Yahoo Notícias - A história da escravidão no Brasil não pode ser contada sem outra, paralela: a dos quilombos. Centros de resistência e convivência de pessoas escravizadas que fugiram ou se libertaram até o século XIX, algumas dessas comunidades atravessaram os anos e existem até hoje pelo país.
Enquanto
a escravidão foi legal no Brasil, até 1888, a palavra quilombo definia um grupo
de escravos fugidos.
Segundo
o antropólogo Filipe Juliano, doutorando do Museu Nacional, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estudioso do tema, esse termo vem da língua
kongo, falada nos territórios hoje de Angola e Congo, para definir acampamento.
"No Brasil, o primeiro registro do termo é feito no Conselho Ultramarino
português de 1740. Nessa época, tinha um significado que poderia ser traduzido
quase literalmente como quadrilha", conta.
Segundo
a legislação mais recente, são considerados remanescentes quilombolas "os
grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção
de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida".
"Ele
sai, então, de uma classificação praticamente criminal para a de hoje, que é
positiva, uma comunidade que tem história, cultura, comida, música",
define Juliano.
"Essa
definição legal é interessante porque concretiza uma luta dos grupos que se
identificam como quilombolas", explica Marta de Oliveira Antunes doutora
em Antropologia também pelo Museu Nacional.
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Nas Américas -
Essas
comunidades não são um fenômeno exclusivamente brasileiro.
"O
quilombo aconteceu em todo lugar onde houve escravidão", afirma Juliano.
"Onde houve escravidão, houve resistência. Então, a forma era a fuga e o
isolamento".
Os
"maroons" do sul dos Estados Unidos, o "palenque" de
Esmeraldas, no Equador, os "bushinengues" da Guiana Francesa e do
Surianame são alguns dos exemplos desse tipo de concentração.
"Mas
o Brasil é muito grande, o processo de escravidão foi muito longo, então a
quantidade de quilombos aqui é incomparável", explica Antunes.
A
mais importante história de resistência do país é a do quilombo de Palmares.
Surgida no século XVI, a comunidade teria chegado a reunir 30 mil pessoas, com
um grau elevado de organização social e de resistência ao poder colonial.
"Palmares
é uma imagem simbólica muito importante, com nomes de heróis como Zumbi,
Dandara. Tem uma dimensão guerreira muito forte, de resistência, de luta",
diz a antropóloga.
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Resistência -
O
quilombo de Palmares se desfez, após guerras e acordos, no século XVII, mas se
mantém forte no imaginário nacional, sobretudo destes grupos que até hoje lutam
para existir.
Juliano
conta que, mesmo após o reconhecimento dos remanescentes quilombolas na
Constituição Federal de 1988, muitos grupos tinham medo de se identificar
assim.
"O
trauma da escravidão era tão forte que o primeiro movimento é repelir e se
afastar de qualquer possibilidade disso", relata.
Antunes
indica, contudo, que as políticas afirmativas, sobretudo a partir do Decreto
4887 do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ajudaram as mais de 2 mil
comunidades quilombolas existentes no Brasil a reencontrar sua autoestima.
"A
partir de 2003, você começa a ter vários quilombos com grau de alfabetização
maior, novas funções, e valorização da comunidade quilombola. Há um processo de
mudança da forma como são enxergados pelo entorno, e essa identidade os ajuda a
lidar com o racismo e se valorizarem", defende.