O professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio
Vargas (FGV) Direito Rio, Joaquim Falcão, de 74 anos, avalia que “a força
jurídica” no Brasil se concentrou nos últimos anos no Supremo Tribunal Federal
(STF). Nesse sentido, Falcão cobra da Corte a conclusão das ações que tramitam
na instância máxima do Judiciário para evitar o que ele chama de “ativismo
processual”. “A sociedade precisa que o Supremo termine seus julgamentos da
Lava Jato e de milhares de outros”, afirmou, em entrevista ao Estado.
Para Falcão, a prisão em segunda instância é um tema decisivo para o futuro do
combate à corrupção no Brasil. “O Supremo está dividido”, disse. Em outubro do
ano passado, o Supremo decidiu, por 6 votos a 5, pela admissibilidade da prisão
após condenação pela Justiça de segundo grau. O caso, no entanto, pode ser
revisto em 2018.
No mês passado, foram publicados os seis últimos livros da coleção de 21
volumes – cada volume corresponde a um dos ministros que ocuparam a Corte entre
os anos de 1988 e 2013.
Leia os principais trechos na entrevista:
Os seis novos
volumes da História Oral do Supremo fecham um ciclo de 25 anos da Nova
República, de 1988 a 2013. Qual a importância da publicação de uma obra como
essa?
O Direito não caiu dos céus nem caiu dos países que, em geral, são tomados como
fonte: Itália, Estados Unidos, Alemanha e Portugal. O Direito nosso pode ter
sido inspirado, mas é um Direito feito aqui. E quando ele é feito aqui, ele tem
conformações próprias. Não se ensina quase mais história do Direito nas
faculdades. O objetivo (do livro) é conhecer a nós mesmos e termos um Direito
com base na realidade, um constitucionalismo feito de realidade brasileira.
Qual o momento mais
marcante do Supremo nestes 25 anos?
Algo que fica muito claro na História Oral é a participação do Supremo na
escolha do presidente (José) Sarney. O próprio Sydney Sanches (ex-ministro do
STF) diz que foi acordado à noite para decidir quem assumia, se era Ulysses
(Guimarães) ou Sarney. E nesta edição, o Octavio Gallotti (ex-ministro do STF)
confirma isso. Eles conversaram com Moreira Alves (ex-ministro do STF). O
consenso foi de que cabia ao vice-presidente. O interessante é que isso não foi
feito em sessão formal, no plenário. Isso foi feito no apartamento deles.
Existe o Supremo do plenário, mas também existe o Supremo do corredor e do
apartamento. E a decisão da transição a favor de Sarney foi feita nas
convicções de diálogos informais que ocorreram naquela época. A vantagem do
História Oral é que ele capta principalmente os momentos humanos, informais,
políticos, opiniões não oficiais. Isso nos faz compreender melhor certas
decisões. Essa é a importância da história do Supremo, ela revela muito mais do
que está nos autos.
O senhor já disse
que 90% das decisões do Supremo não são do Supremo, mas sim dos ministros
individualmente. Por que isso ocorre?
A Constituição garante ao cidadão ser julgado por uma Corte Suprema, então eu,
pessoalmente, acho que é inconstitucional, é burlar, é ofender o direito do
cidadão ele ser julgado por um ministro só. O que a Constituição lhe garante é
o julgamento de uma instituição. Essa instituição é uma Corte, um colegiado.
Agora, você começa essa inconstitucionalidade com uma excessiva centralização
do Supremo que, no fundo, torna quase que os julgamentos de primeira instância
e dos tribunais sem a força necessária. A força jurídica se concentrou no
Supremo e ao se concentrar ele torna as outras instâncias, se não irrelevantes,
muito menos decisivas.
O Supremo é uma
Corte constitucional, mas também trata de assuntos de outras esferas. Isso não
ocorre em outros países. O STF está sobrecarregado?
O Supremo tem artérias que levam mais sangue do que o coração aguenta. Isso são
os recursos, os agravos de instrumento, os recursos especiais.
Em artigo publicado
na Folha de S.Paulo, o senhor disse que está em curso uma “defesa legal da
corrupção sistêmica”, buscando-se dividir o Supremo e torná-lo inseguro. O que
seria essa “defesa legal da corrupção sistêmica” à qual o senhor se refere?
Existe proposta para estender o foro privilegiado para ex-presidente da
República. Isso é legal, se o Congresso aprovar. Mas claramente é um objetivo
para proteger ex-presidentes denunciados ou investigados por corrupção. Então
você faz uma lei legal que, no fundo, é um abuso de poder. Você tem várias
propostas em curso que têm uma aparência legal, mas é um abuso de
direito.
O senhor acredita
que o Congresso poderia aprovar a extensão de foro a ex-presidentes?
É uma hipótese possível, uniria o PT e o PMDB, mas não acredito que seja
provável.
A prisão em segunda
instância é motivo de polêmica no meio jurídico e gera divergências dentro do
próprio Supremo. Há uma possibilidade de modificação da jurisprudência do STF
quando esse julgamento ocorrer?
Esse é um tema decisivo para o futuro do combate à corrupção. Acho que o
Supremo está dividido e está havendo um jogo político. Uns querem votar mais
rápido e outros querem adiar. Para o estado democrático de direito bastam duas
decisões: uma decisão monocrática de um juiz de primeira instância e uma
decisão de um tribunal. Essa questão é uma anomalia nossa feita pela ideologia
dos processos. Tome o exemplo dos Estados Unidos: bastam duas decisões; aqui
temos seis. Isso é uma prorrogação, como se o jogo de futebol fosse prorrogado
indefinidamente.
O senhor acredita
que Lava Jato promoveu um ‘novo padrão’ para a Justiça brasileira?
O (ex) ministro (do STF) Joaquim Barbosa diz que um dos objetivos dele era
começar e terminar o mensalão. E ele conseguiu. Ele terminou. A questão toda é
essa hoje em dia. É que o Supremo não termina. Então a sociedade precisa que o
Supremo termine seus julgamentos da Lava Jato e de milhares de outros. Demorou
dez anos sobre essa questão da poupança dos bancos. Quando o Supremo adia por
dez anos uma decisão monetária ele faz política monetária, ele faz política
pública. E quem tem que fazer isso é o Executivo. O ativismo processual é o
problema nosso hoje. É através do ativismo processual que o Supremo faz
política pública, o que fica evidente no caso dos bancos.
O líder das pesquisas de intenção voto, Lula, já foi condenado na Lava Jato e
pode até ficar inelegível. Esse caso pode chegar ao Supremo?
Possível tecnicamente, mas não provável politicamente. Agências