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Saúde
09/01/2018 07:06:16

Epilepsia: o risco que correm os pacientes diagnosticados


Epilepsia: o risco que correm os pacientes diagnosticados
Ilustração

De repente, um apagão. Era um dia normal para a adolescente Lúcia Okaeda. Ela já havia feito sua lição de casa e tomado banho, e assistia à televisão enquanto o jantar não ficava pronto. E isso é tudo de que consegue se lembrar. Da cozinha, sua mãe escutou um grito de pavor. Chegou a tempo de ver todos os músculos da menina se contorcendo de forma desordenada. Ela estava tendo uma convulsão.

A consciência só voltou já dentro da ambulância, encaminhada às pressas para o pronto-socorro. Aos 14 anos, Lúcia foi diagnosticada com epilepsia — estima-se que entre 1% e 2% da população sofram com o distúrbio. Foram três dias sob observação no hospital antes de receber alta, levando para casa uma receita de fenobarbital, o famigerado Gardenal. A droga, porém, não combinava muito com o estilo de vida da jovem. Tudo que Lúcia conseguia sentir era sono. Efeito do remédio. Sem mais crises, dois meses depois ela abandonou o tratamento. Seu corpo a ajudou a esquecer a doença.

Foi só aos 30 anos que Lúcia teve a segunda convulsão. Repetiu o roteiro: pronto-socorro, neurologista, remédio, sono. Ela esperava que, como da primeira vez, a próxima crise demorasse a chegar — mas foram mais seis convulsões antes de seu 33º aniversário. Na última, uma queda mais brusca resultou em fratura no ombro e serviu de alerta para Lúcia. Ela precisava se cuidar.

Depois disso, foram seis anos de sonolência, mas sem crises. Até que, em comum acordo com seu neurologista, ela decidiu suspender o tratamento mais uma vez. “Os exames mostravam que estava tudo bem. Não entendia o sentido de continuar tomando um remédio que me fazia mal.” A liberdade durou cerca de um ano e meio. Lúcia tomava banho quando sua filha ouviu o mesmo grito de pavor escutado pela avó anos atrás.

A técnica em radiologia começou, então, uma peregrinação por consultórios médicos (“as conversas não duravam nem cinco minutos, era angustiante”) até finalmente receber as informações que procurava. Depois de 25 anos, de algumas fraturas e de uma labirintite em decorrência das quedas, Lúcia entendeu de fato o que se passava no seu corpo quando ouviu falar pela primeira vez da SUDEP, sigla em inglês para morte súbita e inesperada em epilepsia. Excluindo os acidentes, essa é a principal causa de óbito entre pessoas que têm a doença, ainda que a maior parte delas nunca tenha sido informada desse risco.

MORTES MISTERIOSAS

O gaúcho Josemir Sander nunca atendeu no Brasil. Depois de se formar em Medicina pela Universidade Federal do Paraná, foi para Londres e se especializou em neurologia. Radicado na capital inglesa, adotou um nome mais sonoro à língua local. Hoje, Ley Sander é um dos principais especialistas em epilepsia e SUDEP do mundo.

Tudo começou em 1993. Médico-residente no hospital universitário onde hoje é professor, na University College London, acompanhava diversos pacientes vindos de outros países. Era comum que alguns ficassem um tempo sem aparecer, muitas vezes por terem retornado aos países de origem. Foi o que o médico pensou ter acontecido com um paciente paquistanês — até ser reconhecido pelo irmão dele nas ruas de Londres. “Você não sabe? Meu irmão morreu”, disse o rapaz. “Aquilo me deixou consternado”, lembra Sander. “Foi então que peguei minha lista de pacientes, fiz um levantamento dos que estavam faltando às consultas e descobri que alguns haviam morrido — a maior parte nas condições que hoje em dia chamamos de SUDEP.”

Livros de medicina do século 19 já relatavam a morte súbita de pessoas com epilepsia sem nenhuma outra causa aparente. Porém, com o aparecimento das drogas antiepilépticas, o assunto caiu no esquecimento, como se o problema estivesse resolvido. A estimativa é de que anualmente um a cada mil pacientes com epilepsia morre de SUDEP. São 200 casos por ano só no Brasil. Falta saber os motivos.

É difícil para os médicos definir qual mecanismo dispara essas crises em cada paciente — 40% dos adultos são portadores de epilepsia criptogênica, um nome rebuscado usado quando não se faz ideia do que provoca o distúrbio. A predisposição à epilepsia também muda de acordo com a genética. “Se você estimular eletricamente o cérebro, qualquer pessoa vai ter uma crise. Algumas desenvolvem uma crise com 30 watts, outras com 45 watts, outras com 60 watts. Mas se for até 65 watts, todo mundo vai ter. Provavelmente, é a genética que determina esse limite”, explica Sanders.

