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25/12/2008 00:00:00

Especiais


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Quando os cristãos passaram a celebrar o Natal, instituído pelo papa Libério no ano 354, tomaram emprestada uma data já cultuada em celebrações pagãs. O solstício de inverno, a noite mais longa do ano no Hemisfério Norte, era festejado havia séculos. Entre os persas, comemorava-se o “nascimento do deus sol invencível” – ou Mitra, divindade que, segundo a mitologia, teria se aliado ao astro rei para garantir luz e calor na Terra.

No solstício, tem-se a impressão de que o Sol será vencido. Mas ele ressurge, invencível. No Império Romano, a Saturnália começava em 17 de dezembro e durava 12 dias. Havia grandes jantares, enfeitavam-se as árvores e trocavam-se presentes – símbolos de uma prosperidade vindoura. Ao cristianizar as festas pagãs, a Igreja Católica adotou o dia 25 de dezembro como o do nascimento de Jesus, identificando Cristo com o Sol que os pagãos veneravam.

A idéia associada ao Natal é que o menino Jesus ilumina as pessoas que estão na penumbra, na escuridão, diz Fernando Altemeyer, professor de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: “Quando as pessoas encontram o amor de Deus, as coisas mais difíceis podem ser amenizadas. Assim, elas podem conseguir reconstruir a sua vida”.

Ao associar a esperança de prosperidade dos cultos pagãos ao nascimento de Cristo e aos ensinamentos que ele deixou, o Natal se converteu numa data carregada de simbologias ligadas à vida, à fé e à perseverança.

A cena reproduzida nesta página, pintada no século XIX pelo francês Jean-Hyppolite Flandrin (1809–1864) na capela de St. Germain-des-Prés, em Paris, transmite essa idéia. Ela mostra a chegada do Cristo a Jerusalém, evento que teria sido previsto pelo profeta Zacarias. Segundo o Antigo Testamento, o Messias entraria em Jerusalém para as festas de Páscoa em cima de um jumento. Jesus é então reconhecido rei, o rei do reino dos céus. É uma comemoração da Paixão.

Durante os primeiros séculos, a Igreja Católica só festejou a Paixão de Cristo na Páscoa. Com o tempo, ficou claro que, para confirmar a ressurreição, era importante celebrar também o nascimento de Jesus. Foi assim que, a partir do século IV, o Natal se tornou a data fundamental do calendário religioso dos católicos. De lá para cá, ela evoca a transcendência fundamentada na crença de que Deus se fez homem para salvar a humanidade. O Natal é o momento em que Deus se “rebaixa” para erguer e resgatar a humanidade.

Para quem viveu uma situação dramática, a chegada do Natal traz a perspectiva de novos sentidos onde só havia escuridão. “Até mesmo uma mãe que perdeu um filho pode perceber o apoio que recebeu das pessoas que jamais imaginou que iriam confortá-la”, afirma o teólogo Altemeyer. Mãe da menina Isabella, que morreu assassinada aos 5 anos, em março, no crime que mais chocou a sociedade brasileira em 2008, Ana Carolina de Oliveira vive o desafio de seguir em frente depois da tragédia. Isso exige uma fé em permanente renovação. “Não tenho como não lembrar dos momentos tão especiais de cumplicidade”, diz Ana Carolina. “Isso me faz muita falta. Eu sempre gostei do Natal e passava todos esses momentos com a minha filha. Montávamos a árvore, escrevíamos a cartinha do Papai Noel. Tentava mostrar para ela o verdadeiro espírito do Natal, nada material, e sim a história do menino Jesus. Imaginar que não tenho mais essas coisas me deixa muito triste.”

Ana Carolina diz que o apoio familiar, as sessões de terapia e sobretudo a fé a ajudam a seguir em frente. “Quando o indivíduo tem religião e acredita que aquela era a hora em que o ente querido tinha de morrer, costuma se recuperar com mais facilidade”, diz Valéria Tinoco, psicóloga de um instituto paulistano especializado em luto. “Elaborar o luto não é sofrer mais. É pensar em projetos futuros, em relações com pessoas novas. É dar mais espaço para a vida do que para a tristeza. Enquanto se está de luto, a vida deixa de ser interessante. Quando a vida volta, a dor pode coexistir. A dor existe, mas ela não é única.”

Assim como a fé, a capacidade de superação deriva do que alguns filósofos chamam de “transcendência”. “Em nossa sociedade, a fé é importante porque, entre outros fatores, ela expressa que as coisas podem ser diferentes e que não é adequado adotar uma postura de resignação diante dos desafios”, afirma o teólogo e filósofo Pedro Lima Vasconcellos, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica.

Num passado recente, dizia-se que o avanço da ciência e da tecnologia faria as religiões desaparecer. Ainda que o número de ateus possa ter aumentado, vê-se também um ressurgimento da religiosidade. O que explica essa explosão? Para os estudiosos, as pessoas ainda precisam da religião para lidar com as tragédias e acreditar que elas tenham algum propósito, algum sentido.

Foi isso que o professor de futsal Francisco Ludwig, conhecido como Francis, tentou encontrar depois das enchentes que castigaram Santa Catarina. Ele vive em Blumenau, é casado e tem três filhos. Sua vida mudou na noite de 23 de novembro, quando as chuvas destruíram sua casa e a de quase todos os seus vizinhos. Francis levou os desabrigados para o Colégio Shalom, ligado à Igreja Batista, onde ele leciona. “Chegamos a acolher 120 pessoas ao mesmo tempo”, afirma. “Procurei motivá-las. Dizia que Deus quer nos mostrar que devemos ser solidários e humildes.” Segundo ele, o tempo de convivência no abrigo serviu para unir as pessoas. Muitas que se conheceram ali se tornaram amigas e foram morar juntas – seja pela amizade, seja para dividir os gastos enquanto a situação continua precária.

com revista época //



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