23/04/2024 11:09:04

Saúde
06/06/2018 15:02:00

Panhipopituarismo: entenda a doença que exige a reposição de quase todos os hormônios


Panhipopituarismo: entenda a doença que exige a reposição de quase todos os hormônios
Ilustração

credito g1

uando teve um tumor em uma glândula do cérebro em 2013, a professora de educação física Roberta Ladeira, 36, não esperava que teria uma rotina de reposição de quase todos os hormônios clássicos essenciais para a vida e de 12 medicamentos diários. Isso porque, com o tumor, ela acabou perdendo a hipófise, glândula considerada "mestre" por controlar todas as outras do corpo.

“Eu não tinha ideia que minha vida seria completamente diferente. Eu nem sabia que isso existia”, conta.

Roberta descobriu o tumor após perceber a visão embaçada e sentir fortes dores na cabeça. Quando procurou o hospital, não teve tempo nem de pensar muito: foi direto para a cirurgia.

Ela lembra apenas que foi avisada um pouco antes do procedimento que havia um risco para a sua visão – já que o câncer pressionava parte do nervo óptico. “Quando acordei, pensei: estou enxergando; então, tudo bem”.

As complicações que mais afetaram sua vida vieram depois, contudo. Um dos primeiros avisos foi quando uma psicóloga entrou no quarto para uma conversa difícil. “Ela veio me avisar que eu não poderia ter mais filhos”, conta.

Como já tinha um filho, a notícia não abalou tanto Roberta. "Mas eu não imaginava que seria assim."

Essa não seria a única notícia. Após a retirada da glândula, Roberta desenvolveu uma doença chamada panhipopituarismo, uma desregulação de quase todos os hormônios clássicos essenciais para a vida. Não há informações exatas sobre a prevalência da doença, mas a condição é considerada rara - quando a doença atinge em média 1,3 pessoas em 2 mil.

A importância da hipófise é tanta que ela também controla a produção de hormônios sexuais e por isso a dificuldade em ter filhos, explica José Antonio Miguel Marcondes, endocrinologista do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.

Por conta da doença, Roberta toma 12 medicamentos todos os dias e periodicamente viaja à Belo Horizonte (MG) para acompanhamento especializado. Ela mora em Coimbra, cidade localizada a 344 km da capital mineira. Ela também parou de dar aulas e de dançar.

"Eu tentei a dança por três anos, mas depois vi que não dava. A pressão caia demais. Ficava muito tonta. Eu saia gelada e tinha taquicardia". conta.

 

 

"Fiquei uma velhinha", brinca.

 

Os hormônios que precisam ser substituídos

ACTH Induz à produção de cortisol, que controla a resposta ao estresse
TSH Estimulante da tireoide, que controla o metabolismo
GH Avisa sobre a necessidade de produção do hormônio do crescimento
FSH Regula a produção de espermatozoides e a maturação de óvulos
PROLACTINA Avisa sobre a necessidade de produção de leite
LH Estimula a produção de testosterona, nos homens, ou de progesterona, nas mulheres

Sérgio Suzuki, neurocirurgião do Núcleo de Neurocirurgia do A.C. Camargo Cancer Center, explica que nem todos os tumores da hipófise vão desencadear a desrregulação de hormônios – que só vai ocorrer quando é preciso remover a glândula.

 

“Poucos tumores da hipófise têm intervenção cirúrgica. A maioria pode ser tratada com medicamentos”, mostra Suzuki.

 

Um outro ponto é que muitos tumores da hipófise não têm manifestação clínica – Suzuki explica que muitos só vão ser descobertos após óbito, quando a morte ocorreu por outras causas.

Segundo a literatura científica, os tumores da hipófise respondem por 10% dos tumores que ocorrem dentro do crânio.

 

A reposição do cortisol e mudanças de humor

 

Um dos principais hormônios que precisam ser substituídos quando a hipófise é retirada é o glicocorticoide, hormônio produzido pelas glândulas suprarrenais. Localizadas logo acima do rim, a glândula produz o cortisol, que ajuda na resposta ao estresse.

O neuroendocrinologista Antônio Ribeiro-Oliveira Jr., professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais, explica que esse hormônio é necessário para a resposta de "luta ou fuga do corpo".

 

 

"Em várias situações de estresse, como uma pneumonia ou uma cirurgia, por exemplo, o corpo precisa produzir mais cortisol para lidar com a nova situação. Esse é um dos hormônios que precisam ser repostos", explica.

 

Segundo o professor, o cortisol vai induzir a adaptações fisiológicas para que o corpo consiga lidar com o novo estado a que foi submetido. "O cortisol também é responsável por induzir uma resposta anti-inflamatória", exemplifica.

Também será necessário substituir os hormônios sexuais tanto no homem quanto na mulher. A ausência da hipófise também provoda alterações de humor, que vão ser tratadas com antidepressivos e moderadores.

 

"As nossas mudanças hormonais causam muitas alterações de temperamento. Essa parte é muito importante. A depressão deixa os pacientes piores que a própria doença", conta Roberta.

