19/04/2024 06:32:44

Municípios
27/04/2012 22:40:27

Área de Proteção Ambiental de Murici agoniza


Área de Proteção Ambiental de Murici agoniza
Focos de queimadas vistos serra Frios

A partir de um trecho da BR-104, desde o finalzinho do município de Messias até a zona rural de Flexeiras, na Zona da Mata alagoana, compreendendo pouco mais de 116 mil hectares, existe uma extensão de terra intocável. Mas o que é preconizado no papel, por meio da Lei Estadual nº 5.907, assinada em 14 de março de 1997, está difícil de ser obedecido. É somente pegar o cruzamento da rodovia que dá acesso à maior Área de Proteção Ambiental do Estado, a APA de Murici, para notar que a cor verde bandeira das matas fechadas é substituída pelas fileiras organizadas dos canaviais ou pela grama rasteira dos pastos.

E os problemas não param nesses dois especificamente. A destruição da vegetação de mata atlântica, em área de proteção permanente, utilização de substância nociva à saúde e ao meio ambiente, impedimento da regeneração natural de vegetação de mata atlântica, construção de obras potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais, implantação de lixões dentro da APA, extração clandestina dos recursos naturais, além da caça e pesca predatórias já foram pontos investigados, inclusive, pelo Núcleo de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual (MPE).

Os órgãos fiscalizadores e de gestão do meio ambiente do Estado trabalham no sentido de preservar o bioma, entretanto a força que precisam está longe da ideal. A principal dificuldade deles é a falta de corpo técnico e de efetivo suficientes para monitorar uma área tão extensa e que é cheia de trilhas perigosas, de difícil acesso, mas que já foram exploradas por caçadores e continuam sendo devastadas em ritmo acelerado por grandes empresários e fazendeiros. Ações de conscientização da comunidade estão sendo feitas com mais frequência. Entretanto, nem o monitoramento total da área está disponível. O estudo ainda está na fase inicial.

A reportagem da Gazetaweb percorreu um trecho da APA de Murici guiada por uma equipe do Instituto do Meio Ambiente (IMA) e flagrou alguns destes problemas investigados pelo MPE. Do alto da Serra dos Frios, em União dos Palmares, foi possível enxergar um pouco da dimensão da área preservada e perceber o contraste da quantidade de mata fechada com as áreas usadas pelos canaviais e pastos. Quase não se vê mata atlântica.

E os motivos para se preservar a APA de Murici são inúmeros. É neste perímetro, que envolve 10 municípios (Messias, Murici, União dos Palmares, Branquinha, São José da Laje, Ibateguara, Colônia Leopoldina, Novo Lino, Joaquim Gomes e Flexeiras) que vivem diversas espécies endêmicas com elevado grau de ameaça, a cobertura vegetal tem aspectos denso e aberto e a hidrografia apresenta como principal rio o Camaragibe, com diversas quedas d’água. Importante ainda é a Estação Ecológica de Murici (Esec), administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Este trecho, especificamente, é intocável e dispõe de beleza singular.

“A APA de Murici tem as características exclusivamente da mata atlântica, onde existem os maiores remanescentes deste tipo de vegetação do Estado. Foi criada necessariamente com fins de conservação do bioma, que está escasso por aqui. Possui várias espécies incomuns e que são objeto de estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas”, disse o presidente da APA de Murici, Ykison Teotônio de Emery.

Entre a cana e o pasto

Percorrendo duas trilhas com a equipe do IMA, a Gazetaweb registrou poucas áreas em que a mata atlântica prevalece. De um lado, o cultivo da cana-de-açúcar e, do outro, donos de fazendas cercaram o gramado e o transformou em pasto. Os animais em grande quantidade passeiam livremente e se alimentam do mato arrancado da terra utopicamente preservada.

A primeira visita foi na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Vila D’Água, na zona rural de Murici. Para chegar até lá, uma estrada de barro extensa precisa ser percorrida. Depois, a trilha fica mais difícil numa ladeira. A ação da chuva erodiu o solo. As fendas assustam. Apesar dos empecilhos, o sacrifício é recompensado com uma bela vista. A mata fechada e o som da cachoeira são de encher os olhos. Ali, o homem predador ainda não encontrou espaço para atuar. A ação do IMA tenta coibi-lo.

“Beleza é o que não falta. O nosso empenho diário é manter conservadas as reservas. Apesar de particulares, os donos são orientados a manter o bioma intacto”, afirma Ykison Emery.

O local é desabitado. Segundo o presidente da APA de Murici, a ocupação irregular, como é registrada em outras áreas de proteção do Estado, ainda não é um problema frequente naquela região. O desmatamento e a poluição são os que têm tirado o sossego dos órgãos.

 

Em União, lixo é depositado na APA

Pelo acesso em frente à entrada principal do município de União dos Palmares há um caminho que incomoda a população e, principalmente, os órgãos de meio ambiente. Além do mau cheiro, o lixão da cidade fica em terras da APA de Murici. O local já foi notificado recentemente por conta das inúmeras irregularidades, a principal é estar localizado em área de conversação.

