http://www.dw.com/pt-br - Caros brasileiros,
Tive o
privilégio de passar o réveillon na praia de Copacabana. Realmente, é um
espetáculo sensacional e alucinante. O céu escuro do anoitecer se torna
brilhante e multicolorido com os fogos de artifício. As pessoas fazendo
promessas e votos para que este novo ano seja melhor que 2017. Entre os desejos
mais citados pelos cariocas, em um ano de eleições, estão a redução da
violência, a geração de empregos e um basta na corrupção.
Que assim seja!
Espero que esses bons desejos sejam realizados e que um pouquinho desse
espírito de réveillon seja vivido todos os dias. No fundo, tenho até uma certa
inveja dessa esperança serena que une muitos brasileiros. Essa fé de que amanhã
tudo será melhor e de que os contratempos serão vencidos é realmente
admirável.
Nesta coluna, eu
gostaria de compartilhar com vocês essa minha admiração pelo Brasil, que mudou
e marcou a minha vida profissional e pessoal. Conheci o país quando trabalhei
como correspondente do diário alemão taz, de Berlim, entre 1989 e
1997. Desde então, acompanho o desenvolvimento brasileiro.
Como vocês
sabem, até melhor do que eu, o Brasil é um sobe e desce que exige paixão e
paciência. E a arte bem brasileira de viver. É um dom e ao mesmo tempo um
desafio constante, que deve ser aprendido e praticado no dia a dia.
O meu primeiro
mestre nessa matéria foi um morador da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Um
dia, ele me convidou para conhecer a casa e a família dele e me levou a um
tour pela comunidade. "Aqui é o melhor lugar para se morar no Rio",
ele me disse convicto. "Temos a melhor vista da cidade, escola, creche,
posto de saúde, bancos e podemos até comprar bilhetes de ônibus
interurbano."
Até hoje eu me
lembro dessas palavras. Elas me deixaram atônitas. Como alguém que ganhava um
ou dois salários mínimos e morava numa casa toda apertada com banheiro
improvisado achava que isso era o melhor lugar para se viver? Como alguém que
tinha que contar cada centavo e lutava para pagar as contas no final do mês
podia ser tão contente?
As manchetes
sobre a Rocinha naquela época eram negativas. Os moradores do morro com a visão
privilegiada para os pontos de cartão postal do Rio de Janeiro sofriam com a
violência dos traficantes e da polícia, com a falta de água, luz e
serviços públicos e com os preços abusivos do material de construção. Os
problemas continuam até hoje. No primeiro dia deste ano, já houve tiroteio
entre policiais e traficantes.
Apesar da
violência, morar na Rocinha é algo cobiçado e caro. A especulação imobiliária
não termina no asfalto, ela se estende para a maior favela da América Latina.
Nenhum prefeito do Rio, nenhuma associação de moradores e nenhum instituto de
preservação do meio ambiente conseguiu frear o avanço da construção de casas
dentro da Floresta da Tijuca, parte do Parque Nacional dentro da cidade do
Rio de Janeiro que se avizinha à comunidade da Rocinha.
As palavras do
morador da favela que me convidou para conhecer a casa dele ampliaram o meu
olhar. Quanto mais eu mergulhava nesse microcosmo, mais eu percebia que a
Rocinha era um espelho da sociedade brasileira. Até então, eu olhava para as
favelas como redutos de pobreza e violência. Mas percebi que essa postura
era limitada e preconceituosa e transformava os moradores em vítimas, em
vez de cidadãos com direitos negados.
Essa perspectiva
mudou a abordagem de todas as minhas reportagens, não somente sobre a Rocinha.
Rompeu as barreiras entre asfalto e morro. É como se alguém virasse a alavanca
e, de repente, os velhos conceitos não valessem mais nada. Percebi que não
bastava simplesmente escrever sobre a pobreza ou ignorá-la. Não basta ser
contra ou a favor de favelas para resolver os problemas dos moradores.
Até hoje sou
grata por essas experiências únicas e as inúmeras lições que aprendi no Brasil.
Com essa bagagem, vejo os desdobramentos da crise política e econômica atual,
bem como as eleições deste ano, em que esperamos que os eleitos pelo povo
atendam aos três principais desejos pedidos no Ano Novo, de redução da
violência, geração de empregos e um basta na corrupção.
De qualquer
maneira, eu, pessoalmente, estou certa de que meu aprendizado com o Brasil
continua.
Astrid Prange de
Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para
o diário taz de
Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e,
por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o
Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter:
@aposylt.