta os Racionais: "Eu vim da selva / Sou leão / Sou demais pro seu quintal." Uma leoa potente demais pros pés do Pão de Açúcar, e que hoje é vista como exemplo por muitas mulheres negras, inclusive as da própria família, mas que recusa a pecha de empoderadora.

"Vou te empoderar onde, se tu já tem poder? O máximo que eu faço é mostrar o mesmo livro que eu li, apresentar a mesma pessoa que me fomenta à vida. Não tem nada mais salvador que "empoderamento". Eu sou só uma mulher preta que já descobriu o que é, o tipo de fuzuê que eu posso fazer, porque o objetivo é este", conta, aos risos.

E que fuzuê. De carnaval a carnaval, Fabíola caminha com seu projeto Odarah pelos lugares mais abandonados pela sociedade: abrigos e centros de medidas socioeducativas. Por lá, o objetivo é conversar com aqueles jovens, informá-los sobre a vida e apresentar outras perspectivas possíveis.

Outra atuação de Fabíola é, claro, nos espaços acadêmicos. Ela deixa nítido quem é e por quem está ali, sem preocupação em fazer cerimônia e agradar os outros. Sua presença, da forma genuína que é, também é uma afronta. "Dependendo do lugar, eu marco bastante a oralidade da minha comunidade, pra duvidarem mesmo. Se eu 'tô' falando "vagabundo, viado", se eu 'tô' gesticulando muito, se eu não 'tô' com a perna devidamente cruzada, vão duvidar da minha escolaridade e dos meus títulos, porque primeiro vem minha pele", conta.

Após a morte da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), decidiu que devia também firmar-se politicamente. Neste ano, o Odarah irá promover encontros com mulheres negras que buscam mudanças políticas efetivas, mas que decidiram ingressar na política partidária, de fato.

"A Marielle era transgressão, a afronta dentro daquele ambiente [da política institucional]. Quando o corpo dela tombou, caiu nossa esperança e possibilidade de fala. Mas ao mesmo tempo olhamos para o lado e percebemos que se deixássemos nossa voz se esvair com ela, acabou, gente voltaria para o tumbeiro de novo", explica com firmeza.E é deste tumbeiro social, figurado mas às vezes literal, que Fabíola quer tirar aqueles que precisam. Se na equação não tiver ódio, melhor. "Não acredito em proselitismo, e não estou aqui para educar branco, porque eu acredito que é o espírito de Deus que constrói ou destrói paradigmas. Mas eu nao aguento mais carregar ódio no meu coração, o ódio já me adoeceu muito. Não quero mais odiar ninguém, eu quero me reconciliar com a vida, apesar de nunca às custas de silêncio. Mas se a pessoa branca quer se perceber engrenagem dessa violência e acabar com isso, vou caminhar com ela sim", finaliza. Com www.huffpostbrasil.com 



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