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19/09/2008 00:00:00

Especiais


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Uma pequenina mesa de jantar, rodeada de quatro cadeiras menores ainda, divide espaço com um sofá pouco convencional. "Tem tudo a ver com a gente", resume Adriana Poci Cabral, 42 anos, 1,30 m, que comanda a loja Casinha Pequenina, no shopping Eldorado (zona oeste de São Paulo), junto com a irmã Mila Poci Cabral, 39 anos, 1,20 m. Quase todos os objetos da loja cabem na palma da mão. "Comércio é difícil, mas com esta loja [de miniaturas] quase não temos concorrência", completa Adriana.

As irmãs contam que alguns clientes já ficaram desconcertados ao perceber que elas eram anãs. Mas isso é raro. Segundo Mila, boa parte deles vai lá para vê-las. "A gente é como um folclore", diz, "às vezes levamos bronca porque não estávamos na loja. Muitos querem ser atendidos apenas por nós".

Mas por trás dos sorrisos que elas espalham para os clientes, existe uma realidade menos 'colorida', compartilhada por outros anões.

"Outro dia saímos do ônibus e um homem, de dentro de um carro, chamou a gente de anãs de circo", conta Adriana. "Eu não ligo muito, mas a Mila fica nervosa com as brincadeiras". Adriana, entretanto, lembra de um caso que a incomodou. "Há uns 10 anos, eu trabalhava em uma loja de acessórios para banheiro, e era a minha vez de atender um cliente. Quando eu me apresentei, ele me ignorou, fingiu que não me viu. Eu passei o cliente para uma colega e fui chorar no estoque da loja".

Com Kênia Hubner, 53 anos, 1,23 m, as histórias de preconceito se repetem. Ela e o marido Hélio Pottes, 53 anos, 1,33 m, são responsáveis pela associação Gente Pequena, uma organização inspirada na Little People of America, dos EUA, que estava inativa por duas décadas e renasceu há 3 anos.

Kênia é formada em enfermagem pela PUC (Pontifícia Universidade Católica). Quando foi procurar emprego com três amigas de estatura normal, elas avançavam no processo seletivo e Kênia era sempre desclassificada na primeira fase. "Rodei por 25 hospitais. Durante uma prova de classificação, a moça me perguntou, na frente de todo mundo: 'por que você está fazendo isso? Como vai atender uma parada cardíaca?'".

Ela trabalha há 28 anos no hospital Beneficência Portuguesa. Já empregada, Kênia ainda enfrentava obstáculos. "A diretora do hospital era muito questionada sobre a minha admissão. E parece que você tem que trabalhar dobrado, tem sempre que ficar provando que é capaz", lamenta. "Com paciente nunca tive problema, mas quando eu subo na escadinha da cama alguns acham que eu vou cair."

Com a filha Maria Rita, 17 anos, 1,25 m, os problemas foram na escola. "Ela não era aceita, as pessoas criavam dificuldade, mas não explicavam as razões". Uma vez dentro da sala de aula, os pais explicavam que ela não precisava de carteirinha especial para estudar. "Os amiguinhos tratavam ela como boneca e até faziam sua lição. Ela, claro, aproveitava", recorda a mãe.

Hoje adolescente, Maria Rita está no 2º colegial do colégio Objetivo, faz equitação e aula de jazz. "Conheci muitos anões pela Internet, temos uma comunidade no Orkut e isso me sustenta, mas não tenho preferência por amigos altos ou baixos".

No Orkut, existem mais de 500 comunidades relacionadas ao nanismo. Nem todas trazem um mote amigável. "É a cultura do circo", lembra o pai de Maria Rita, Hélio. Para ele, esta cultura é responsável por manter os anões em categorias de ridicularização, principalmente no mundo do espetáculo. "Alguns já estão representando atores normais, interpretando textos. Mas muitos ainda são explorados porque são diferentes, e acabam fazendo papel de anão de circo", afirma. Além de publicitário, com experiência em criação e design, Hélio faz teatro e atua com o grupo Os Parlapatões. E representa personagens não estereotipados.

Mila, da loja Casinha Pequenina, também é atriz e diretora de teatro. "Já fiz os estereótipos de sete anões e ajudante de papai-noel, mas hoje faço teatro pelo teatro mesmo". Ela já foi cantora de ópera, rei, cardeal e está em cartaz interpretando uma secretária.

Com a associação Gente Pequena, Hélio se dedica a conscientizar os colegas. "Muitos ainda não têm especialização e precisamos divulgar as perspectivas futuras". Dos cerca de 700 associados, mais da metade não têm formação no ensino superior. "Eles não tem referência de profissão, muitos pais não incentivam".

Hélio lembra que o deboche com anões no teatro ou na TV é reproduzido nas ruas. "Na época que o [programa de televisão] Pânico inventou o 'pedala, Robinho', os anões recebiam tapas na rua. Os pais da associação ficaram revoltados", conta Hélio. "Isso era ruim para os atores e para todos os outros anões. Muitos não saíam de casa por vergonha."

O ator que interpretou o Robinho, Nestor Bertolino Neto, 39 anos, 1,20 m, discorda. "Isso só vem ajudar a gente", afirma, "antes da TV eu sofria discriminação duas vezes: por ser anão e por ser negro".

No mundo artístico, ele se diz realizado. "Minha vida mudou, eu sou tratado de forma boa, conquistei valor com o meu talento". Mesmo com o quadro 'pedala, Robinho' extinto, Nestor se diz "muito feliz" com suas atuações na TV e em eventos —na maioria das vezes ainda interpreta Robinho. "O pessoal brinca de 'pedala' com todo mundo, independente de ser anão. Isso não tem nada a ver".

Para a advogada, Tatiana Muniz, 29 anos, 1,26 m, o anão não é visto como artista e sim como um motivo para as pessoas darem risada. Antes de fazer o curso de direito, Tatiana ganhava dinheiro com eventos em festas e danceterias. "Quase 100% dos eventos eram voltados para a sátira", relembra, "eu me sentia mal". Agora ela está estudando para o concurso da magistratura. "Por falta de oportunidade no mercado de trabalho ou por não poder custear um curso, os portadores acabam abrindo mão do sonho", acredita Tatiana.

Qualquer pessoa pode ter um filho anão

  • O nanismo é uma mutação genética. Existem mais de 80 tipos e 200 subtipos da doença, mas a mais comum é a acondroplasia. Segundo a dra. Chong Ae Kim, chefe da unidade de genética do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, como a mutação é aleatória, qualquer casal pode ter um filho com a doença, mas fatores como a idade avançada do pai podem aumentar as chances de um casal normal ter um filho anão. Por outro lado, um casal anão também tem chance de ter um filho normal. "O gene é dominante, portanto, um casal com a doença tem 25% de chance de ter um filho normal", afirma Kim.

    Algumas características dos anões são: baixa estatura, cabeça grande, perfil achatado, membros -principalmente braços e coxas- curtos, dedos afastados e alteração na coluna. "Eles podem ter algumas complicações ao longo da vida, mas a maioria tem saúde normal. E todos têm inteligência normal", diz Kim. A expectativa de vida dos anões segue a média da população.

    O IBGE não tem um levantamento de quantas pessoas têm a anomalia no Brasil, mas a medicina estima que entre 15 mil e 26 mil crianças nascidas vivas, uma tem acondroplasia. Se estimarmos que um em 20 mil bebês tem a doença no Brasil, seriam cerca de 9.500 anões no país.

com uolnoticiassãopaulo // gabriela sylos

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