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11/10/2010 00:00:00

Especiais


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Com cadaminuto / emanuelle oliveira

O tráfico de drogas não se restringe apenas a bairros da periferia de Maceió. Em locais como a Pajuçara, a disseminação do crack é explícita, pois não é difícil encontrar usuários em terrenos baldios, em meio ao lixo e até nas ruas, utilizando latas de refrigerantes amassadas como instrumento para fumar a “pedra”. O preço acessível, em média entre R$ 5 e R$ 10, também faz com que a nóia, como ficou conhecido no Nordeste, não se limite a determinada classe social ou escolha gênero.

Jovens – homens e mulheres - inclusive com alto poder aquisitivo, começam fumando maconha, mas acabam se viciando em drogas mais fortes. Para alimentar a dependência, muitos chegam a cometer furtos e se prostituir e em alguns casos, os familiares têm que prender o usuário em casa, para que ele não tenha acesso á droga. Quem usa tem outra peculiaridade: Emagrece rapidamente.

Além da nóia, a cocaína também é comprada com facilidade na capital alagoana. Na orla a porção custa R$ 80,00 e a droga é comercializada ao ar livre, próximo a bancas de revistas e boates. Nos bairros da periferia, como o Vergel do Lago, os pontos de venda estão acima de qualquer suspeita, geralmente em casas, que abrigam famílias que encontraram a sobrevivência por meio do tráfico de drogas.

O crack chegou ao Brasil anos 90 como uma alternativa ao alto preço da cocaína e recebeu esse nome devido aos pequenos estalidos produzidos pelas pedras ao serem queimadas e em Maceió, acabou substituindo o vício na cola de sapateiro. A mistura das sobras do refino da cocaína, que são fervidas com água e bicarbonato de sódio resultam na droga, que libera de uma fumaça absorvida pelos pulmões, que vai para o cérebro pela corrente sanguinea em cerca de 10 segundos.

A droga, que já é vista como responsável por uma verdadeira pandemia, inicialmente produz um efeito excitante do sistema nervoso, que dura de 3 a 10 minutos e também eleva a temperatura do corpo, podendo causar no dependente um acidente vascular cerebral e ainda, destruição de neurônios. O crack provoca a degeneração dos músculos do corpo e inibe a fome e o sono. Após o uso, há alucinações e paranóia.

Nem mesmo a ação da polícia, com a prisão de traficantes é capaz de conter o avanço dessas drogas, responsáveis pela morte de milhares de jovens em Alagoas, que na maioria dos casos não conseguiram pagar as dívidas contraídas com o vício ou ainda, que perderam a disputa pelos pontos de venda.

Usuários x traficantes

Um rapaz de 27 anos, que preferiu não se identificar e está há um mês sem se drogar, revelou que já consumiu êxtase, maconha e cocaína e ainda, que nunca encontrou dificuldade para comprar drogas em Maceió, principalmente em bares no bairro do Jaraguá, onde ele afirma ser um dos pontos fortes de tráfico.

“Comecei a usar drogas aos 23 anos, mas nunca cheguei ao extremo para me drogar. A cocaína me traz liberdade, fico desinibido, afoito, mas o efeito só dura 15 minutos. Depois só dá depressão, arrependimento, mau humor e me sinto perseguido. Já a maconha traz tranqüilidade, paz interior, faz você pensar em tudo, filosofar, mas quando passa o efeito dá muita fome, a famosa larica”, relatou.

Além disso, ele afirmou que suas relações afetivas acabaram sendo prejudicadas, graças ao vício, o que o incentivou a procurar ajuda em um Centro de Atenção Psicosocial (CAPS), onde recebeu atendimento psiquiátrico gratuito e participou de um grupo motivacional. Ele ressaltou que está há um mês sem usar drogas porque viu sua degradação física e mental.

“Eu quase me separei do meu companheiro, pois procurava na cocaína o que meu relacionamento não me oferecia, mas nunca deixei que isso me dominasse ao ponto da minha família descobrir. Duas grandes amigas me levaram ao CAPS do Farol, mas tudo começou por mim, eu que não quis mais usar. Vi que isso realmente tem o nome que merece: droga”, relembrou.

Ele lamentou a falta de apoio familiar para que o viciado se recupere e ainda, que as pessoas não imaginam o quanto o usuário fica debilitado para poder se libertar sozinho, afirmando que especialistas recomendam a substituição de uma droga forte por outra mais fraca. “Sempre vemos porque não se deve usar drogas, mas deviam mostrar também como o indivíduo fica e como deveria ser acolhido. As drogas só servem para destruir sua cabeça e seu corpo”, enfatizou.

Já Marcelo, como prefere ser chamado, tem 32 anos e fuma maconha desde os 16 anos, além de repassar a droga no Conjunto Santo Eduardo. Ele revelou que quando vendia crack, há dois anos, enfrentou muitos problemas com os viciados, que o procuravam totalmente alucinados e afirmou que no Bom Parto, Jacintinho e Chã de Jaqueira há vários pontos de tráfico, além de locais como a Praça do skate, na Ponta Verde, onde não é difícil ver jovens de classe media, se drogando.