A fumaça provocada pela combustão de resíduos tóxicos depositados no lixão, um dos incômodos, já foi divulgada na imprensa. Por enquanto, o IMA aguarda a regulamentação. Enquanto isso, o lixo continua poluindo o solo da APA.

Da Serra dos Frios, pode-se observar o trecho desmatado pelo lixão. Além de estar localizado numa Área de Proteção Ambiental, o depósito de resíduos beira a zona urbana. Poucos metros o separam do espaço ocupado pela população.

“Pelo que temos conhecimento, há um projeto do Poder Público de construir aterros sanitários em todos os grandes municípios. Se saísse do papel, era uma alternativa do ponto de vista legal para garantir a preservação do meio ambiente. Principalmente numa área de proteção como esta”, comentou Ykison Emery.

Caçadores se embrenham na mata

As 85 famílias que vivem em terras da Fazenda Pacas, no assentamento Ernesto Che Guevara, em Murici, têm consciência de que vivem numa APA e são orientados não somente pelo IMA, mas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Técnicos destes dois órgãos estão rotineiramente passando pelo local para averiguar o se o patrimônio natural está conservado. A única reclamação dos moradores é com relação à presença de caçadores.

Os ‘intrusos’ se embrenham na mata fechada em busca de animais selvagens, principalmente do tatu. Para isso, deixam armadilhas espalhadas pelos prováveis caminhos dos bichos e voltam, depois, para matar os que ficaram presos. “Praticamente todo final de semana eles passam por aqui em seus carros. Já sabemos que vão para a mata caçar os animais”, relatou o presidente do assentamento, Cícero Antônio, conhecido na localidade pelo apelido de ‘Bel’.

Ele ainda denuncia. “Não tem qualquer fiscalização do Ibama ou do IMA no sábado e no domingo. Isso facilita a ação dos caçadores no fim de semana. Eles não encontram problema algum para entrar na mata, colocar as armadilhas, voltar depois e matar os bichos para vender a carne ou a pele”, reclamou o morador.

“Como foi criada somente em 1997, muitos já exploravam as matas da APA de Murici. Era uma cultura caçar e pescar de forma predatória nesta região. Mas, com as nossas ações visando coibir, este tipo de prática tem diminuído bastante. Operações contando com o Batalhão de Polícia Ambiental têm sido executadas neste sentido”, rebate o presidente da APA.

Como o assentamento é registrado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a exploração do solo para fins de subsistência está liberada. Percorrendo parte dos cerca de 215 hectares de reserva ambiental que margeia o povoado, observam-se os moradores mais antigos trabalhando em lavouras e cultivando, principalmente, frutas, legumes, verduras e condimentos.

“Temos a consciência de que somente podemos tocar nos lotes cercados pelo IMA. Os parceleiros da região também sabem disto. Até instrução sobre combate a incêndio a gente recebeu. O Ibama, por meio do programa Prevfogo, ensinou à comunidade que qualquer foco de queimada na região de preservação é para acionar imediatamente a brigada do órgão. Só ela é responsável por conter as chamas. Mas, não podemos evitar a ação dos caçadores. Eles passam livremente aqui sem qualquer fiscalização que os impeça de agir”, lamentou ‘Bel’.

Falta atenção do governo, diz Amane

A importância da Área de Proteção Ambiental (APA) de Murici é proporcional aos seus problemas. Seus mais de 116 mil hectares resistem bravamente até mesmo à falta de ações efetivas do Governo e a escassez de Organizações Não-governamentais (Ongs) preocupadas com a preservação ambiental.

O resumo do que acontece em Alagoas foi dito pela diretora executiva da Associação para Proteção da Mata Atlântica do Nordeste (Amane), Maria das Dores Melo. "Falta diretriz do Governo, falta sensibilização", diz a arquiteta referindo-se ao fato de estados vizinhos terem mais interesse em investir e organizar as unidades de preservação.

"Em Pernambuco tem fundo estadual de meio ambiente e recursos hídricos. Em Alagoas não tem opções, falta abrir editais para fortalecer instituições locais", acrescentou Maria das Dores. De acordo com a diretora executiva, o Governo alagoano não disponibiliza orçamento para implementar ações de planejamento e gestão das unidades.

A Amane firmou parcerias importantes em Pernambuco, Sergipe e Paraíba, onde cresce o número de Ongs que trabalham com conservação ambiental. Aqui a situação é inversa. Segundo Maria das Dores, em Alagoas, são poucas as entidades em defesa do meio ambiente, isso porque faltam recursos e parcerias entre organizações com o Governo. "O Estado não disponibiliza recursos", lamentou a arquiteta.

Tráfico

Os problemas na APA de Murici foram alvo de investigação no Ministério Público Estadual (MPE). Em 2009, foi instaurado inquérito para investigar desmatamento em área de preservação, até hoje o processo ainda está em andamento. Outro problema detectado pelo MPE refere-se ainda ao tráfico de animais.