O que se sabe também é que esse turbilhão elétrico deixa marcas no organismo. Quanto mais frequentes forem as crises, maior será esse impacto. Mapear essas alterações é o próximo e mais desafiador passo. E, como a ética impede que as crises sejam provocadas em seres humanos, são os ratos de laboratório que assumem o fardo.

CONHECIMENTO QUE SALVA

O neurofisiologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Fúlvio Scorza comanda um dos únicos estudos sobre a SUDEP no Brasil. “A ciência ainda não conseguiu entender todo o processo de conexão do sistema nervoso com o restante do corpo. Talvez nem vá entender. Então, começa a dar chutes”, diz ele. “Isso é o bacana da ciência. Você vai buscando as causas em um processo muito longo, cada hora traçando uma meta e isolando variáveis.”

A maior parte das crises epilépticas são autocontidas — em 99% dos casos, elas param sozinhas. O que não está muito claro é o mecanismo que existe por trás disso. Experimentos com animais mostraram que, durante a convulsão, o cérebro libera opioides que cortam a crise. Quando há muitas crises, no entanto, essas proteínas são produzidas em excesso, fazendo com que o sistema respiratório entre em colapso. É como uma overdose provocada pelo próprio organismo.

O provável é que, assim como a própria epilepsia, a morte súbita também seja causada por diversos fatores. Mas uma coisa é certa: quanto mais crises, maior o risco. Se um indivíduo apresentar de uma a duas crises por ano, a chance de ter SUDEP é três vezes maior do que para alguém sem crises; de três a 12 crises por ano, a probabilidade é oito vezes maior; e dez vezes maior para quem tem mais de 13 crises por ano.

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O único caminho conhecido é evitar ao máximo a recorrência das crises. E, além de medicamentos e cirurgias nos casos de difícil controle, a informação é outra ferramenta importante. “Ainda existe muito estigma. Acreditava-se que a epilepsia era uma doença espiritual. Diziam que se espalhava pela saliva...”, conta Scorza. Lúcia sentiu o preconceito na pele. “Demorei muito tempo para aceitar que eu tinha essa doença justamente por conta da intolerância das pessoas. Quando você procura um emprego e coloca na ficha que é epilético, você não entra. Simples assim”, diz. “Já perdi duas vagas porque fui sincera.”

A situação é ainda mais delicada quando o tema é morte súbita. Boa parte dos neurologistas acredita que avisar sobre a SUDEP pode deixar o paciente ainda mais estressado — e o estresse é justamente um dos fatores desencadeadores de crises. Como a ciência também ainda não fornece muitas respostas, vários médicos preferem simplesmente não dizer nada. “Eu nunca tinha escutado falar em morte súbita. Fiquei assustada”, lembra Lúcia. “Só me acalmei quando entendi a importância da medicação certa. Dose exata, horário correto. Se formos bem assistidos, não corremos esse risco.”

A conscientização de médicos, pacientes, familiares e da sociedade como um todo é fundamental para que a doença deixe de ser um problema maior do que realmente é. “Falar de morte súbita ajuda na adesão ao tratamento”, destaca Kette Valente, neurologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e médica de Lúcia. O consenso atual nos principais congressos de medicina dos Estados Unidos e da Europa, que servem de diretriz para a conduta dos médicos em todo o mundo, é de que os pacientes têm direito de saber da sua condição. Parece básico, mas isso pode fazer toda a diferença para pacientes como Lúcia: “Se eu soubesse desde o começo, nunca teria parado de tomar o remédio. E aí, talvez eu tivesse levado uma vida longe das crises”.

PERGUNTAS FREQUENTES
As respostas para as dúvidas mais comuns sobre epilepsia

O que é epilepsia?

É uma alteração temporária do funcionamento do cérebro. Durante alguns minutos, parte do cérebro emite sinais incorretos — que podem ficar restritos a esse local, nas crises focais, ou envolver os dois hemisférios cerebrais, nas crises generalizadas.

Quem tem?

É a doença neurológica grave mais comum do mundo. Nos países desenvolvidos, a incidência da epilepsia é de aproximadamente 50 casos a cada 100 mil pessoas todos os anos. Nos países em desenvolvimento, são novos cem casos a cada 100 mil pessoas anualmente. Os fatores mais frequentes são tumores encefálicos, traumatismo cranioencefálico, acidente vascular encefálico e infecções do sistema nervoso central.

O que é SUDEP?

Sigla em inglês para morte súbita e inesperada para pacientes com epilepsia.

Quem corre risco de SUDEP?

