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Comportamento
11/02/2018 14:30:11

Fingir orgasmo: A história de mulheres que nunca conseguiram gozar com parceiros


Fingir orgasmo: A história de mulheres que nunca conseguiram gozar com parceiros
Ilustração

Quando eu era adolescente, ouvia animada as amigas que já trepavam enumerando as vantagens de termos nascido mulheres nesse mundo transante.

A década de 90, quando eu era uma jovem nariguda que sonhava com uma futura redução de mamas, era um lugar muito mais machista do que o que vivemos atualmente – sim, amiguinhos, isso é possível -, de modo que, entre os tais benefícios femininos listados pelas colegas, estavam coisas como, por exemplo, os supostos privilégios de não precisar pagar a conta do motel, ter alguém para abrir a porta do carro no primeiro encontro, e a possibilidade de fingir orgasmos.

Confesso que a parte da conta e do carro nunca me apeteceram, talvez porque eu já enxergasse ali um sexismo contra o qual lutaria na vida adulta, ou talvez porque os caras com quem eu ficava, e que um dia eu poderia me relacionar, certamente não teriam grana para me botar dentro de um carro, muito menos de uma suíte com hidromassagem.

Enfim. Sei que a única questão que me martelava a cabeça entre aquele rol de regalias femininas, e que eu cogitava adotar quando minha hora chegasse, era o tal do gozo de mentira. Mas, por que raios seria legal dissimular meu prazer, especialmente se fosse apenas em prol da felicidade vaidosa de outra pessoa?

Devia haver algum ganho naquilo. E, o que me explicavam as mulheres mais experientes era que, se eu um dia estivesse cansada, se o cara ou a mina com quem eu fosse para cama estivessem demorando demais para me fazer chegar a algum lugar, ou mesmo se, de fato, a ideia fosse agradar a pessoa revirando os olhos e sugerindo que aquele fora o melhor sexo de toda minha vida, eu tinha na manga o trunfo da dissimulação. Ufa, que... sorte?

"Três anos fingindo orgasmo deve servir para uma entrevista, pelo menos", comentou Aline* em um post que fiz no Facebook à procura de mulheres que se identificassem com o tema. Junto com ela, outras 328 garotas se manifestaram – destas, 90% respondiam à minha pergunta sobre já terem fingido orgasmo alguma vez na vida com um destemido "sim".

Ok, a postagem constava de um grupo secreto na rede social, visível e acessível apenas a convidadas, mas, ainda assim, admitir algo desta proporção diante de mil desconhecidas não é algo que se veja acontecer todos os dias.

Admitir, aliás, é a palavra-chave aqui. De acordo com a psicóloga Marina Simas de Lima, especialista em sexualidade humana pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), coordenado pela médica Carmita Abdo, uma pesquisa do Projeto Sexualidade (Prosex) mostra que 56% das brasileiras não conseguem chegar lá. "A anorgasmia é um problema real, que atinge muitas mulheres", alerta.

"A mulher pode fingir orgasmo por não conhecer e por não saber lidar com o próprio corpo, por não ser bem estimulada pelo parceiro, ou, ainda, para não gerar um desconforto na relação a dois", explica a psicóloga.

Portanto, se tantas de nós passam pela mesma situação, de não conseguir gozar e não se sentirem à vontade para dividir isso com o parceiro ou parceira, deve haver algo de errado nessa equação. Mas o quê, especificamente?

Carol*, que também atendeu ao meu chamado virtual, explica que às vezes se sente pressionada a gozar, mas "não sabe muito bem o por quê". Aos 23 anos, ela conta que nunca teve problemas para chegar ao orgasmo sozinha, mas que, com um parceiro, só conseguiu "três ou quatro vezes". Ao longo de um ano de relacionamento – o namoro mais longo que teve – Carol* admite que fingiu todas as transas. "Contei para ele que fingia, porque não sabia como era um orgasmo. Ele foi meu primeiro parceiro, e eu queria me entender melhor".

A reação do rapaz? "Foi a pior possível. Ele disse, com raiva, que eu parecia uma atriz pornô, porque fingia muito bem. Eu finjo orgasmo com todo parceiro novo, mas não sei exatamente por que. Não é uma atitude deles, pelo menos uma que eu saiba identificar. Acho que é por insegurança, porque sei que vou demorar mais do que provavelmente ele vai aguentar, mesmo não sabendo o que vai acontecer", conta.

A psicóloga Marina explica que este é um comportamento comum entre os homens que são avisados sobre a dificuldade das parceiras em atingir o orgasmo. "Principalmente os mais machistas e experientes podem se sentir ofendidos. Os mais inexperientes podem se sentir culpados ou inábeis, o que gera vergonha", avalia.

Sexóloga e psiquiatra pela Universidade Federal do Estado de S. Paulo (UNIFESP), Marina Milograna Zaneti reforça que é fundamental deixar claro que o fato de a mulher enfrentar o medo de se abrir não tem nada a ver com coragem, mas, sim, de enxergar que se trata de algo que deveria acontecer de maneira natural em um relacionamento.

"Se ela buscar conhecer os motivos pelos quais isso está acontecendo, vai conseguir explicar para o parceiro ou parceira o porquê de aquilo ter acontecido, e por que, na ocasião, existiu o fingimento ou a ausência do orgasmo", acredita Zaneti. "Assim, o outro saberá e não ficará com a sensação de culpa, de que tem a ver com algo que ele tenha feito ou deixado de fazer naquele momento. Porque, mesmo que envolva a parceria, faltou antes um diálogo de orientação, de explicação, de como fazer o estímulo. Em toda relação, a via é bidirecional."