“Eu só vendo quando pego para usar, aí repasso para os conhecidos. Para chegar em uma boca e comprar mais de 100 gramas tem que ter um conhecido lá. Logo quando o crack chegou aqui eu vendia, era caro, uma novidade e também usei. Tive muitos problemas, fiquei magro, com o corpo dolorido e muitos viciados me procuravam, querendo comprar fiado. Tem gente mesmo que só trabalha pra manter o vício e vende tudo dentro de casa. Eu tinha medo da polícia e de matar ou morrer”, contou.

Segundo Marcelo, a comercialização também acontece nas ruas, já que as bocas de fumo são visadas. Ele lembrou que vários amigos seus já morreram por causa do tráfico. “O crack fumado na lata é pior, porque é misturado a cinzas. Também já fumei o ‘melado’, que é o crack misturado com maconha. Se fosse pelos amigos eu tinha continuado, mas vi a desgraça de muitos”, lembrou.

Drama em família e recuperação

As chances de recuperação para usuários de crack são mais baixas entre todas as droga-dependências, pois exige a submissão voluntária ao tratamento por parte do dependente, o que é difícil, devido à vontade de voltar a usar. Nem todas as famílias têm condições financeiras para bancar o tratamento do usuário em clínicas particulares, que em muitos casos não é concluído.

No Estado existem 14 clínicas aptas para internamento. Muitas, são mantidas por meio de doações e os familiares dos dependentes contribuem de acordo com suas possibilidades financeiras. Os viciados são encaminhados a esses locais pela Secretaria da Paz, ao entrarem no Projeto Acolher. Há ainda, grupos de apoio montados por igrejas evangélicas.

A assistente social Arlete Quitorato fundou, há 15 anos, o Desafio Jovem em Maceió, que inicialmente funcionava no bairro de Bebedouro, mas que desde 2007 está localizado na Massagueira e tem sede administrativa no Santo Eduardo. Em 1995 ela viu seu filho se render ao vício, então procurou clínicas especializadas no Recife e em Caruaru, por não encontrar um centro de apoio em Alagoas.

“Foi muito difícil lidar com esse problema, meu filho sofreu com o preconceito. Eu conheci o Desafio Jovem e junto com pessoas da igreja fundamos a clínica aqui. O primeiro prédio foi cedido pelo estado, mas tinha uma estrutura precária, ai fechou. Em 2006 a clínica feminina também parou de funcionar, mas graças a um Fundo de combate à Pobreza instalamos o centro em Marechal, mas lá é alugado”,contou.

A clínica recebe dependentes químicos a partir de 14 anos e lá eles passam por um programa de recuperação que dura nove meses, sendo os três últimos destinados à reinserção na sociedade. Os internos desenvolvem trabalhos em oficinas de serigrafia e padaria e ainda, em hortas. Além disso, existem atividades voltadas para o lado espiritual e as famílias e os ex-usuários são acompanhados, em reuniões semanais.

“Alguns usuários saem após dois meses, depende muito da pessoa. Antes eram 20 vagas, mas no novo centro contamos com 30. O crack é a pior de todas as drogas, as famílias já chegam aqui destruídas. Tem que existir um diálogo aberto entre pais e filhos, pois a orientação começa cedo. É preciso ter tempo para isso ou os jovens vão buscar apoio fora de casa”, destacou.

Recentemente, a professora aposentada Valderi Borba Magalhães, 64, precisou de coragem para enfrentar, junto com o filho de 35 anos, o problema, que segundo ela é tão prejudicial para o viciado quanto para as pessoas que estão ao redor dele. Valderi descobriu que o filho começou a usar maconha aos 15 anos e que há um ano passou a fumar crack. Ele está internado há um mês no Desafio Jovem.

“Quando jovem ele nunca chegou em casa diferente, mas eu também não conhecia nada sobre drogas. Depois que começou no crack meu filho emagreceu e isso chamou a atenção de toda família. Achamos que ele estava doente, mas aí ele chegava tarde e as coisas começaram a sumir de dentro de casa. Ele ficou dois dias na rua e procuramos em hospitais e até no IML. Por sorte, tinha sido acolhido por uma conhecida nossa”, relembrou.

A professora relatou ainda, que a mulher de seu filho já sabia que ele era usuário e acabou contando, mas foi ele quem pediu ajuda. “Eu e os irmãos fizemos uma reunião, ele admitiu que era viciado, nos abraçou chorando e disse que precisava de Deus e não aguentava mais. Demos todo apoio e levamos ele para ser internado. Fui visitá-lo e percebi que ele está com uma fisionomia melhor. Lá eles comem muito, para não pensar na droga. Não podemos passar nada de negativo para os internos”, contou.

Valderi contou que várias vezes chegou a se questionar onde tinha errado para que o filho entrasse no mundo das drogas, mas percebeu que isso acontece quando a mente da pessoa é fraca e também por más companhias. A professora lembrou que os familiares precisam de apoio, pois sofrem com o preconceito, já que para ela ninguém está preparado para passar por essa situação.

“Sempre fui uma mãe amorosa e quando descobri que meu filho era viciado meu mundo desabou. O pai dele fumava e ás vezes mandava ele acender o cigarro, mas ele começou a usar maconha com alguns vizinhos. No grupo de apoio aprendi a como agir quando ele voltar para casa. Vou ficar sempre alerta, estabelecer horários, pois quando os pais não cuidam de seus filhos os traficantes é que adotam”, ressaltou.



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