A incidência da SUDEP é considerada alta em pacientes com epilepsia crônica e maior nos indivíduos de difícil tratamento farmacológico. Alguns fatores podem ser considerados de risco: idade, início precoce das epilepsias, tempo de duração das epilepsias, não controle e frequência das crises epilépticas, tipos de crises epilépticas, regime de drogas antiepilépticas adotado e temperaturas frias.

Como evitar?

Reduzir a incidência de crises é o único caminho. Para isso, é fundamental o reconhecimento pelo médico do tipo de síndrome epiléptica do paciente, proporcionando o tratamento correto para aquela pessoa.

AS RAÍZES DA CONVULSÃO
As crises são provocadas por uma espécie de curto-circuito no cérebro

 

 

6 coisas incríveis que o seu cérebro consegue fazer

Revista Galileu - Você sabe o que Sigmund Freud e especialistas de neurociência têm em comum? Eles concordam que o cérebro possui uma capacidade excepcional de realizar atividades sem o envolvimento da consciência — ou seja, sem você nem perceber. Abaixo, confira algumas proezas da mente. 

Se programar para levantar
Um estudo da Universidade de Lubeck, na Alemanha, colocou voluntários para dormir à meia-noite durante três noites. Os participantes foram divididos em dois grupos, sendo que um seria acordado às nove, e outro às seis da manhã. Entretanto, com a turma das nove, os pesquisadores adiantaram o horário de despertar, e os acordaram também às seis. 

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Quem foi acordado às seis da manhã teve um pico de corticotrofina — hormônio do estresse — no organismo durante quatro e meia da madrugada e seis da manhã. Já as pessoas que foram acordadas de surpresa às seis não tiveram esse problema. Para os especialistas, o inconsciente pode ativar o relógio biológico para acelerar o processo de despertar.

Tomar decisões complexas
Uma pesquisa da Universidade de Nijmegen, na Holanda, apontou que o subconsciente consegue fazer melhores escolhas do que o consciente. De acordo com a análise, se distrair do problema pode ser um bom fator porque o inconsciente consegue ir além da capacidade da memória ativa no momento da decisão. 

O resultado pode parecer ser bom demais para ser verdade. Tanto que diversos cientistas tentraram replicar o estudo, mas não tiveram sucesso. Contudo, Ap Dijksterhuis, autor da pesquisa em Nijmegen, segue confiante no diagnóstico que ele e sua equipe fizeram. 

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Entender rapidamente o caráter das pessoas
No começo dos anos 1990, pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, pediram que voluntários dessem notas para professores de acordo com as seguintes características: competência, confiança e honestidade. Os participantes puderam observá-los por clipes de vídeos que duravam dois, cinco ou dez segundos. 

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Os resultados previram as avaliações do fim do semestre, feitas pelos alunos. As impressões de dois segundos foram mais precisas do que as mais longas. Para os especialistas, a linguagem corporal é entendida pelo subconsciente, que consegue 'classificar' a personalidade de alguém. 

Saber onde os membros estão — sem pensar 
Graças ao inconsciente, é possível saber o que os membros do corpo estão fazendo e onde eles estão. A habilidade, chamada de propriocepção, é resultado da conversa constante entre o corpo e o cérebro. Ou seja, dos nervos e músculos e das sensações de fora do corpo. 

"O cérebro sabe onde o corpo termina e o onde ambiente exterior começa", disse Arvid Guterstam, do Instituto Karolinska, na Suécia. 

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Desenvolver hábitos
O corpo estriado, região do cerebral, é responsável por formar hábitos recorrentes. Quando você faz algo, como dirigir ou preparar um café, o córtex pré-frontal — envolvido em tarefas complexas — se comunica com o estriado, que envia sinais para ativar movimentos.  

Com o tempo, os sinais são substituídos pela ligação do estriado com o córtex motor. Esses ciclos, junto com os circuitos de memória, permite a repetição de ações sem ser necessário o pensamento. 

Identificar sons e imagens antecipadamente
Estudos mostraram que quando as pessoas esperam que um som ou imagem apareça, o cérebro gera um sinal antecipado com sensores do córtex. 

A habilidade de estar um passo à frente é importante para entender discursos. "O cérebro continuamente prevê sons, palavas e significados que as pessoas estão tentanto produzir ou comunicar", falou Matt Davis, da Universidade de Cambridge. "Apenas notamos um objeto quando o inconsciente calcua sua importância." 

Outras pesquisas também apontaram que o cérebro consegue usar sensores para informar. Ao escutar a gravação de um discurso, por exemplo, no qual o áudio está com uma má qualidade, as palavras ficam mais claras caso a pessoa já tenha lido o termo em algum lugar. "Os sensores no cérebro estão comparando o discurso que você ouviu com o que você previu", explicou Davis. 

(Com informações de New Scientist)

Fonte Revista Galileu



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