"Por mais que se faça, será sempre ineficiente. A pressão sobre a mata é muito forte. É grande a demanda para pouco pessoal", ressaltou o promotor Alberto Fonseca, referindo ao pouco efetivo de órgãos como o Ibama e IMA para impedir crimes ambientais.

Fonseca lembrou um caso relatado há três anos com área grande de desmatamento na região de União dos Palmares, dentro da APA. O acusado pela degradação ambiental apresentou um plano de recuperação da área e o caso foi encaminhado ao Ibama. "Estamos apenas aguardando o órgão para firmar um TAC referente a essa situação em União dos Palmares", revelou o promotor.

Alberto Fonseca disse que não há informações sobre grandes desmatamentos nessa área. Mas há, agora, preocupação dos órgãos de fiscalização em relação ao tráfico de animais para abastecer feiras livres. "De cada 50 pássaros que são retirados da mata, 49 morrem. Isso é muito sério. É uma estatística passada pelo próprio caçador", disse.

Desativação

Outra queixa do Ministério Público deve-se a desativação da Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente. "Para um estado que quer fazer turismo e vender belezas naturais isso não é bom. Deveríamos ter de volta a delegacia", informou o promotor que atua no Núcleo do Meio Ambiente do MPE.

A diretora executiva da Amane - Associação para Proteção da Mata Atlântica do Nordeste - Maria das Dores Melo declarou que como se trata de uma área grande é difícil ter uma idéia do "conjunto" da situação atual, mas que houve avanço com a criação de conselhos que passaram a atuar efetivamente na região. Entretanto, continua ainda a retirada de madeira para uso doméstico, situação difícil de ser impedida pelas escassas equipes de fiscalização.

“Há risco de incêndio, queimadas. O risco é permanente por ser um ecossistema frágil. Tudo isso gera impacto, tudo é ameaça. A melhor forma de combater é ter mais gente olhando, vigiando”, lembrou Maria das Dores.

O tenente Anderson Barros, do Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), reforçou as palavras da diretora da Amane ao dizer que como se trata de área extensa é preciso redobrar os cuidados. O militar que conhece bem a APA de Murici, declarou que há riscos de biopirataria (a pirataria ou roubo de recursos genéticos ou biológicos, sendo o envio ilegal de elementos da fauna e da flora de um determinado país para o estrangeiro com fins industriais ou medicinais).

Desafios do IMA são monitorar, conscientizar e fiscalizar

O diretor de Unidades de Conservação do IMA, Alex Nazário, apontou pelo menos três desafios que o órgão ambiental enfrenta diariamente na tentativa de preservar o patrimônio natural no Estado: monitorar, conscientizar e fiscalizar. A falta de corpo técnico não é encarada como um desafio, mas uma grande dificuldade.

“Aqui em Alagoas, assim como em todo o País, o órgão ambiental é carente de corpo técnico. Somos poucos para uma área geográfica imensa. São cinco APAs, duas reservas ecológicas, vinte RPPMs e mais um refúgio de vidas silvestres. Precisava-se de uma equipe com área de conhecimento afins, mas estamos nos organizando para tentar resolver as questões e administrar a unidade”, revelou. Agora, somente o presidente monitora na APA de Murici.

Ainda de acordo com Alex Nazário, aumentou o número de ligações pelo Disque-Denúncia (0800-082-1523), por meio do qual se revelam as práticas de crimes ambientais. Quem ligar não precisa de identificação. “A população precisa entender que o técnico precisa da localização, pelo menos um ponto de referência, dizer o tipo de crime que está acontecendo. Informar ainda o horário que geralmente isso ocorre. É garantido que o órgão irá ao local”, explica.

O monitoramento na APA de Murici, segundo o diretor, é feito semanalmente. “Pelo menos duas vezes por semana os técnicos circulam pela área”, garantiu.

“Estamos ainda fazendo um trabalho com a população que vive nesta área. Desenvolvemos o projeto ‘Conhecer para proteger’. Antes, a conscientização era feita pelos chefes das APAs. Por meio dele, são promovidas atividades com os conselhos gestores, acionadas as equipes de educação frequentemente e desenvolvidas ações com as prefeituras para divulgar a importância de se preservar o local, que é protegido por lei. Agora, estamos investindo nas escolas dos municípios para ajudar na conscientização”, completou.

De acordo com o IMA, existem cinco APAs em Alagoas: cinco estaduais (Santa Rita, Catolé, Murici, Pratagy e Marituba do Peixe) e mais duas de responsabilidade federal: a de Piaçabuçu e a Costa dos Corais, em Maragogi.

 

gazetaweb /

regina carvalho e thiago gomes

Galeria




Enquete
Na Eleição de outubro, você votaria nos candidatos da situação ou da oposição?
Total de votos: 29
Notícias Agora
Google News