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08/01/2009 00:00:00

Especiais


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De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas, foram 161 desovas de cadáveres em Alagoas durante o ano de 2008. A maioria – segundo relatório divulgado pela entidade – ocorreram em matas fechadas, canaviais, terrenos baldios e zonas rurais.

As desovas, além de revelarem o sofrimento de mais de uma centena de famílias que nunca puderam enterrar seus mortos, expõe a deficiência do Centro de Perícias Forenses do Estado de Alagoas e do Instituto Médico Legal Estácio de Lima (IML), que funciona – conforme o próprio diretor do CPFor, Alberi Espíndola – em um prédio irrecuperável. A situação crônica faz com que parte destes cadáveres – geralmente vítimas pobres de regiões periféricas – sejam identificadas “por sorte”.

Os números apresentados pela Ordem dos Advogados do Brasil são um raio-X da situação de órgãos prioritários da segurança pública – conforme o professor da Universidade Federal de Alagoas e responsável pelo Banco de Dados de DNA, Luiz Antônio Ferreira – que poderiam esclarecer crimes e evitar o sentimento de impunidade. “Isto é grave, porque sabemos que parte destas vítimas são mortas por traficantes, por exemplo. Isto facilita a impunidade”, expõe o professor.

Para se ter uma idéia do que o professor Luiz Antônio Ferreira fala, das 161 desovas constadas pela OAB, a partir de um levantamento junto aos órgãos da imprensa, apenas 60 foram identificadas. A maioria das desovas ocorreram no interior do Estado de Alagoas. Foram 90. Em Maceió, 71 corpos foram encontrados. Destes cadáveres, 23 foram achados completamente carbonizados. “Os números nos assustam e vamos cobras as providências cabíveis”, salientou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Gilberto Irineu.

Os números são ainda detalhados pela OAB, que aponta 115 corpos vítimas de arma de fogo, contra 23 de arma branca. Vale ressaltar ainda que estes 161 corpos estão inseridos num universo de mais de 2 mil homicídios registrados em 2008. Para realizar estudos que possibilitam a investigação dos crimes envolvendo vítimas que são enterradas como indigentes, Alagoas enfrenta mais um problema – de acordo com Alberi Espíndola – grave. “No nosso Estado ainda não há laboratório forense”, colocou o diretor do CPFor.

“O Laboratório Forense de Alagoas já vem sendo instalado. Porém, sem ele enfrentamos grandes dificuldades para realizar exames de comprovação de sangue, esperma (casos de violência sexual), dentre outros, o que apresenta empecilhos para a apuração de alguns crimes”, colocou. Porém, Espíndola ressalta fatos positivos, como Alagoas ter uma das melhores estruturas para realização de exames de balística. Mas, na prática, isto ainda tem sido pouco.

Banco de Dados

Alberi Espíndola frisou que – para tentar amenizar o problema – o CPFor fechou um convênio com o Banco de Dados desenvolvido pelo professor Luiz Antônio. “É uma forma de coletarmos dados e fazermos comparações de amostras dos corpos achados, com as informações colhidas de familiares”, ressaltou. De acordo com ele, o convênio está na fase de implantação. No entanto, o Banco de Dados, que é civil e desenvolvido pela Universidade Federal de Alagoas, já está em pleno funcionamento. A dificuldade – conforme Luiz Antônio – é coletar material de DNA das famílias, para que sejam feitas as comparações. O professor coloca ainda que o Instituto Médico Legal Estácio de Lima nunca teve interesse de mandar as amostras de DNA dos corpos sem identificação, para que fossem feitos os procedimentos.

“O que falta mesmo é vontade política”, colocou Luiz Antônio. De forma crítica, o professor dispara: “O IML é um caso à parte. Falta vontade política. É como se eles não obedecessem aos superiores e não mandassem as amostras. Não entendo porque nunca foi feito isto. Não adianta. Esta parceria que está sendo firmada, ela é extra-oficial, porque se passar por alguma autoridade ela emperra. Mas é preciso que o IML de fato seja submetido ao CPFor e não fique agindo à revelia. Não entendo como um órgão tão pequeno, age como quer”.

“A violência existe. Está aí e criar uma parceria com o Banco de Dados, estimulando as famílias a nos procurarem para identificar seus familiares é uma vontade política. É preciso que se divulgue o Banco de Dados, pois a implantação deste projeto possui custo zero, então não é por falta de dinheiro. É uma barbárie uma família não poder enterrar o seu morto. Isto aumenta a sensação de impunidade e só atinge a pobreza. Você já viu um rico não ser identificado ao morrer”, colocou Luiz Antônio.

Luiz Antônio diz que a estrutura precária do IML não pode servir de desculpa, porque o órgão possui condições de mandar amostras para ser feita comparações com os dados coletados das famílias. “Volto a repetir, não entendo porque o órgão nunca encaminhou amostras. O IML precisa estar submetido a alguém e este convênio vai possibilitar um conjunto de normas a serem seguidas”, frisou o professor. Alberi Espíndola assegura que será criada uma rotina técnica para os trabalhos com cadáveres não identificados.

Resistência à idéia

“Não sei de onde vem esta força do IML em ser resistente à idéia”, coloca o professor, que já tentou implantar o projeto outras vezes e só agora viu a idéia avançar. “Entra governo e sai governo e continua a mesma coisa”, conclui o professor. Para Espíndola, o IML sofre da falta de estrutura e funciona em um prédio de condições precárias. “Fizemos melhorias internas, mas aquele prédio não dá mais para ser reformado. É preciso construir uma nova estrutura, que deve custar algo entorno de R$ 12 milhões”, colocou o representante do CPFor.

O Instituto Médico Legal já registrou, inclusive, o sumiço de pelo menos um corpo, que é investigado pelo Ministério Público Estadual. Trata-se do caso do cadáver do jovem Carlos Roberto Rocha do Santos, cujo acusado do crime é o vereador por Maceió, Luiz Pedro (PMN). O caso está na Justiça. Se dependesse do IML, seria mais um corpo a figurar nas estatísticas dos indigentes. Indagado se há ingerência no Instituto, Espíndola nega. Todas estas informações – no entanto – mostram a fragilidade do sistema e contribuem para a não elucidação de crimes que em geral caem no esquecimento, devido ao fato das famílias não possuírem “poder e influência”, como coloca o professor.

Outro ponto revelado pela Ordem dos Advogados e confirmado por Espíndola é o fato do Estado de Alagoas estar longe do número ideal de peritos, o que ocasiona sobrecarga de trabalho. Atualmente são 37 trabalhando. Porém, seriam necessários 564.

Trabalho

Para melhorar toda esta estrutura, segundo o professor Luiz Antônio, é preciso arregaçar as mangas. “Não dá para ficar dizendo que é apenas falta de dinheiro. Sabe como eu fiz o Banco de Dados: acordei cedo e fui trabalhar. É assim que se faz as coisas. Colocando pastas embaixo do braço e indo atrás de parcerias, recursos e trabalho. Com força política se faz as coisas”, disse.

De acordo com Gilberto Irineu, o relatório da Comissão de Direitos Humanos será encaminhada para a Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público Estadual. “Queremos que o MP se posicione e cobre para ver se houve andamento nos inquéritos que apuram estes casos que aqui mostramos. Vamos cobrar para saber como andam cada um destes casos e que sejam esclarecidas as responsabilidades. O Estado tem que ocupar estes espaços de maior vulnerabilidade que são apontados pelo relatório”, concluiu o presidente da Comissão de Direitos Humanos.

com alagoas24horas // luis vilar



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