 

 
Glândula localizada no cérebro tem função principal na regulação de hormônios (Foto: Igor Estrella/Juliane Souza/Arte G1)Glândula localizada no cérebro tem função principal na regulação de hormônios (Foto: Igor Estrella/Juliane Souza/Arte G1)

Glândula localizada no cérebro tem função principal na regulação de hormônios (Foto: Igor Estrella/Juliane Souza/Arte G1)

 

Um tipo raro de diabetes

 

Pessoas que perdem a hipófise também podem desenvolver um tipo raro de diabetes: a insipidus.

Isso ocorre a hipófise também regula o chamado hormônio antidiurético (que controla a saída de água do corpo). Essa substância é produzida pelo hipotálamo, uma outra glândula, mas é secretado pela hipófise-posterior.

"Sem esse hormônio, o rim perde a capacidade de reter água", explica Marcondes.

Como o corpo acaba perdendo muita água, a concentração de açúcar no sangue aumenta, deflagrando a diabetes.

 

 

"Quando eu estava no hospital, comecei a sentir muita sede e a urina ficava branca. Foi aí que eu descobri também que eu tinha desenvolvido esse tipo de diabetes", diz Roberta.

 

 

A importância dos hormônios e dificuldades

 

O corpo humano é regulado por hormônios, substâncias que "avisam" os órgãos sobre o que deve ser feito e, em algumas circunstâncias, costumam ter efeitos em todo o organismo.

 

"As definições sobre os hormônios mudam o tempo todo. A definição clássica é a de que, em baixas dosagens, eles apresentam efeitos sobre todo o organismo", explica Ribeiro-Oliveira.

 

A prolactina, por exemplo, avisa as mamas quando a produção de leite é necessária. Também o cortisol, dentre várias funções, informa o coração que será necessário bombear mais sangue para lidar com o estresse.

Em situações normais, o organismo libera esses hormônios conforme a necessidade.

Mas no panhipopituarismo não adianta ter a necessidade: o corpo não vai secretar 6 dos nossos hormônios, muitos deles vitais para a vida.

Roberta conta que aprendeu a lidar com a doença, apesar de algumas idas ao hospital, já que nem sempre a reposição de hormônios com medicamentos consegue reproduzir o ajuste natural que é feito o tempo todo no organismo.

Ela também montou uma associação a PanDI, que tenta ajudar pessoas com os desafios de tantos medicamentos e acompanhamentos periódicos.

"Muita gente não trata direito os sintomas e não relaciona o que está sentindo com a doença. É comum ver pessoas com depressão, pensando em suicídio, por exemplo, sem saber que esse é um aspecto que deve ser tratado", conta.

Mas outro desafio para para quem tem a condição é conseguir medicamentos de alto custo. Roberta entrou na Justiça em 2015 contra o estado de Minas Gerais para receber injeção para o hormônio do crescimento, que tem custo de R$ 900 cada (ela usa duas por mês).

Apesar de ter causa ganha, entanto, e várias liminares, ela deixou de receber periodicamente o medicamento desde junho de 2016.

"Eu acredito que não estão dando prioridade para a gente. Tão deixando a gente morrer mesmo", desabafa.

G1 entrou em contato com a Secretária Estadual de Saúde de Minas Gerais, que informou ter feito o pedido para a compra do medicamento, mas houve um problema com o fornecedor. Segundo a pasta, há dificuldades com a fabricação da injeção na forma de caneta.

A secretaria informa ainda que realizou um processo licitatório para a compra do medicamento na apresentação de ampola e aguarda a entrega por um novo fornecedor.

"Sendo assim, tão logo seja entregue, o mesmo será disponibilizado na apresentação ampola", concluiu a pasta, em nota.

 
Roberta juntou grupo e criou associação para divulgar informações sobre o pan-hipopituarismo e diabetes insipidus (Foto: Arquivo pessoal )Roberta juntou grupo e criou associação para divulgar informações sobre o pan-hipopituarismo e diabetes insipidus (Foto: Arquivo pessoal )

Roberta juntou grupo e criou associação para divulgar informações sobre o pan-hipopituarismo e diabetes insipidus (Foto: Arquivo pessoal )

Os 12 medicamentos usados na perda da hipófise

  • Puran T4 – Repõe os hormônios da tireoide, glândula cujos hormônios controlam o metabolismo;
  • Livial – Ajuda a repor o estrogênio, hormônio feminino;
  • Acetato de Desmopressina – Spray nasal usado para o controle da diabetes insipidus, condição do aumento da glicose pela excreção excessiva de urina;
  • Slow-K – Ajuda a repor a ausência de potássio no sangue;
  • Prednisona – Ajuda a substituir a cortisona, um tipo de hormônio produzido pela suprarrenal;
  • Suplemento de cálcio – Repõe o cálcio em alguns casos. É necessário por disfunções da paratireoide, que secretam o paratormônio, que ajuda a regular os níveis de cálcio no sangue;
  • Fluoxetina – O antidepressivo é indicado para as alterações de humor provocadas pelas mudanças hormonais;
  • Divalproex – Moderador de humor também usado para as alterações de humor;
  • Alprazolan – Um tipo de ansiolítico usado para o controle da ansiedade;
  • Sinvastatina – Usado para o controle do colesterol;
  • Injeção Genotropin – Hormônio do crescimento. Ele é usado nesse caso para ajudar na manutenção da massa magra e no controle da osteoporose.


Enquete
Na Eleição de outubro, você votaria nos candidatos da situação ou da oposição?
Total de votos: 39
Notícias Agora
Google News