Para Marina de Lima, "o outro não tem como descobrir sozinho aquilo que nos dá prazer". Por isso, o papel da mulher na busca pelo próprio prazer deveria ser proativo e mostrando à pessoa com quem ela está na cama tudo aquilo de que gosta ou que pode ser feito para melhorar, como, por exemplo, mais preliminares, masturbação, sexo oral, lubrificação, massagem, toque e carinho. "Faça nele o que gostaria que ele fizesse em você. Essa é uma dica que pode ajudar a mudar o padrão da relação sexual".

Aqui, no entanto, cabe uma ressalva. Se já não parece simples abrir o jogo a esse respeito com o parceiro quando se sabe o que poderia ser feito para mudar o panorama, imagine quando a mulher desconhece os comandos que levam à sua satisfação.

De acordo com a mesma pesquisa do Prosex, 40% das brasileiras não se masturbam. "Esse é um destaque muito importante na área da sexualidade humana, já que a masturbação é uma das chaves essenciais para conhecer o próprio corpo, suas zonas de prazer e entender como conseguimos alcançar o orgasmo", aponta Marina de Lima.

Talita* tem 39 anos. Foi casada por uma década com um parceiro para quem, conforme ela conta, ficar sem sexo não era um problema. "Se transamos duas ou três vezes por ano, estou chutando muito alto", lembra. E, mesmo durante essas 30 relações que ela e o marido talvez tenham tido ao longo do relacionamento, Talita nunca alcançou o orgasmo.

"Eu nunca gozei com nenhum namorado que eu tive", revela a farmacêutica, que, no entanto, não enfrentava qualquer tipo de dificuldade para gozar sozinha. Há dois meses, Talita* namora um rapaz que fez com que sua rotina na cama mudasse da água para o vinho. "Agora, descobri o que é ter um orgasmo de verdade acompanhada. Meu namorado se preocupa demais com meu prazer e, enquanto eu não gozar, ele não para".

De acordo com os profissionais, mesmo em relacionamentos longos, quando, a exemplo do que acontecia com Talita*, a mulher vem fingindo o prazer desde o início, já há anos, é possível, sim, revelar a verdade ao parceiro ou parceira. "É sempre válido buscar melhorar a vida sexual, se conhecer e entender o que está acontecendo individualmente ou na dinâmica do casal", considera a psiquiatra Zaneti.

Marina de Lima concorda. "Sempre é possível abrir o jogo. A fase da relação muda, o grau de confiança nos parceiros muda. Aproveite para se reinventar e ter prazer de verdade. Mesmo porque, depois da menopausa, pode ser preciso mais ajuda para ter o orgasmo".

Caso apenas o hábito de se masturbar sozinha não ajude o suficiente para que a mulher consiga gozar junto com outra pessoa, as mulheres podem buscar informação em livros e na internet, bem como a orientação de profissionais relacionados de alguma maneira à sexualidade, como, por exemplo, ginecologistas, terapeutas sexuais e mesmo psiquiatras, que podem ajudar a sanar dúvidas e quaisquer causas psicológicas responsáveis pela anorgasmia.

Zaneti, no entanto, recomenda cautela na escolha do especialista. "Sabemos que existe ainda um ranço moralista da sociedade quanto a este assunto, e, infelizmente, até mesmo dentro da comunidade médica de uma forma geral. Existem profissionais que não estão capacitados a abordar a sexualidade. Então, sempre que possível, as mulheres devem procurar alguém da área que possa tratar disso da forma correta, e que não cause mais traumas do que muitas vezes já existem".

A psiquiatra aponta a educação sexual rígida ainda presente em diversas famílias brasileiras, assim como a repressão e o envolvimento com as religiões que são contra o prazer sexual, como fatores complicadores no caminho trilhado pelas mulheres em busca da libertação e realização na cama. De modo que, por mais que o quadro atual seja de um maior número de casais dispostos a conversar sobre sexo, na opinião de Zaneti não são todos que têm informação e entendimento suficientes.

"Fora o pensamento machista, que ainda é muito comum na nossa sociedade, em que a mulher não pode sentir prazer, não deve, em que a mulher deve ser recatada e deixar o prazer sexual apenas para o homem", avalia a psiquiatra. "Antes da revolução sexual no século passado, a mulher não podia expressar seu prazer, e era, inclusive, valorizado que a 'mulher direita' não chegasse ao orgasmo. Era algo permitido apenas aos homens e às prostitutas."

Zaneti diz esperar que as gerações futuras possam ter mais informação a partir, principalmente, da educação sexual durante seu desenvolvimento – daí a importância de que mães e pais conversem o mais abertamente possível com suas filhas, do mesmo modo que, há séculos, as famílias conversam com seus meninos, ressaltando a importância do próprio prazer e o mapa da mina para que se chegue até ele.

"O sexo precisa ser bom para os dois", resume Marina de Lima. "E isso só irá se resolver na conversa, no entendimento entre o casal, que nem sempre pode ser fácil, mas é fundamental. O diálogo com o parceiro ou parceira, a visita aos médicos, tudo isso facilita a comunicação. Busque ajuda, não sofra sozinha".

http://www.huffpostbrasil.com



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